Planos Econômicos
Há perigos para o sistema financeiro ?
Pondo mais lenha na fogueira, como se não bastasse o momento palpitante na economia mundial, o prazo para que sejam ajuizadas ações referentes ao Plano Verão, implantado no Brasil em janeiro de 1989, se avizinha.
Vinte anos depois, a corrida dos correntistas na Justiça preocupa os bancos, que pretendem ingressar com uma ADPF no Supremo.
De um lado estão os poupadores que reclamam valores que não teriam tido a devida correção e de outro os bancos que dizem que nada mais fizeram do que aplicar a lei que criou o plano.
Migalhas pretende mostrar aos leitores um pouco dos dois lados dessa história.
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Planos
Veja abaixo uma pequena definição dos Planos Bresser, Verão e Collor com as principais medidas apresentadas e os resultados (Fonte : Rev. Conjuntura Econômica – Edição Especial – 11/1997).
Plano Bresser
Entrou em vigor em junho de 1987.
Principais medidas : congelamento geral de preços e salários; tentativa de ajuste fiscal e tentativa de redução da dívida externa.
Resultados : preços e salários estáveis por 3 meses; fracasso no ajuste fiscal; fracasso na negociação da Dívida Externa; Política monetária descontrolada; recessão e superávit comercial.
Plano Verão
Entrou em vigor em janeiro de 1989.
Principais medidas : congelamento geral de preços, salários e câmbio; taxa de juros altas; nova tentativa de ajuste fiscal; desindexação parcial e criação de uma nova moeda com novo corte de zeros : cruzado novo. O plano também alterou o indexador utilizado para a correção das cadernetas de poupança, substituindo-se o IPC pela LFTN.
Resultados : preços e salários estáveis por 2 meses; política monetária entra em descontrole; novo fracasso na tentativa de controle fiscal; diminuição do superávit comercial e calote da dívida externa.
Plano Collor I
Entrou em vigor em março de 1990.
Principais medidas : novo controle de preços e salários; confisco das contas bancárias; taxa de câmbio apreciada; ajuste fiscal; foi reintroduzido o cruzeiro (extinto por ocasião do plano cruzado) em substituição ao cruzado novo, mantendo-se a paridade da moeda; suspensão dos pagamentos da dívida externa e desindexação de salários.
Resultados : preços e salários estáveis por 2 meses; política monetária expansionista; ajuste fiscal curto e ineficiente; fraca performance da balança comercial; recessão e nova crise de incerteza com deterioração das expectativas acerca da estabilização monetária.
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Correntistas X Bancos
Um das questões levantada pelas instituições financeiras é o princípio da legalidade dos planos. Eles recordam que em 2005 o STF julgou constitucional a Tablita, criada durante a vigência do Plano Bresser, para correção inflacionária dos contratos de aplicação financeira com valor de resgate pré-fixado – o CDB. Com base nessa decisão, questionam se os planos são legais ou não são ?
Se a resposta for sim, não há correção alguma.
Além disso, as instituições financeiras argumentam que a lei responsável pela criação do plano (7.730/89 - clique aqui - conversão da MP 32/89 - clique aqui) definia que o saldo das cadernetas de poupança seriam atualizados :
I - no mês de fevereiro de 1989, com base no rendimento acumulado da Letra Financeira do Tesouro Nacional - LFT, verificado no mês de janeiro de 1989, deduzido o percentual fixo de 0,5% (meio por cento);
II - nos meses de março e abril de 1989, com base no rendimento acumulado da Letra Financeira do Tesouro - LFT, deduzido o percentual fixo de 0,5% (meio por cento), ou da variação do IPC, verificados no mês anterior, prevalecendo o maior;
III - a partir de maio de 1989, com base na variação do IPC verificada no mês anterior.
Na verdade, o que está em jogo é a aplicação do índice de correção definido pela lei. Ou seja, se as poupanças vencendo a partir do dia 15 (início do Plano) teriam que ser reajustadas pelo novo índice ou o período anterior por um índice e o período posterior por outro índice.
Apesar de a maior parte da jurisprudência ser contrária, os bancos podem conseguir uma liminar para tentar adiar a discussão, como aconteceu com o Plano Real.
A Febraban, que levou o assunto ao presidente Lula, pretende contar com o apoio da AGU no ajuizamento. Na conversa com o presidente, os dirigentes da Instituição argumentaram que os bancos nada mais fizeram do que aplicar a lei que criou o plano. E pediram ao presidente, na típica metáfora lulista, que entrasse para dividir essa bola.
Foi o que bastou para que várias notícias pululassem nos jornais sobre o assunto.
Segundo O Estado de S. Paulo, o ônus político de ingressar com uma ação contra os correntistas levou o governo a não participar do pólo ativo.
No entanto, em notas recentes, a AGU deu a entender que participaria da ação depois de proposta, mesmo porque a AGU tem que defender os interesses da CEF que responde, dizem, por 40% de todo o montante em jogo.
Para uma auricular defesa prévia, Lula acionou o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que foi relatar os riscos do caso ao presidente do STF, ministro Gilmar Mendes. Mantega disse que obrigar os bancos a ressarcir os correntistas pode fragilizá-los neste momento de crise.
Mas por que só agora se vê este movimento, sendo que o plano é de 1989 ?
E essa é outra crítica das instituições financeiras, que questionam o fato de que a corrida ao Judiciário se dá não pelo fato de o poupador se sentir lesado, e sim porque o vintenal prazo prescricional para a reclamação se avizinha.
Com efeito, em recente artigo publicado pelo Portal Migalhas, Johan Albino Ribeiro, da Assessoria Jurídica do Banco Bradesco S/A, questiona essa procura dos correntistas somente agora. Para ele, "(...) o cidadão não se sentiu violado em seus direitos e bens, com a aplicação das regras que alteraram a indexação. No primeiro deles, o plano Cruzado, ao contrário, as massas eram concitadas a fazer a defesa pública do Cruzado e o resultado obtido pelo Governo na eleição de 86 é o registro mais contundente de que não houve qualquer sentimento de perda ou injustiça."
E completa, "Por mais cordato que seja o cidadão brasileiro, não seria natural que esse sentimento de perda surgisse somente 20 anos depois, ao ler uma notícia no jornal, de que o prazo de prescrição já se avizinha. E se o prazo fosse de 30 anos, essa idéia de perda só iria surgir mais tarde? Em todos os planos, os agentes financeiros cumpriram as regras estabelecidas sem qualquer poder de escolha. Os mesmos índices da caderneta de poupança foram aplicados aos financiamentos imobiliários e aos títulos do Governo. Os bancos não ficaram com qualquer diferença, daí porque não podem responder por um prejuízo que não existiu e ao qual não deram causa."
Afora isso, as instituições financeiras alegam que o dinheiro da poupança é vinculado aos contratos imobiliários, que também tiveram o reajuste, e que lá foi aplicado o mesmo índice.
Ao contrário da tese defendida pelos bancos, os correntistas e o Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor afirmam que o índice definido pelo plano só poderia valer a partir do dia em que a lei entrou em vigor, ou seja, 15 de janeiro de 1989. Antes disso, a correção deveria ser feita pelo índice anterior, maior do que o aplicado pelos bancos.
Para embasar esse argumento os advogados lembram que um decreto-lei (2.284/86 - clique aqui) determinava que as cadernetas de poupança renderiam o equivalente ao IPC. E esse decreto vigorou até 15 de janeiro daquele ano, quando o Plano Verão foi instituído.
Jurisprudência
No STJ, a tese dos correntistas é vitoriosa.
O Tribunal decidiu que as cadernetas de poupança abertas ou renovadas até o dia 15 janeiro de 1989 teriam direito à correção monetária concedida pelo governo (Plano Verão).
Em 2003, o STF homologou 33.025 pedidos de desistência feitos pela CEF em ações relativas à correção do saldo do FGTS durante os planos Bresser, Verão Collor I e II. O resultado decorreu de um acordo firmado entre o STF, a CEF e a AGU em fevereiro de 2002.
Em 2004, por unanimidade, os ministros do STF julgaram procedente a ADIn 2951 (clique aqui) ajuizada pelo procurador-geral da República contra decisão do TRF da 5a região. Em processo administrativo, o TRF determinou o pagamento de diferenças relativas ao Plano Verão a seus magistrados e servidores, alegando tratar-se de direito adquirido. O relator, ministro Carlos Ayres Britto, fundamentou seu voto - seguido pelos demais ministros - em inúmeros precedentes julgados pelo STF, a exemplo da ADIn 726 (clique aqui).
De acordo com a jurisprudência, a URP adotada no Plano Verão não configurou violação de direitos adquiridos dos servidores. Na decisão impugnada, o TRF 5a região havia aplicado o percentual de 26,05% sobre os salários, referente à URP de fevereiro a dezembro de 1989.
Em 2005, o plenário do Supremo julgou constitucional a Tabela de Deflações - Tablita, criada durante a vigência do Plano Bresser para correção inflacionária dos contratos de aplicação financeira com valor de resgate pré-fixado, o CDB. Por unanimidade os ministros do Supremo conheceram do RE 141190 (clique aqui) apresentado pela Companhia Têxtil Niazi Chohfi contra o Banco de Crédito Nacional S/A. No entanto, decidiram, por maioria de votos, não dar provimento ao recurso apresentado pela empresa.
Com isso, o plenário manteve a validade do decreto-Lei 2.342/87 que criou a Tablita como índice deflator – alterando o decreto-lei 2.335/87 (Plano Bresser - clique aqui) que estabeleceu o congelamento dos preços de mercadorias, serviços e tarifas públicas para o controle inflacionário. A norma criou ainda a Unidade de Referência de Preços - URP.
Em 2006, o STF julgou uma série de REs que contestavam a constitucionalidade da Tablita.
Em 2007, o PDT ajuizou uma ADPF 113 (clique aqui), com pedido de liminar, com o objetivo de evitar lesão ao direito do consumidor preceituado nos artigos 5º, inciso XXXII e 170, inciso V, da CF/88 (clique aqui). O partido alega ofensa aos preceitos constitucionais em possíveis decisões judiciais que apliquem a prescrição vintenária, prevista no artigo 177 do Código Civil de 1916, para as ações destinadas à recuperação de perdas de remuneração de índices da caderneta de poupança, decorrentes do expurgo inflacionário do Plano Bresser, editado pelo Governo Federal em 1987.
Manifestações
O Idec divulgou recentemente um "Manifesto em Respeito aos Cidadãos Consumidores, ao Poder Judiciário e à Supremacia das Leis Brasileiras" (clique aqui) contra a iniciativa da Febraban de ingressar com uma ADPF no Supremo e contra a possibilidade de participação da AGU na ação.
Segundo o Idec, "Essa iniciativa é vergonhosa e merece ser veementemente rechaçada pelos cidadãos e pelas instituições brasileiras, porque também significa rasgar a Constituição Federal."
A AGU enviou resposta ao manifesto do Idec :
"Ao ler o manifesto produzido pelo instituto acerca de declarações do ministro José Antonio Dias Toffoli ao jornal Valor Econômico, notei que há alguns equívocos. Em nenhum momento o ministro Toffoli afirmou que estava em estudo no Governo a possibilidade de utilização de ADPF. A afirmação é do jornal e refere-se a um ‘possível’ posicionamento de governo. A Advocacia-Geral da União não é Governo. Prevista no Capítulo IV da Constituição Federal, destinado às Funções Essenciais à Justiça, a AGU é instituição de estado, assim como a Defensoria Pública, a OAB e O Ministério Público. Por isso mesmo, não foi incluída nos Capítulos referentes a nenhum dos Três Poderes. Logo, o Idec ‘inferiu’, pela reportagem, que a afirmação era do ministro, cometendo, assim, um erro. O ministro Toffoli, de acordo com o Título II, Capítulo I, Artigo 4º da Lei Complementar 73/1993, que trata das atribuições do Advogado-Geral da União, tem entre suas funções a defesa da legalidade das leis. O Plano Verão, enquanto lei proposta pelo Poder Executivo, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo então presidente da República, será defendido quando sua constitucionalidade for questionada no Supremo Tribunal Federal, assim como a AGU fez com outros planos, como o Collor e o Bresser, sob pena de descumprimento dos deveres constitucionais da instituição."
Para discutir o assunto o Idec promove uma Reunião pública no próximo dia 29/10, às 19h, na Assembléia Legislativa de São Paulo - Auditório Franco Montoro.
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