Migalhas Quentes

Operação Satiagraha - Editoriais

Veja alguns editoriais que Migalhas acredita serem importantes para a atual discussão sobre os desdobramentos da Operação Satiagraha.

15/7/2008


Editorial

 

Veja abaixo alguns editoriais que Migalhas acredita serem importantes para a atual discussão sobre os desdobramentos da Operação Satiagraha.

 

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"Eremildo. Na inusitada queda-de-braço entre o Juiz De Sanctis e Ministro Gilmar, de um lado, o Juiz singular teve caloroso apoio de cerca de 400 Juízes e Procuradores da República, em comovente movimento de base, de outro, o Ministro Gilmar, contou com desagravo de alguns advogados ilustres, sendo desconhecido, até o momento, explicitação de apoio de nenhum de seus pares. Certamente Eremildo compreenderá o significado desta disputa ! "

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"A futrica engendrada em torno de uma divergência judicante entre dois juízes serve a dois propósitos.

O primeiro, desde fora das muralhas sagradas do Direito, produz serviço à tentativa de desmoralização da Justiça, na medida em que tenta emprestar a duas interpretações, de certo modo legítimas, embora divergentes, o caráter de favorecimento ou perseguição. Falece-lhe, a esse propósito, o conforto científico, pois disponíveis meios institucionais de superação do conflito, por mais insatisfatórios que pareçam aos leigos - do ponto de vista da especialidade, por exemplo.

O segundo propósito, fomentado nos limiares dos Pretórios, revela o conflito que se estabeleceu, de uns tempos a esta parte, entre o legitimo e o ilegitimo na formação dos quadros institucionais. Os critérios adotados em sua seleção entram nesse "imbroglio", pois notórias as pressões denunciadas na admissão dos juízes em todos os níveis, se é que se podem assim denominar as instâncias decisórias que se sucedem - mas não se podem hierarquizar. O mal do nepotismo se enraizou a tal ponto nas instituições brasileiras, inclusive no Judiciário, que é dificil não divisar, nos diversos graus, apelidos os mais ilustres e nobres, o que se amplia se alguém arrolar as cabeças dos outros Poderes. Um quinto dos juízes de certas altas instâncias da Justiça é oriundo, sem concurso, sem psicotécnico e a critérios ocasionais, de advogados ou membros do Ministério Público, e os do Supremo dependem de certo "notável saber juridico" e algo mais também a critério eventual.

Se à mulher de César não basta ser honesta, impondo-se-lhe igualmente parecer honesta, é induvidoso que, no episódio das prisões e solturas, sobrou à opinião pública a perplexidade que ganhou as ruas nesses últimos dias, fazendo falta, doravante, que alguém capaz e convincente traduza, em linguagem acessível ao povo, tudo o que está por trás desse "affair", a fim de não pender suspeita de improbidade dos principais atores, colhendo-se a oportunidade para explicar melhor os critérios de escolha dos juízes, das pressões exercidas de cima para baixo e, definitivamente, o que um dos ricaços envolvidos no escândalo ameaçou revelar à nação brasileira.

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"Quid novi ?

É no mínimo curioso, diria Nelson Rodrigues, como a imprensa vem registrando a pré-instalação de uma gravíssima instabilidade institucional. Os editoriais e as manchetes parecem anunciar o inimaginável e súbito vômito de incandescentes e destruidoras lavas de kilaueas surgidos do nada e espalhados por todo o país. Ora, senhores e senhoras, nada há de novo sob o sol brasileiro. O que está acontecendo é mais previsto que anúncio do Vaticano condenando a camisinha e a pílula anticoncepcional. Então, será que alguém com um mínimo de informação da nossa mal-cheirosa vida política experimenta a sensação de espanto diante do que "está aí" ? Claro que não. O problema é saber até quanto nossas instituições democráticas, ainda muito descalcificadas, sucumbirão às fraturas causadas por um governo paralisado pelo cipoal de intrigas, batalhas de egos, hipocrisia congênita, corrupção e fisiologismo desvairado, como nunca se viu neste país.

Ora, dá para imaginar um cenário diferente do que "está aí", se o descrédito com a firmeza das fundações republicanas atingiu o zênite ? O Executivo, com os ministérios praticamente aparelhados, legisla, entre um cinismo e outro, com as outrora abomináveis Medidas Provisórias, tirando a razão de ser do Legislativo que, por sua vez, transformou-se num covil de bucaneiros protegidos pelo pornográfico escudo da imunidade. O Judiciário, bem, o Judiciário está perigando em agregar à tradição de letargia a troca da discussão técnica pela ideológico-emocional: precisa mais ?

Com tudo isso que "esta aí", baila no ar a incômoda pergunta: o que interessa para o cidadão consciente e eleitor aplicado saber que pode assobiar a Internacional sem ser molestado, se a volta à democracia lhe oferece um espetáculo tão deprimente, sintetizado na fronteira borrada entre o noticiário policial com o político? Quem disser que discorda está mentindo: 99,99% dos políticos defendem com vigor o sistema democrático não porque sejam fanáticos aplicadores das teses de Aristóteles, John Locke, Montesquieu, Alexis de Tocqueville. Defendem-na porque, como dedicados traficantes de influência, ela lhes serve, e aos seus asseclas, para amealhar portentosos butins junto aos chamados, vá lá, poderes constituídos. Parece até que o grande Villfredo Pareto ressuscitou e, acompanhando o noticiário pátrio, constata que acertou na mosca ao identificar a democracia com uma oligarquia burocrática disfarçada, simplesmente porque está longe de representar a vontade popular, mas os interesses de poucos em benefício de poucos. Signore Pareto, torço para que, pelo menos no caso do Brasil , sua previsão esteja errada. Porque se não estiver, o que deve ter de militar salivando..."

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"Os últimos fatos a sacudir a República, exalam odor de gambá. O alto conceito que o povo tinha da JUSTIÇA, em outros tempos, vai se esvaindo lentamente.

Desconfia-se que esses acontecimentos não ocorram ao acaso. A mão poderosa de governantes invisíveis, maneja nas sombras. Quando não mais subsistir uma nesga de confiabilidade nas Instituições, o FRATER INCOGNITUS vai desferir o golpe insano contra a Democracia.

Faz-se urgente a organização de um mutirão cívico, para impedir a consecução do diabólico plano em curso.

A sociedade civil parece deslembrada da advertência de Victor Hugo: - 'Uma sociedade de ovelhas acaba gerando um governo de lobos'."

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"Com qual fundamento a ordem jurídica pode se transformar em debate de cunho inquestionavelmente político ? Qual o direito que assegura a exibição do poder ? Quais os critérios que permitem a exorbitância dos atos judiciais ? Indignados com a mais absoluta falta de verdade, com a omissão deliberada e com a demonstração do excesso de poder, vemos, com tristeza, que o mais alto escalão do Poder Judiciário, antes de servir à sociedade, presta-se a propósitos escusos, na medida em que extrapola. Será que, efetivamente, teremos vergonha de ser honestos? Será que o poder nas mãos dos fortes é insuperável ? O duplo grau de jurisdição foi desrespeitados. Isso é induvidoso, na medida em que o 'Presidente' do Pretório Excelso trata uma decisão monocrática como sendo uma 'desobediência'. Talvez, esta breve e desluzida manifestação não deva figurar no editorial e, bem assim, na oportunidade que se nos oferece o 'MIGALHAS'. Por certo haverá de ser respeitada."

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"Como bem dito por Napoleão Bonaparte (1769-1821) 'A opinião pública é uma potência invisível a que ninguém resiste.' Dela nenhum político, funcionário público ou governante foge ou escapa.

Estamos passando por uma crise institucional, com acusações e insinuações de todas as partes, sejam do Ministro da Justiça, dos Juízes Federais, de Desembargadores, sejam do Ministro do STF a nossa elevada corte Constitucional, e até da própria população da Nação denominada Brasil.

O fato que originou toda esta celeuma, embora complexo, por outra ótica é por demais simples, visto que se desenvolve na esfera policial em apuração ao suposto crime de lavagem de dinheiro e corrupção envolvendo o Banco Opportunity e seus dirigentes.

E a Polícia Federal, incumbida de apurar o fato tido como delituoso, deve-se ater ao que determina a lei, nada mais, nada menos, pois são funcionários públicos. Como bem dito pelo professor da Universidade Autônoma do México, Oscar Correas, em palestra proferida no II Congresso Internacional Direito, Exclusão Social e Justiça, realizado em Salvador, Bahia, no ano de 2003, muito propriamente que, 'o estado de direito é quando os funcionários públicos trabalham corretamente como têm que fazer, não como teriam que fazer'. Esta é a visão clara do que o cidadão espera do seu governante e do Estado.

Não pode e nem deve a PF exercitar premissas além da sua atuação por imposição legal, mas não pode, por outro lado, se abster de apurar, de arraigar-se, de esmiuçar, todo e qualquer crime que seja da sua alçada. Não podem e nem devem os Juízes, os Ministros, extrapolarem suas funções, pois são também funcionários públicos.

Quanto à elevação da crise, para sintetizarmos a análise desta tensão, temos que recorrer a esfera da ciência. O termo ciência dá a medida da verdade e do que é correto para a análise dos fatos, pois significa o conhecimento e nos remete de certo modo ao termo sofos em grego, significado de conhecimento, que por sua vez vem a compor a palavra filosofia, palavra de origem grega que tem o significado de amor à sabedoria, e do estudo que se caracteriza pela intenção de ampliar incessantemente a compreensão da realidade. E esta compreensão da realidade é ansiosamente esperada pela população brasileira.

Os juristas brasileiros consultados pela imprensa sobre o caso do Opportunity têm se manifestado de modo contraditório, sendo quase impossível alguém chegar a uma conclusão sobre os fatos ocorridos nesta semana próxima passada a partir daquilo que explanam. E a impressa parece perdida em meio ao tiroteio verbal, informando, mas recuando e insistindo aleatoriamente sem saber onde andam as trincheiras ou os alvos.

Deste entrelaçado forma-se a convicção de que o Estado e o Direito fazem parte entremeadamente do poder que permeia a classe econômica no domínio da situação. Mas, esta classe não é impermeável ao Direito. Na verdade não existe classe impermeável ao Direito, a Lei, ou a Justiça. O que existe é uma forma de equilíbrio social, cuja pedra angular é o equilíbrio dos poderes do Estado, e cujo Poder Judiciário, faz parte de uma delas. O cidadão busca a verdade através da imprensa, dos meios de comunicação, e não pode se contentar em devaneios de verbos em arremessos mútuos entre os representantes na esfera governamental, posto que estes representam a Nação.

O dever cívico dos tribunais, da opinião pública, da consciência, não é neutro entre a lei e o crime. O cidadão anseia e busca quase sempre uma posição, seja ela perto da lei e das instituições, ou distanciada, mas, nunca indiferente. E a indiferença não pode ser medida pelo silêncio, pois acima de tudo e de todos está a consciência do país. O ilustre jurista Ruy Barbosa (1849 - 1922) lavrou o brilhante pensamento a respeito;

'Na ordem da autoridade o Supremo Tribunal está acima de tudo. Mas, na ordem da justiça, acima do próprio tribunal supremo, que eu reverencio, quanto os que mais o reverenciarem, se eleva uma Corte de Apelação, a que ele mesmo há de curvar-se: a consciência do país.'

Desta atitude, temos que reverenciar a opinião pública, pois a base da Nação é o seu povo que está ansioso por Justiça, pelo fim da impunidade, pelo fim dos privilégios. Devemos nesta hora lembrar aos representantes do Poder Judiciário e do Poder Executivo que ambos são partes do Estado, que são funcionários públicos, que formam a representatividade do Estado.

Que Ministros, Juízes, funcionários públicos convertam para o objetivo comum, da imposição do cumprimento da lei, do fim dos privilégios, da impunidade, pois só assim teremos um país feliz, trafegando sem percalços no estado de direito."

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"O autor do samba do crioulo doido foi um grande visionário. A vaidade toma conta do país e pelos cinco minutos de fama vale tudo. É juiz que dá entrevista para a televisão sobre processo em andamento. Ministro do Supremo acha que manda em juiz de 1ª instância (e o princípio da livre convicção onde foi parar ?). Ministro da Justiça não conhece os princípios legais do seu país. Para o governo todos os meios são válidos para se atingir os fins que se pretende. Só que os fins não são revelados e os meios são totalmente ilegais. O Presidente da República falta com a verdade e não sofre 'impeachment'. O Presidente da Comissão de Ética sofre diversos processos.

Quem deve ser investigado não o é. Investigação dá direito de invadir a vida privada de qualquer um do povo. Depois de quatro anos de investigação, investigado é preso provisoriamente para não atrapalhar a investigação. O Ministro da Defesa humilha o exército. Chega ou querem mais ?"

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"Sr. Editor. Não é preciso nenhum esforço maior para completar o "editorial" vazio do Migalhas de hoje. Basta lembrar um adágio popular muito conhecido: 'Na casa onde falta pão, todos gritam e ninguém tem razão.' Para exagerar, talvez parodiar o adágio e dizer : 'Na Nação onde falta ética, todo mundo mente e ninguém fica vermelho', ou ainda : 'todo mundo rouba e ninguém é punido por isso.' Etc. etc."

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"MIGALHAS, em respeito ao Estado de Direito, ao Judiciário, e, principalmente, à cidadania e ao cidadão comum perplexo ante o desencontro de informações, e ante adesões e críticas apaixonadas, vem manifestar-se sobre os conturbados fatos relacionados à prisão e soltura do acusado Daniel Dantas.

Em primeiro lugar, o cidadão comum precisa saber que a Constituição Federal consagra o princípio geral de que ninguém pode ser preso sem ter antes sido submetido a processo regular, com amplo direito de defesa, e do qual tenha resultado condenação que já não esteja sujeita a nenhum recurso. Pode não ser assim em outros países, mas a Constituição Brasileira consagra o princípio da presunção de inocência e do direito à defesa em liberdade.

Como exceção a esse princípio geral a Constituição Federal e as leis ordinárias que nela se enquadram prevêem três hipóteses de prisão anterior à condenação definitiva: a prisão temporária, a prisão em flagrante, e a prisão preventiva. Essas hipóteses, como toda exceção, têm que ser interpretadas de forma a que os casos de prisão antecipada se restrinjam aos estritamente necessários para assegurar a garantia da ordem pública e o bom andamento do processo criminal.

A ordem pública não se confunde com o clamor popular. Ordem pública é um conceito relevante que abrange a totalidade dos regramentos, sejam leis, sejam princípios sociais ou jurídicos, que asseguram a sobrevivência e o bom funcionamento das instituições públicas ou privadas, que dão sustentabilidade ao Estado e à sua população. Já o clamor popular é algo volúvel e etéreo, que nem sempre se pode aferir ou qualificar. O clamor popular tanto pode corresponder à aspiração da maioria indignada, como pode se confundir com o silêncio desta suplantado pelos estrépitos de uma minoria organizada ou politicamente mobilizada. O clamor popular nem sempre se pode medir pela agitação da mídia, ávida por fatos que possam interessar ao mercado potencial de consumidores de notícia.

Outra questão que precisa ser posta de forma clara para a compreensão do cidadão comum é que o Poder Judiciário está organizado em estruturas de competências para julgar determinadas questões e de hierarquias para validar as decisões proferidas. A mesma questão não pode ser decidida simultaneamente por mais de um juiz. Cada juiz, no momento em que exerce a sua competência, decide livremente e nada nem ninguém pode forçá-lo a decidir contra a sua convicção. Mas, os juízes de segunda instância, ou seja, os desembargadores dos tribunais, podem manter, anular ou reformar as decisões de juízes de primeira instância. Da mesma forma, e pela mesma ordem de regras legais, os ministros de tribunais superiores, podem manter, anular ou reformar as decisões dos tribunais de segunda instância ou dos juízes de primeira instância. Nessa hierarquia de sucessivas competências o Supremo Tribunal Federal está acima de todas as demais cortes. Quando um juiz de primeira instância, ou de tribunal de segunda instância descumpre decisão de ministro de tribunal superior, fica sujeito a anulação do seu ato, através de um procedimento conhecido como reclamação, ou, nos casos mais graves, de sanções disciplinares que possa sofrer nos diferentes organismos de corregedoria judiciária.

Com esses pressupostos, para melhor entender o caso Daniel Dantas, é preciso saber que, como cidadão comum, ele não tem foro privilegiado, ou seja, não tem o direito de ser processado exclusivamente em determinado tribunal, muito menos no Supremo Tribunal Federal. Nem foi isso que aconteceu, como desavisada mente afirmaram alguns advogados, juízes e procuradores entrevistados pela mídia.

O que ocorreu foi que, temeroso de que pudesse ser preso antes de ser acusado formalmente de qualquer crime, Daniel Dantas pediu um salvo conduto criminal, ou um habeas corpus preventivo, instituto previsto em lei. Alegou que notícias da “Folha de São Paulo” davam conta de que a Polícia Federal, que só poderia fazê-lo com autorização de algum juiz de primeira instância, se preparava para prendê-lo. Esse habeas corpus, iniciado no mês de abril próximo passado, teve a tramitação normal dos procedimentos dessa natureza.

O habeas corpus foi proposto perante a segunda instancia federal em S.Paulo, objetivando impedir que algum juiz de primeira instância autorizasse a prisão. No Tribunal Regional Federal em São Paulo, o habeas corpus foi negado, porque se entendeu que não havia prova de que a prisão estivesse mesmo em vias de ocorrer. Foi apresentado recurso ao Superior Tribunal de Justiça, que também negou a ordem de habeas corpus, basicamente pelo mesmo fundamento, de que a simples notícia de jornal não caracterizaria perigo iminente de prisão. Novo recurso foi apresentado, desta vez ao Supremo Tribunal Federal.

Depois de o recurso contra os sucessivos indeferimentos do habeas corpus preventivo ter chegado ao Supremo Tribunal Federal, a prisão efetivamente ocorreu. O Juiz da 6ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, Dr. Fausto de Sanctis ...ordenou a prisão temporária de Daniel Dantas e de vários outros investigados.

Os advogados de Daniel Dantas peticionaram nos autos do habeas corpus que já se encontrava no Supremo, alegando que o perigo de prisão, que as instancias ordinárias haviam negado existir, havia se consumado e que a prisão era ilegal, por não corresponder, segundo os argumentos daqueles advogados, a nenhum dos requisitos legais da prisão temporária.

Não se tratou, pois, de conferir o foro privilegiado do Supremo Tribunal Federal, a quem não o tinha. Tratou-se de fato superveniente relativo a processo que, pela sua tramitação normal, já havia chegado ao Supremo Tribunal Federal.

Para a credibilidade das instituições e especialmente para a segurança jurídica da população que observa o desempenho do Poder Judiciário é importante destacar que a Justiça não deve fazer, não faz e não fez neste caso, atalhos para favorecer ou prejudicar quem quer que seja.

O Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, cujos Ministros se encontram em férias forenses, determina que as situações como essa e outras de urgência sejam decididas pelo Presidente do Supremo Tribunal, que permanece naquele Corte durante as férias dos demais Ministros.

O Presidente do Supremo Tribunal Federal, no exercício do poder-dever de suas atribuições, examinou a requerimento dos advogados de Daniel Dantas, e, pelos fundamentos que expôs em sua decisão, manifestou o entendimento de que não se justificava a prisão temporária, em face da lei e da Constituição. Determinou, pois que o acusado fosse solto, para responder ao processo em liberdade.

É importante que a população saiba que o Juiz da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, ao decretar a prisão de Daniel Dantas, manifestou livremente e sem qualquer constrangimento o seu convencimento de magistrado, dentro da esfera de competência que era sua no momento quem que decretou a prisão temporária. Como deve ser.

Mas, o Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal, ao decidir que a prisão temporária não tinha fundamentos, e contrariava a lei e a Constituição, também manifestou livremente, sem qualquer constrangimento, o seu convencimento de magistrado, dentro da esfera de competência que era sua no momento em que revogou a ordem de prisão temporária. Como deve ser.

Não existe, e não poderia existir, ao contrario do que possa parecer à população leiga, competição ou rivalidade possível entre essas duas decisões. Cada uma delas é tomada em um tempo diferente e em um nível diferente de hierarquia. A decisão do Ministro é posterior à decisão do Juiz e prevalece sobre ela. Não há aí, nenhuma espécie de julgamento da pessoa do Juiz nem da pessoa do Ministro. Simplesmente a ordem jurídica diz que a decisão do Ministro é a que deve prevalecer.

E de fato, ao tomar conhecimento oficial da decisão do Ministro, o Juiz da 6ª Vara mandou soltar Daniel Dantas.

Ocorreu que poucas horas depois, alegando que haveria um fato novo consistente em alegada tentativa de suborno do delegado que efetuara as prisões temporárias, o mesmo Juiz decretou a prisão preventiva de Daniel Dantas. Desta vez a prisão decretada foi a preventiva e não a temporária. O ato ilícito teria sido praticado por um dos assessores de Daniel Dantas, que segundo a Policia Federal, teria, depois da revogação da prisão temporária, confessado ter praticado a tentativa de suborno a mando de Daniel Dantas.

Os advogados de Daniel Dantas peticionaram novamente ao Supremo Tribunal Federal, alegando, com base no próprio texto do relatório da Policia Federal, da denúncia criminal e da decisão que decretara a prisão anterior, temporária, que a acusação de suborno não era fato novo. Alegaram que já havia sido analisada e julgada anteriormente, e não justificava a nova prisão. O Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal acolheu o pedido e determinou novamente a soltura de Daniel Dantas.

Entre os fundamentos para afastar a alegação de fato novo, a decisão do Ministro declara que, antes da prisão temporária, o próprio Juiz da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo analisara a acusação de suborno e, sem a afastar, julgara que a mesma não seria fundamento para a prisão preventiva. Com base nisso, e nas demais razões que apontou, o Ministro revogou também a prisão preventiva.

Outra vez, cabe o comentário de que a reforma de decisão de instâncias ordinárias pelas instâncias superiores e fato corriqueiro da vida judiciária, sem representar desdouro, desrespeito, intimidação ou impedimento à livre convicção do juiz das instâncias ordinárias, ou da primeira instância.

Mas, além disso, o Ministro entendeu que, ao invocar a tentativa de suborno como fato novo e com base nele decretar a prisão preventiva menos de 24 horas depois de o Ministro haver revogado a prisão temporária, o Juiz da 6ª Vara estaria descumprindo a decisão anterior do Ministro. Para não descumpri-la aberta e ousadamente, teria lançado mão de um subterfúgio, considerando como fato novo algo que já estava no processo desde o início. Em face dessa livre convicção do Ministro, dentro dos limites de sua competência e como autoridade máxima do Poder Judiciário, o Ministro determinou ao Conselho Nacional de Justiça, que tem funções de corregedoria funcional de juízes, que apurasse e julgasse o comportamento do Juiz, naquilo que pareceu ao Ministro ser vontade deliberada do Juiz de revogar a decisão do Ministro.

Tanto bastou para que se formassem correntes de solidariedade ao Juiz, que no dizer de alguns manifestos publicados estaria sofrendo cerceamento do seu direito de decidir livremente, de acordo com a sua convicção.

Ante tais fatos, aparentemente ninguém se entendendo com ninguém, o cidadão comum fica perplexo. Que Poder é esse e o que se pode esperar do Poder Judiciário como salvaguarda da cidadania e da sociedade?

Na verdade, afastados os alaridos e diminuído o volume das declarações emocionais precipitadas pelos partidarismos ideológicos, há mais acordos do que desavenças.

Todos concordam, o Juiz, o Ministro, os signatários de declarações de solidariedade, a imprensa e os seus entrevistados, todos enfim, concordam em que os juízes devem decidir livremente, segundo a sua convicção em face da lei e dos fatos dos autos, nos assuntos de sua competência. Não podem sofrer ingerências ou constrangimentos no ato de julgar. Não cremos que haja alguém sustentando o contrário.

Todos esses mesmos agentes também concordam que o Juiz é o obrigado a acatar e efetivamente cumprir a decisão do Ministro, concorde ou não, intimamente, com essa decisão.

E também todos haverão de concordar em que, se ao Ministro Presidente do Supremo Tribunal Federal pareceu, à luz do caso concreto, que o Juiz estava voluntariamente descumprindo decisão, não deve o Ministro, até por prudência, ter a última palavra sobre esse comportamento do Juiz. Melhor que remeta o assunto, como efetivamente o remeteu, à consideração do Conselho Nacional de Justiça.

Na hierarquia das competências, aí incluídas as que dizem respeito à administração de condutas dos membros do Poder Judiciário, é o Conselho Nacional de Justiça quem terá condições de dizer se o Juiz, ao decretar a prisão preventiva menos de 24 horas depois de o Ministro revogar a prisão temporária por ele anteriormente decretada, estava efetiva e exclusivamente analisando e julgando um fato novo, ou estava só dizendo a si mesmo e à sociedade que não aceitava e não cumpriria a ordem de soltura determinada pelo Ministro.

Esse incidente, por grave que pareça, não deve se transformar no principal assunto da pauta, e não deve abalar a crença da sociedade no Judiciário. O próprio sistema prevê mecanismos para que as coisas se ajustem nos seus devidos lugares. Não é o incidente, o periférico, ainda que repercutido com estardalhaço na imprensa pelos envolvidos ou pelos apoiadores dos envolvidos, que deve preocupar o cidadão comum ou a sociedade.

As nossas reais preocupações devem estar em saber se as garantias individuais de Justiça e Cidadania estão sendo observadas. Foquemo-nos na defesa intransigente do Estado de Direito. A ordem jurídica acima de todas as ordens, no topo das hierarquias.

Nesse sentido, é preciso que nos preocupemos não em condenar, ou absolver, a Policia Federal. Mas, em reconhecer os méritos e combater os eventuais desvios desta com a mesma veemência. Essa instituição tem importantíssimo papel a cumprir, e certamente o tem cumprido em muitas de suas atuações. O que absolutamente não significa que possa, quando entenda necessário ou conveniente, atuar à margem da lei, ou violar garantias constitucionais da cidadania, como se os fins justificassem os meios. A regra de legalidade estrita vale para todos, inclusive para a Polícia Federal.

Também é preciso combater o crime. Identificar, julgar e punir os criminosos, implacavelmente. Sejam de que classe social forem. O combate à corrupção e à violência deve ser incansável. Isso é crucial para a construção da sociedade que queremos para nós mesmos, para nossos filhos e para todas as gerações vindouras.

Mas, a punição dos criminosos não deve ser buscada com antagonismo às garantias constitucionais dos cidadãos. Sejam pobres ou ricos. A prisão temporária ou a preventiva não são formas de punição de criminosos. Por definição, elas antecedem a própria condenação. Também não são medidas educativas, para dar exemplo à sociedade. Caso assim utilizadas, a sua banalização levaria à prisão de um número cada vez maior de inocentes, dando à sociedade a falsa noção de que, por medo de cadeia, não adianta ser inocente.

Por último, não podem ser usadas como propaganda de pseudo eficiências de sistemas ineficientes. A cada vez que uma prisão ilegal é revogada, aumenta o desprestigio das instituições, especialmente do Judiciário. O cidadão comum ignora que toda prisão é autorizada pelo Poder Judiciário. À maneira de ver do cidadão comum a polícia prende e o Judiciário solta criminosos. Quando, na verdade, o Judiciário prende e o Judiciário solta.

Na verdade, a prisão temporária e a preventiva são mecanismos de proteção da sociedade, naqueles casos de estrita necessidade, em que a liberdade do acusado possa representar um efetivo prejuízo para a ordem pública ou para o andamento do processo. Assim, sua decretação só pode ser feita na hipóteses previstas em lei, já sobejamente interpretada pela jurisprudência.

O estado de Direito é uma crença que não comporta flexões. Tudo que não estiver alinhado com a lei e em harmonia com a Constituição está fora do estado de Direito e representa uma ameaça à cidadania. Para a sobrevivência do Estado de Direito, a sociedade precisa de juízes aguerridos, combativos e conscientes da relevância de suas funções. Mas, também precisa de Ministros com a coragem de restabelecer e prestigiar a Constituição e a legalidade, sempre que esta for violada, e ainda quando, ou principalmente quando, sem compreender exatamente o que se passa, segmentos da sociedade emitam “clamores populares” pedindo o prevalecimento do “prendo e arrebento”." 

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