Dia do Pendura
Nesta época, os comerciantes costumavam homenagear os estudantes de Direito deixando-os comer de graça. Essa era uma forma de atrair mais fregueses, pois, naquela época, os estudantes eram quase todos de famílias ricas.
Com o tempo, o número de alunos cresceu muito e os restaurantes não queriam mais aceitar que eles não pagassem pelo que comessem. Na década de 30, os estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco oficializaram o Dia de Pendura (ou o Pindura).
Atualmente, alguns restaurantes preferem fechar suas portas neste dia, principalmente do Largo São Francisco. Enquanto isso, outros locais entram no clima do Dia do Pendura, na esperança de conquistar a confiança de novos clientes.
Em algumas faculdades, alguns diretórios acadêmicos de Direito costumam organizar a comemoração, já contratando com antecedência o local onde se dará o Dia do Pendura, muitas vezes negociando com o dono do estabelecimento descontos no total consumido, ao invés de não pagarem nada, diminuindo assim o prejuízo.
A comemoração, mantida até os dias de hoje, consiste em comer, beber e não pagar. Mas, segundo o Código Penal, artigo 176, comer em restaurantes sem pagar é crime. Entretanto, na maioria dos casos que chegam à Justiça, os estudantes são absolvidos.
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E mesmo em tempos de greve, tem advogado que promete se manter em plantão para proteger e amparar aqueles que querem se beneficiar da tradição do dia do Pendura.
Confira abaixo o e-mail que está circulando na Internet, recebido pela redação de Migalhas.
"Prezados Acadêmicos Sãofranciscanos,
Seguindo o que já fiz no ano passado, envio-lhes esta mensagem para, conforme prometido, comunicar-lhes o telefone celular que estará à disposição dos senhores nas noites dos dias 6, 7, 8 e 11 de agosto de 2003, para a comunicação em razão de eventuais "emergências" decorrentes da semana do Pendura.
Em razão desses probleminhas, os alunos da São Francisco têm enfrentado algumas animosidades e contratempos nesses tão animados dias, registrando-se, inclusive, casos isolados de abusos cometidos por alguns poucos delegados que insistem, por desconhecimento do direito ou má-vontade, que a prática de pendurar é “enquadrável” no art. 176 do CP.
Normalmente, os delegados não oferecem grandes empecilhos, mas apenas algum cansaço, embora já houve casos de abusos, como um em que fui protagonista ainda no primeiro ano quando nós, calouros de 1997, assinamos um Termo Circunstanciado (o famoso “TC”) sem que se fizesse constar que nós tínhamos dinheiro, caindo na lábia do senhor delegado. Na época, eu não tinha um advogado que pudesse quebrar esse enorme galho.
Tirando isso, o fato não é típico e essa história de que o sujeito fica atrapalhado em eventual concurso é balela, pura e deslavada balela, pois em casos como esse pode haver, no máximo, inquérito policial, que sequer chega a virar ação. Raríssimos os casos em que ocorreu o contrário, e todos eles foram de estudantes que não tinham dinheiro para pagar as suas contas.
Tendo dinheiro no bolso e um advogado (in casu, eu) que garanta constar isso em TC ou BO, não há tipo penal, como está no referido artigo e em unâmime jurisprudência.
Em havendo TC, impetra-se HC se, e somente se, os próprios juízes não mandarem para arquivo sem a designação da audiência preliminar das pequenas causas.
Bem, senhores, dado que não sou mais estudante, mas um advogado regularmente inscrito na OAB/SP, em dia com sua anuidade, aliás, resolvi este ano repetir o que fiz no ano passado e participar ativamente da Pendura em prol dos estudantes de minha Faculdade de maneira diferente, qual seja, mantendo-me em plantão nos dias 6, 7, 8 e 11 para os estudantes DA SÃO FRANCISCO que possam vir a ter problemas em razão dessa saudável praxe acadêmica, disponibilizando nestas datas o celular nº (11) 9542-8230, das 21h às 23h40, para que entrem em contato, caso necessitem de meus serviços.
Nesse horário, estarei em PLANTÃO nas proximidades do 78o Distrito Policial (Jardins), situado à Rua Estados Unidos, nº 1608, entre a Augusta e a Haddock Lobo, próximo a Galeria dos Pães, nas proximidades do Clube Paulistano.
ATENÇÃO: A zona de circunscrição daquela DP (onde as penduras estarão protegidas por meus competentes serviços) está compreendida no seguinte quadrilátero: “Avenidas Brasil, Rebouças, Paulista e Brigadeiro Luiz Antonio”. FAÇAM PENDURAS CIRCUNSCRITAS NESSA - E SOMENTE NESSA - ÁREA.
Essa DP costuma ter delegados e investigadores de bom trato e educação, sendo que em 26 de junho de 2003 foram inauguradas novas instalações, com obras de arte, televisão, sofá macio, painel para atendimento por senhas, enfim, tudo como está noticiado no próprio site da Polícia Civil.
Para os que apreciam um bom café após o jantar e tiverem a necessidade de meus serviços, estão todos convidados, lá na Galeria dos Pães, onde os grãos são muito bem selecionados, pois, sendo Sãofranciscanos, já serão uma boa companhia para um bom bate-papo, esperando que vocês não se incomodem pelo fato de que eu estarei a trabalho.
Apenas sublinho que, para que possamos resgatar essa tradição, ou seja, para mostrarmos aos maitres e donos dos estabelecimentos que esta é uma tradição que deve ser exclusivamente Sãofranciscana e que tudo não passa de uma boa picardia estudantil, o que sempre cuidarei de sublinhar para eles (ou seus representantes no DP), temos por outro lado de evitar abusos de nossa parte, para que tudo seja feito em clima de festa e brincadeira.
Desejo-lhes um bom pendura, especialmente aos calouros de 2004, dada a especialidade dessa data, que é sempre memorável no primeiro ano.
Um abraço a todos e boas comemorações do centenário do XI.
Saudações Acadêmicas!!!"
Claudio Castello de Campos Pereira
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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ PRESIDENTE DO TRIBUNAL DE ALÇADA CRIMINAL DO ESTADO DE SÃO PAULO
CLAUDIO CASTELLO DE CAMPOS PEREIRA, brasileiro, solteiro, advogado regularmente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de São Paulo sob o número 204.408, domiciliado nesta Capital à Rua Anseriz, nº 61, Campo Belo, São Paulo, vem, com fundamento nos incisos XXXIX e LXVIII do art. 5o da Constituição Federal, impetrar o presente writ de
HABEAS CORPUS
COM PEDIDO DE LIMINAR
, em face do MM. Juízo da 30a Vara Criminal do Foro Central da Comarca de São Paulo, em benefício de xxx, xxx, xxx, xxx e xxx, declarantes já qualificados nos autos do processo supra epigrafado, termo circunstanciado lavrado pelo Dr. Delegado de Polícia do 78º Distrito Policial – Jardins, em trâmite perante este D. Juízo e respectivo Cartório, tendo em vista o teor e nobre entendimento do despacho de fls. 32, comparecem perante V. Excelência a fim de expor, ponderar e, finalmente, requerer o quanto segue:Os pacientes são estudantes de primeiro e segundo anos do Curso de Graduação em Direito da Faculdade de Direito do Largo São Francisco e são declarantes no Termo Circunstanciado nº 050.03.060084-7, em trâmite perante a 30a Vara Criminal do Foro Central da Comarca de São Paulo (doc. 1).
Em despacho de fls. 32 daqueles autos, Sua Exa. entendeu por bem designar audiência preliminar para o dia 25 de setembro p.f., às 14h00, em razão dos fatos descritos a fls. 04/08 daquele feito, todos eles afetos à narrativa de reputado crime de “outras fraudes” (art. 176, do CP), havido em razão da prática de praxe acadêmica arraigadamente conhecida como “pindura”, ocorrida no restaurante “Bistrot Jaú”.
Os estudantes, cientes da designação de audiência, apresentaram manifestação requerendo o arquivamento do feito diante da flagrante ATIPICIDADE das condutas ali narradas, sendo que o Ministério Público opinou, sobre tais considerações, no sentido de que “Eventual reparação do prejuízo poderá afastar elemento subjetivo do tipo.” (doc. 2).
Sobreveio, então, decisão publicada em Diário Oficial de 22 de setembro p.p. (doc. 3), verbis:
PROCESSO Nº PROCESSO nº 050.03.060084-7 - Controle nº 242/03-J - 30ª Vara Criminal - JP X ADRIANO FRANCO FEITOSA e outros: Fica o defensor intimado do r. despacho que segue: `Aguarda-se a audiência designada`. Dr CLAUDIO CASTELLO DE CAMPOS PEREIRA OAB/SP 204.408
Todavia, Excelências, em que pesem os doutos conhecimentos dos ilustres parquet e MM. Juiz Monocrático, todos escorados em entendimento dado pelo Dr. Delegado de Polícia, que reputou ser tal brincadeira uma maquinada “fraude” tipificada como conduta prevista no art. 176 do Código Penal, consoante a classificação da ocorrência, não há que se falar em qualquer crime cometido por esses estudantes, porquanto seja corolário constitucional que “não há crime sem lei anterior que o defina” (art. 5o, CF, XXXIX) e, considerando-se a concretude deste caso, vê-se, claramente, que a praxe acadêmica em questão (“pindura”) não configura qualquer fatispécie prevista pelo ordenamento penal em vigor.
Primeiramente, anotam os declarantes que o termo circunstanciado, a fl. 03, classifica a ‘Natureza da Ocorrência’ por “outras fraudes, art. 176 do código penal”, tipificação essa tão errada quanto aquela da ‘Ocorrência’, qual seja, “crimes contra o patrimônio, e”.
Oras, só se pode ter por hiperbólica essa classificação daqueles fatos materiais como “fraude”, uma vez que esta não houve, consoante sustentaremos adiante.
Há de ser afastada, de plano, a tipificação de tais condutas pelo artigo 176 do Código Penal Pátrio, “Outras Fraudes”, verbis:
“Art. 176. Tomar refeição em restaurante, alojar-se em hotel ou utilizar-se de meio de transporte sem dispor de recursos para efetuar o pagamento:
Pena – detenção, de quinze dias a dois meses, ou multa” (g.n.)
Da análise detida dos fatos materiais contidos naquele feito, irrefutável é que todos eles não se subsumem ao fato típico descrito pelo artigo 176 do Código Penal, uma vez que os estudantes dispunham “de recursos para efetuar o pagamento” da conta apreendida, com despesas de R$ 278,00, assim discriminada:
1) 5 SUGESTÃO SUITE I - 5x40,00 R$ 200,00
2) 6 COCA-COLA - 6x2,00 R$ 12,00
3) 1 SUCO NATURAL - 1x2,90 R$ 2,90
4) 2 ÁGUA-PRATA - 2x2,00 R$ 4,00
5) 1 CAFÉ - 1x2,00 R$ 2,00
6) 5 COUVERT JANTAR - 5x6,50 R$ 32,50
TOTAL - R$ 253,40
Dinheiro - R$ 278,74
VALOR RECEBIDO - R$ 278,74
TROCO - R$ 25,34
Segundo apurou o próprio Doutor Delgado de Polícia, os envolvidos possuíam juntos cerca de R$ 398,00 (TREZENTOS E NOVENTA E OITO REAIS), além de cheques cartões de crédito e débito. Ou seja, possuíam quase R$ 120,00 (cento e vinte reais) a mais que aquele valor da conta, incluindo o reputado “troco”, que deve ser os disfarçados 10% da taxa de serviço.
Dispunham eles, então, “de recursos para efetuar o pagamento”, como mesmo conferiu a autoridade policial.
Assim, embora não tivesse discriminada a taxa de serviço, fato é que essa taxa, também conhecida como “gorjeta do garção”, é aquilatada em 10% do valor da conta e um pouco mais, sempre dada aos servidores da mesa nesse alegre e tradicional ritual estudantil dos alunos das Arcadas, como agradecimento pela cortesia.
Os estudantes estavam a praticar a tão conhecida e famosa “pindura”, conforme eles mesmos noticiam em seus depoimentos, grifos nossos:
XXX (fl. 3): “...que vem a ser aluno do 2o ano de direito da ‘usp’; que na data de hoje reuniu-se com seus colegas para celebrar o ‘pindura’; que procuraram ver um restaurante que não estivesse lotado e um também que não tivesse prejuízo com o pendura...”.
XXX (fls. 3/4): “...que vem a ser estudante da faculdade de direito do largo são francisco cursando o 1o ano, que na data de hoje reuniu-se com seus colegas para celebrar o ‘pindura’; que escolheu o restarante que não tivesse o oficio do onze de agosto apontando que nã teria o pendura...”.
XXX (fl. 4): “...que na data de hoje encontrou-se com seus colegas para celebrar o ‘pindura’; que a autora vem a ser estudante do curso de direito da faculdade largo são francisco...”.
XXX (fls. 4/5): “...que vem a ser estudante de direito da faculdade de direito do largo são francisco; que cursa o primeiro ano de direito, que na data de hoje reuniu-se com seus colegas para celebrarem o dia do ‘pindura’...”.
XXX (fl. 5): “...que vem a ser estudante de direito da faculdade largo são francisco; que cursa o segundo ano de direito, que na data de hoje encontrava-se na faculdade com seus colegas quando surgiu a idéia de celebrar o dia do ‘pendura’...”.
E, segundo noticiou o próprio representante do restaurante em seu depoimento de fls. 10/11:
“...que ao serem cobradas as refeições os mesmos alegaram serem ‘estudantes de direito’ que hoje ‘era o dia do pindura’...”
E porque V. Exas. já foram sazonados acadêmicos de direito e certamente são plenamente sabedores dessa praxe, porque arraigada em nossa virtuosa comunidade de operadores de direito, cumpre brevemente consignar que consiste o “pindura” na tradicionalíssima prática dos estudantes de direito do Largo São Francisco em tomar refeições em restaurantes, em determinada época do ano, para comemorarem o 11 de agosto, a data de fundação dos cursos jurídicos no Brasil pela Carta de Lei de 11 de Agosto de 1827, da lavra do Imperador Dom Pedro I.
A “pindura” é o ato de pendurar a conta, isto é, deixar de pagá-la.
Este ano, Excelência, conforme amplamente noticiado pela imprensa, a Faculdade de Direito esteve a essa época absolutamente absorta nas comemorações do centenário do Centro Acadêmico XI de Agosto, em festa que, aliás, outra irreverente picardia estudantil fora praticada: a malfadada galinha preta arremessada em figura de alta cúpula da política local, provocando diversas reações no seio de nossa sociedade, em banda larga que variou de marotos sorrisos de populares e políticos a brados de indignação e frases infelizes, além de manifestações de grupos que combatem preconceitos e burburinho em torno da abertura das discussões sobre as eleições municipais do ano que vem.
Dentre essas felizes comemorações, Excelências, certamente a “Pindura Centenária” esteve à baila entre a estudantada, tradição essa que fora seguida, aqui, pelos pacientes, irreverentes estudantes de direito.
Nem se diga que tal praxe acadêmica é desconhecida de nossa sociedade.
Muito ao revés: tal brincadeira estudantesca tornou-se folclórica entre a população como símbolo da alegria e irreverência dos estudantes de direito do Largo São Francisco e, em que pese aqui e ali alguma reprovação que possa existir contra ela (e, sem dúvida, o seu desvirtuamento, do qual os estudantes do Largo não deram causa), é certo que o “pindura” é bem conhecido pelo povo de São Paulo e não por outro motivo deixou de ser noticiado, por exemplo, no samba-enredo “Velha Academia”, da Escola de Samba ROSAS DE OURO, composta por Pedro Luiz, letra e Ideval Zelão, música, homenageando a Faculdade de Direito do Largo São Francisco, sagrando-se a grande vencedora do Grupo Especial do Carnaval Paulista de 1984, cujo refrão noticia:
"Lá no Largo São Francisco
Bem no meio da Cidade
Dia 11 de agosto
Pindura da Faculdade".
Esse reconhecimento do “
pindura”, Excelências, não advém somente dos foliões carnavalescos, mas também dos próprios donos de bares e restaurantes, conforme, inclusive, noticia o “boletim juridico abredi-abrasel sp e sindrestaurantes, de 29/7/2003” (doc. 4), editado pela Assoc. de Bares e Restaurantes Diferenciados – ABREDI, Assoc. Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento - ABRASEL e Sindicato dos Donos de Restaurantes - SINDRESTAURANTES, orientando seus associados quanto à “Defesa contra pindura”, onde se tira excerto sobre o tratamento sugerido aos estudantes do Largo:“No caso de estudantes da faculdade do Largo de S. Francisco, pode-se entrar num acordo, permitindo pindura sem abuso e com o recebimento de carta de alforria (declaração isentando a casa de mais pinduras, que deve ser posta a porta e servir na discussão com outros grupos)” (www.abredi.org.br/boletim.htm)
Assim, Excelências, cumpre destacar que esses estudantes afirmaram que ESCOLHERAM O RESTAURANTE “QUE NÃO TIVESSE O OFÍCIO DO XI DE AGOSTO APONTANDO QUE NÃO TERIA O PENDURA” (Depoimento de Adriano Franco Feitosa - fl. 04), praticaram o “pindura”, comendo e bebendo com muita moderação, conforme a conta apreendida.
Depois, seguindo a tradição, pediram a conta e anunciaram o “pindura”, apresentando o ofício intitulado “Pindura Centenária”, dando conta da brincadeira ao nobre estabelecimento.
Ainda dentro da narrativa dos fatos, após anunciar o “pindura”, os estudantes tentaram, com muita respeito e alegria, alguma composição para o deslinde da questão, propondo acordos que restaram infrutíferos.
Apontaram ao restaurante que este não tinha ainda sido visitado por estudantes que comemoravam a “pindura”, e solicitaram ao restaurante a referida “carta de alforria” - como nos dizeres da referida circular - que não existia, pois aquele estabelecimento não havia recebido nenhum “pindureiro”.
E todos foram parar na Delegacia...
Esses estudantes estavam a fazer, portanto, a chamada “pindura tradicional”, que é aquela que é tão bem explicada na circular do SINDIRESTAURANTES, elaborada por grandes autoridades do ramo... os próprios donos de restaurantes.
É nítido, então, que o Dr. Delegado de Polícia não agiu com acerto, quando qualificou tais condutas como aquele crime previsto no art. 176 do Código Penal.
Este subscritor, assim, faz suas as palavras do gênio de Machado de Assis, que assentou, com muita propriedade, que “não se deve dizer mal da polícia. Ela pode não ser boa, pode não ter sagacidade, nem habilidade, nem método, nem pessoal; mas, com tudo isso, ou sem tudo isso, é instituição necessária” (Louvor à Polícia. In: Memórias Póstumas de Machado de Assis, Josué Montelo (Org.), Nova Fronteira, 1997, p. 160).
Mas isso não vem ao caso.
O que importa é que a prática do “pindura” não pode ser reputada como um crime.
A jurisprudência já tem acentuado que essa prática do “pindura” não é aquela vaticinada no art. 176 do Código Penal:
“Ementa TACRIM nº 115900 - outras fraudes. art. 176, "caput", do apresentada a conta, mesmo possuindo meios para pagar, não efetuam o pagamento. configuração. inocorrência: - inocorre o crime do art. 176, "caput", do cp, na hipótese em que um grupo de universitários, a título de comemorarem o dia da instalação dos cursos jurídicos no país, resolvem efetuar a "pendura", e ao ser apresentada a conta no restaurante afirmam que não realizariam o pagamento, constatando-se, posteriormente, que tinham quantia superior à exigida pelo estabelecimento, pois é pacífico que somente se caracteriza a fraude quando o agente não possui meios financeiros para pagar o consumo, tendo, conscientemente, tomado a refeição e iludido o comerciante, mediante "mise en scene", de que tem capacidade financeira para fazer frente à despesa.” (HC nº 382840/2, 6ª CÂMARA, Relator: ALMEIDA SAMPAIO, Data: 4/4/2001, V.U.)
“fraude – “pindura” – Agentes que, após consumação em restaurante, se negam a pagar a conta – Agentes que dispunham do numerário suficiente – Atipicidade – Recurso de “hábeas corpus” provido, trancando-se o inquérito” (JUTACRIM-LEX 90/82)
Donde se vê, portanto, a flagrante
atipicidade dos fatos materiais descritos no termo, de molde que é possível afirmar, sem qualquer outro raciocínio, que os estudantes não cometeram qualquer ilícito penal.A conduta pode até ser moralmente reprovável, para alguns, como parece ser para o Dr. Delegado de Polícia.
Mas ela não é crime!
É, no máximo, um pecado.
E, se for, é um pequenino pecado venial, e não capital, sendo certo que com isso cada um terá de prestar contas à sua própria consciência, mas não à Justiça Criminal, que deve estar atida à persecução criminal.
Por fim, Excelências, para que não pairem dúvidas sobre a atipicidade dessas condutas, não há que se falar em “fraude”, porquanto essa exige, sempre e sempre, o dolo, aqui inexistente.
Este dolo não houve, pois o nítido intuito foi o de uma brincadeira, de molde que não se pode ter por correto o douto entendimento do ilustre parquet, que se manifestou pelo afastamento do elemento subjetivo do tipo (dolo) com a eventual reparação do prejuízo.
A vontade dos “agentes”, in casu, não foi o de prejudicar o estabelecimento (nem se diga que a conta desses meninos irá repercutir na saúde financeira daquele restaurante tão chique quanto garboso, o que seria uma enorme bobagem).
Em verdade, a vontade que se libertou do claustro psíquico em que estava aprisionada na mente dos pacientes, em parte calouros, em parte segundanistas daquela Academia, que tantas brincadeiras e tradições têm, foi a de realizar a brincadeira do “pindura”, e isso está muito bem demonstrado, aceite-se moralmente ela, ou não.
Houve bastante moderação pelos estudantes em seus pedidos, pois participaram da graça habitual da trova e fizeram tudo isso no clima de bom-humor e irreverência que marca essa tradição.
Foram ordeiros, educados e cordiais a todo o momento e sequer consumiram bebidas alcoólicas, como está bem demonstrado na conta.
Consumiram suco natural, água e refrigerante como bebidas e, para o agrado de suas papilas gustativas com comida, apreciaram um prato promocional da casa (“SUGESTÃO SUITE I”), de molde a evidenciar que, mesmo brincando, buscaram sugestões do cardápio que não resultassem em grande prejuízo ao estabelecimento.
E, porque a brasilidade faz o hábito, houve quem pedisse um tradicional cafezinho...
Enfim, Excelência, tudo foi feito em um clima de brincadeira, que é o espírito mui peculiar desse tipo de tradição.
Sobre esse verdadeiro e lapidar exemplo de animus jocandi, já fez-se bom julgado na lavra do eminente Juiz Gonzaga Franceschini, da 12a Câmara do Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo, em breve e correto acórdão, cujo excerto se destaca:
“Percebe-se, com nitidez, que os recorrentes foram unicamente movidos pelo “animus jocandi”. Não houve dolo, consistente na consciência e vontade de praticar a ação sabendo que não dispunham de recursos para efetuar o pagamento. Não houve fraude, no sentido de ludibriar o comerciante, gerando nele a crença de uma situação financeira diversa da real. Simplesmente quiseram brincar, seguindo secular tradição dos estudantes do Largo São Francisco, e não causar prejuízo a terceiro em proveito próprio” (RHC nº 426.297/9, 14/4/1986, V.U.)
Assim, porquanto seja patente a ATIPICIADADE dos fatos materiais trazidos à baila, o peticionário requerer, em benefício dos pacientes:
I –A concessão de urgente liminar para, inaudita altera pars, suspender a realização de audiência designada para o próximo dia 25 de setembro de 2003, às 14h00, porquanto não haja qualquer motivo para a sua realização, em razão da patente inexistência de qualquer fatispécie prevista no Código Penal, comunicando-se a autoridade coatora;
II – Por aplicação analógica ao art. 43, I, do Código de Processo Penal, e em razão de tudo aquilo que acima foi consignado, o arquivamento de ofício do Termo Circunstanciado nº 050.03.060084-7, em trâmite perante a 30a Vara Criminal do Foro Central da Comarca de São Paulo, requisitadas as informações da autoridade coatora, se for o caso, bem como sejam feitas todas as formalidades legais de praxe.
Termos em que,
Pede-se deferimento.
São Paulo, 22 de setembro de 2003.
CLÁUDIO CASTELLO DE CAMPOS PEREIRA
OAB/SP Nº 204.408
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