Migalhas Quentes

Para presidente da OAB, quinto constitucional é melhor antídoto ao Estado policial

8/4/2008


Quinto

Para presidente da OAB, quinto constitucional é melhor antídoto ao Estado policial

"O quinto constitucional é o melhor antídoto ao Estado policial. É dispositivo que enriquece o Judiciário, permitindo que a ele se agregue a experiência de carreiras correlatas. No caso específico da advocacia, transmite ao Judiciário maior dose de cidadania e vivência social". A afirmação foi feita pelo presidente nacional da OAB, Cezar Britto, ao discursar em nome da advocacia na cerimônia de posse dos novos presidente e vice-presidente do STJ, ministros Humberto Gomes de Barros e Cesar Asfor Rocha, realizada em sessão do Pleno do Tribunal.

A menção feita por Britto decorre do fato de que ambos os ministros que tomam posse hoje são oriundos do quinto constitucional, mecanismo defendido pela OAB como forma de aprimorar a Justiça, permitindo que sua administração não se restrinja aos juízes de carreira, mas seja destinada a todos os responsáveis pelo fortalecimento do Judiciário. "Dois advogados que, com sua competência e integridade, agregam valor ao Judiciário". Em defesa do mecanismo, o presidente nacional da OAB acrescentou que o advogado tem como missão envolver-se no drama do cidadão comum, compreendê-lo e defendê-lo. "O quinto constitucional coloca, por meio da advocacia, o cidadão comum no Judiciário."

O presidente da OAB afirmou que, para a entidade, não é simples questão protocolar participar da sessão de posse de dois ministros oriundos do quinto. Trata-se, segundo ele, de momento único para reafirmar o compromisso dos advogados com uma Justiça que se quer acessível a todos, "com a necessidade permanente de vigilância na defesa de um mundo mais justo e igualitário que não pode dispensar, por isso mesmo, o papel diferenciador de se viver sob a égide do Estado Democrático de Direito".

Britto questionou em seu discurso: "o que se espera quando, pela primeira vez, dois magistrados forjados no seio da advocacia são convocados para comandar o tribunal que, merecidamente, é conhecido como o Tribunal da Cidadania ?" Entre as expectativas destacadas pelo presidente da entidade máxima da advocacia, está a coragem de combater o obscurantismo do Estado policial, tendência que, desde o atentado de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos, espalha-se como epidemia.

"O nosso tempo não pode reeditar um passado em que as manifestações de autoritarismo brotavam de dentro do Estado. O nosso tempo – tempo democrático – não aceita proibições absurdas de um Estado que atenta contra o constitucional direito à ampla defesa. O nosso tempo não convive com invasões de escritórios de advocacia, quebra do sigilo das conversas entre o advogado e o seu cliente e uso de grampos ambientais."

O presidente da OAB enalteceu, ainda, as características dos ministros que tomaram posse, destacando que tanto advogados quanto magistrados são agentes do bem supremo da civilização, que é a Justiça. Na cerimônia, Cezar Britto compôs a mesa principal, juntamente com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com a presidente do STF, ministra Ellen Gracie, e com o presidente do STJ, ministro Raphael de Barros Monteiro Filho, composição protocolar adotada pela primeira vez na história.

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“Saúdo os presidentes dos três Poderes, aqui presentes: Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; do Supremo Tribunal Federal, ministra Ellen Gracie Northfleet; da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia; do Senado Federal, Garibaldi Alves; o procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza; governadores, parlamentares e demais autoridades presentes,

Senhoras e senhores,

É com grande satisfação que, em nome da Ordem dos Advogados do Brasil - e representando neste ato a sociedade civil brasileira -, ocupo a tribuna para saudar os novos presidente e vice-presidente deste egrégio Superior Tribunal de Justiça: respectivamente, ministros Humberto Gomes de Barros (que até aqui exerceu a vice-presidência desta Corte) e Cesar Asfor Rocha.

Da mesma forma, saúdo o presidente que sai, ministro Raphael de Barros Monteiro, por sua reconhecida trajetória neste Tribunal, do qual se despede sob os aplausos de seus pares e da advocacia, com o justo e pleno reconhecimento pelos relevantes serviços prestados.

De público, externo o meu testemunho de que sempre mantivemos um diálogo respeitoso e cordial, mesmo quando abraçávamos posições conflitantes.

Não poderia ser diferente, pois o relacionamento democrático deve sempre prevalecer entre aqueles que têm responsabilidade, respeito e compromisso com o futuro das instituições que representamos.

Nenhuma melhor do que a outra. Todas absolutamente iguais. Cada qual cumprindo seu papel constitucional de fortalecimento do Estado Democrático de Direito.

Espero, sinceramente, que assim continuemos, para que possamos, juntos, superar conflitos e impedir que a cultura autoritária, a arrogância, as vaidades, os interesses pessoais ou as disputas corporativas enfraqueçam o Poder Judiciário e, com ele, a busca pela Justiça neste Brasil ainda tão desigual.

Ministro Humberto Gomes de Barros, Ministro Cesar Asfor Rocha,

Para a OAB não é simples questão formal ou protocolar participar desta sessão de posse. É momento único para reafirmar o compromisso dos advogados para com uma Justiça que se quer acessível a todos, com a necessidade permanente de vigilância na defesa de um mundo mais justo e igualitário e que não pode dispensar, por isso mesmo, o papel diferenciador de se viver sob a égide do Estado Democrático de Direito.

A forte carga simbólica de que se reveste, reunindo, numa mesma oportunidade, os dois representantes da advocacia na direção do Superior Tribunal da Justiça enseja, de nossa parte, oportunidade de vocalizar anseios e expectativas da cidadania, missão que, por tradição, incumbe a nós, da OAB, cumprir quando da posse de presidentes de tribunais superiores.

E quais são os anseios da cidadania que guardam relação direta com esta posse? Quais as expectativas da advocacia? O que ambas esperam quando, pela primeira vez, dois magistrados forjados no seio da advocacia são convocados para comandar o tribunal que, merecidamente, é conhecido como o Tribunal da Cidadania?

Resolver alguns dos nossos conhecidos conflitos institucionais? Sim. Mas não só isso. Esperamos mais.

Ao reunir, no mesmo corpo diretivo, o advogado-cidadão e o Estado-magistrado, o Superior Tribunal de Justiça certamente demonstra que a idéia, enfim, encontrou sua oportunidade - e se realizou. Cada um dos empossados, ao final da sua missão poderá, ao seu modo, ser “o filósofo que tem ciência de seu tempo”, no bem dizer do alemão Friedrich W. Nietzsche.

É fundamental que não renunciemos à coragem de combater o obscurantismo do Estado Policial, tendência que, desde o atentado de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos – e a pretexto do combate ao terrorismo -, espalha-se como epidemia por importantes países democráticos do Ocidente.

Esse é hoje o grande desafio dos democratas: opor-se aos tentáculos do Estado Policial. E essa luta – que é uma luta em defesa dos direitos mais básicos, dos cidadãos, já incorporados ao patrimônio da humanidade há várias gerações - torna mais importante e vital a presença da advocacia nos tribunais, e a união entre magistrados e advogados.

A união bem simbolizada na vida de Vossas Excelências.

É preciso, definitivamente, não perder a oportunidade para que se compreenda a elementar idéia de que o cidadão não poderá ser considerado o destinatário maior da Constituição Federal, se não lhe for garantido o sagrado direito de defesa, o direito de resistir à ação de um Estado que se julga absolutamente onipotente, onisciente e onipresente, pois tudo pode fazer, acusar, dizer, controlar, bisbilhotar e amedrontar.

É urgente não perdermos a oportunidade de fazer prevalecer a idéia de que o respeito às prerrogativas da advocacia é, na verdade, o respeito às prerrogativas desta cidadania que ainda acredita na importância de viver sob a égide do Estado Democrático de Direito.

O nosso tempo, o tempo da nossa ciência, não pode reeditar um passado em que as manifestações de autoritarismo brotavam de dentro do Estado.

O nosso tempo – tempo democrático - não aceita proibições absurdas de um Estado que atenta contra o constitucional direito à ampla defesa, impedindo, por exemplo, que advogados tenham acesso aos autos - ainda que não munidos de procuração. Ou mesmo de um Estado que se fecha na clausura de um gabinete, trancando suas portas para aquele que Constituição elegeu como “indispensável à administração da Justiça”, exatamente por transformar em ação judicial o anseio humano por reparação de danos.

O nosso tempo não pode aceitar como normal o aviltamento dos honorários advocatícios, tratando seu recebimento como ato de desonestidade ou diretamente relacionado à morosidade da justiça.

Nosso tempo não convive com invasões de escritórios de advocacia, quebra do sigilo das conversas entre o advogado e o seu cliente e uso de grampos ambientais, quase sempre executados pelo Estado-polícia, comandado pelo Estado-Ministério Público e autorizado pelo Estado-juiz.

Nosso tempo não pode conviver com a mercantilização do sonho de ascensão social dos cidadãos através de um ensino jurídico de qualidade, fundamental à preservação de um mínimo de eficiência na própria prestação jurisdicional do país.

Da mesma forma, a extinção do Exame de Ordem apequenaria a importância do saber no exercício de uma profissão que já reúne, hoje, aproximadamente seiscentos mil advogados – vinte por cento de toda a advocacia mundial! – e que chegaria a dois milhões sem este salutar instrumento de controle de qualidade.

É preciso compreender que o estelionato educacional que se pratica no Brasil não pode ser premiado com a liberação dos lucros fáceis destas instituições que enfraquecem o saber jurídico e conspiram pela deterioração da Justiça no país.

E não se diga que essa é uma posição corporativa da Ordem. Corporativistas seríamos se concordássemos com isso. Aumentaríamos em pelo menos dez vezes o número de inscritos em nossos quadros, o que, possivelmente, nos tornaria a maior e mais rica instituição mundial de advogados. Mas isso, claro, desmoralizaria nossa profissão e a Justiça em nosso país.

Nosso tempo cultiva e compreende o espírito democrático do chamado Quinto Constitucional. Não o encara como fator de disputa corporativa entre magistrados e advogados, o que o distorce e enfraquece – e, sobretudo, impede que exerça os efeitos benéficos que o justificam perante a sociedade.

Ao contrário, o Quinto Constitucional é dispositivo que enriquece o Judiciário, permitindo que a ele se agregue a experiência de carreiras correlatas – procuradores e advogados. No caso específico da advocacia, pela qual falo, transmite ao Judiciário maior dose de cidadania e vivência social.

É que o advogado tem como missão envolver-se nesse drama do cidadão comum, compreendê-lo, defendê-lo. O Quinto Constitucional coloca, por meio da advocacia, o cidadão comum no Judiciário.

É, por isso mesmo, o melhor antídoto ao Estado-Policial - e isso já o justifica e absolve de eventuais imperfeições do modelo vigente – que pode ser aperfeiçoado.

É através do Quinto Constitucional – repito - que podemos trazer para dentro do Poder Judiciário vivências como as contadas pelo alagoano Graciliano Ramos – em Memórias do Cárcere – ao ensinar que "quem dormiu no chão deve lembrar-se disto, impor-se disciplina, sentar-se em cadeiras duras, escrever em tábuas estreitas. Escreverá talvez asperezas, mas é delas que a vida é feita: inútil negá-las, contorná-las, envolvê-las em gaze".

É o Quinto Constitucional, por isso mesmo, instrumento de aprimoramento da Justiça, permitindo que sua administração não se restrinja aos juízes de carreira, mas destinada a todos aqueles responsáveis pelo fortalecimento do Poder Judiciário, cada um com sua experiência, cada um com a sua especial contribuição. Cada qual refletindo as vozes dos mais diversos cidadãos e interesses.

Exemplo claro da eficácia desse instrumento temos hoje aqui, nesta cerimônia, que celebra a posse, no comando desta Corte, de dois magistrados egressos do Quinto Constitucional – dois advogados que, com sua competência e integridade, agregam valor ao Judiciário.

Não sem razão, Honoré de Balzac assim liquidou a questão sobre a importância da participação da advocacia na magistratura - participação adotada pelo Brasil no avançar das décadas:

“Todo processo é julgado pelos advogados antes de sê-lo pelos juízes, assim como a morte do doente é pressentida pelos médicos, antes da luta que estes sustentarão com a natureza e aqueles com a justiça.”

Senhoras e Senhores,

Desde a redemocratização, contabilizamos desencantos e frustrações, mas também avanços, superação de equívocos, graduação cívica.

Hoje, a sociedade brasileira, apesar de todos os pesares, tem bem mais consciência de suas necessidades e direitos do que tinha há duas décadas, o que prova que nada educa melhor o cidadão que a prática continuada da democracia.

Há, sem dúvida, avanços sociais, que pesquisas recentes constatam, aferindo o crescimento demográfico expressivo da classe C e a redução de brasileiros abaixo da linha de pobreza, ampliando as faixas de consumo da população e abrindo para uma fatia maior de cidadãos as portas da inclusão social.

As portas da dignidade.

É preciso saudar e reconhecer os avanços para que possamos com maior autoridade cobrar a solução dos problemas ainda pendentes – e que, como sabemos, não são poucos.

E nesse campo cumpre, por parte dos três Poderes, zelo maior por fundamentos inegociáveis do Estado democrático de Direito, cláusula pétrea democrática, sem a qual se estabelece o perigoso e indesejado Estado Policial.

A quem interessa, portanto, enfraquecer a figura do advogado, minando-lhe as prerrogativas, baixando-lhe o padrão profissional, expondo-o à desconfiança pública?

A quem interessa afastar os cidadãos do Poder Judiciário, limitando a atuação do seu representante legal? A quem interessa criar este fosso entre o advogado-cidadão e o Poder Judiciário?

Certamente não aos amantes da democracia, aos cultores do Estado democrático de Direito. Certamente não àqueles que lutam para que a Justiça seja um bem consumido por todos. Certamente não a Vossas Excelências.

Certa vez, Victor Hugo, com sua peculiar maestria poética, encantou-nos quando afirmou que “nada neste mundo é tão poderoso como uma idéia cuja oportunidade chegou”. E chegou a oportunidade de o Estado brasileiro, de uma vez por todas, com a contribuição de Vossas Excelências, reconhecer que cidadania e advocacia são palavras que podem e devem ser conjugadas simultaneamente.

Ministro Humberto Gomes de Barros,

A oportunidade está a favorecer o nosso tempo. Tanto assim que presenciamos hoje, nesta solenidade, pela primeira vez, a nova composição protocolar da mesa de cerimônia, em que o representante da OAB passa a integrá-la, lado a lado ao assento do presidente do STJ.

Essa mudança protocolar tem louvável conteúdo simbólico, pois associa esta Corte ao fundamento expresso na Constituição Federal, artigo 133, segundo o qual o advogado “ é indispensável à administração da Justiça”.

Mas precisamos ir bem além desta simbologia.

Precisamos expressá-la na prática, estabelecendo cooperação efetiva entre magistratura e advocacia, tendo em vista o bem comum e o aprimoramento da prestação jurisdicional.

Não há, como já disse, prioridade maior neste país que a promoção da Justiça, premissa básica para que superemos as limitações do subdesenvolvimento econômico e os danos morais da exclusão social.

A presença da advocacia na composição dos tribunais está em consonância com o que estabelece o artigo 133 da Constituição, que já citei.

O advogado não é apenas coadjuvante, mas, nos termos da Constituição, também protagonista – por isso indispensável à administração da Justiça.

E não se diga que tal arranjo é novidade heterodoxa da Constituição Cidadã, de 1988, que tanto desagrada o conservadorismo político.

O espírito do Quinto Constitucional precede-lhe <_st13a_personname productid="em muito. Repete" w:st="on">em muito. Repete regra do artigo 144 da Constituição de 1967 (emenda n° 1 de 1969); do artigo 104, alínea b, da Constituição de 1946; do artigo 104, parágrafo 6° da Carta de 1934.

Em prol da produção de Justiça, advogados e magistrados jamais podem estar em posição de confronto, em rota de colisão. São agentes do bem supremo da civilização, que é a Justiça.

E ambos devem buscar a simbiose de suas funções, pois não há como escapar a este axioma: quem não serve para ser juiz, não serve para ser advogado – e vice-versa.

Devo encerrar a saudação dos advogados com a confiança que marca a relação de amigos, de cidadão para cidadão, de um operador do direito para outro.

E o faço sabendo, feliz e esperançoso de que Vossa Excelência, presidente Humberto Gomes de Barros, ao término de seus cento e oito dias de gestão, não fará como o Aureliano Buendía, de Gabriel Garcia Marques que, “ao decifrar os pergaminhos de sua existência e de tudo o que estava escrito neles”, concluiu, tardiamente, que a vida “era irrepetível desde sempre - e para todo o sempre -, porque as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinha uma segunda chance sobre a terra”.

Muito obrigado.”

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