Sorteio de obra
Migalhas tem a honra de sortear a obra "Comentários à Lei de Imprensa" (2ª Edição – 404 p.), escrita por José Cretella Neto, Francisco Gastão Luppi de Castro Filho, Nelson Nery Costa e Carlos Affonso Pereira de Souza e gentilmente oferecido pela Editora Forense.
Sobre a obra :
Outro dia, o plantar uma muda de coqueiro-anão, e tendo cavado buraco de menos um 1 m de profundidade, deparei-me com uma concha.
Meu filho Rafael, de 3 anos de idade, do alto de sua larga experiência de vida, questionou a possibilidade prática de uma concha (e o molusco que estava em seu interior) vencer a enorme distância (para uma concha) da praia até a casa. Quando expliquei que, há uns cinco ou dez mil anos (empreguei a expressão “há muito tempo”, o que fazia mais sentido para ele), o terreno ainda era fundo de mar, foi nítido seu espanto: “quer dizer que a praia andou?”, foram suas palavras. Não foi fácil convencê-lo dessa aparentemente absurda idéia de mudança topográfica.
Essa pequena história, por cuja puerilidade peço vênia ao leitor, vem-me à mente ao escrever sobre a liberdade de expressão, em especial sua regulamentação no Brasil, pela Lei nº 5.250, de 09.02.1967, e suas alterações.
Tal como na situação da concha no terreno, temos certa tendência a reter a impressão de que o Mundo sempre foi o que se nos apresenta diante dos olhos, no momento presente: se é assim hoje, terá sido sempre assim!
Ao pesquisar a bibliografia para escrever minha parte, nestes Comentários, fui até o campus da USP, na Cidade Universitária, onde passei algumas agradáveis manhãs de primavera debruçado sobre obras raras, arquivadas na eficiente e prática Biblioteca da Escola de Comunicações e Artes. Rememorei os quase oito anos em que estudei naquele mesmo campus, na década de 1970, época da grande repressão política sofrida por minha geração justamente durante alguns dos anos mais vibrantes da vida, os da juventude. Voltei no tempo, ao ver que os “uspianos” continuam com aquele ar meio esnobe, intelectualóide, olhando por sobre as copas das mais altas árvores, tecendo elevadas considerações sobre os problemas que merecem a glória de sua atenção – iguais a nós, que tudo (achávamos que) sabíamos, na década de 1970. A diferença, no entanto, é que eles ainda não haviam sequer nascido quando a Polícia Militar fazia suas incursões repressoras no campus, conspurcando o solo sagrado da Universidade. Hoje, não têm a menor noção do que seja a opressão de um regime autoritário o que, se por um lado é uma benção, por outro pode levar a achar o que é assim, sempre o foi... E a relaxar a guarda.
Por exemplo, quando falamos de “Estado”, com tanta naturalidade, esquecemos, às vezes, de que o conceito atual somente surge a partir do século XVIII, com Montesquieu, Locke e outros pensadores. Antes, era o rei, o feudo, o senhor feudal, o nobre. O governo “era” o próprio Estado, nada mais representando do que a manifestação personalista do príncipe, que detinha o monopólio dos poderes executivo, legislativo e judiciário. Não apenas “the King can do no wrong”, mas era ele quem dizia o que era certo e o que era errado, em seu reino.
Quando hoje verificamos que jornais, revistas, rádio, televisão, internet e outros meios de comunicação, trazem estampas ou levam ao ar as mais diversas opiniões e pontos de vista a respeito de tudo o que interessa ao gênero humano, podemos ter a impressão de que esse fato é “natural”, de que “sempre foi assim”.
Nada mais errôneo: uma rápida vista d'olhos pela evolução da História mostrará exatamente o inverso, ou seja, de que é recentíssima a possibilidade de expressar publicamente nossos pensamentos sem receber punições outras, que não eventual desaprovação de alguns.
O Homo sapiens, linhagem da qual derivam as primeiras populações de homens modernos, surgiu no período Pleistoceno, há cerca de 1.500.000 anos, segundo atestam os fósseis encontrados na África Oriental, no desfiladeiro de Olduvai (Tanzânia) e Koobi Fora (Quênia). Começou a escrever algo inteligível, organizado e coerente somente há cerca de 6.000 anos, na Mesopotâmia.
Mais de 7.000 anos iriam se passar até que se chegasse ao nível tecnológico – com Gutemberg, no século XV – necessário para se chegar ao conceito de “imprensa”. A partir daí, passou-se a lutar pelo direito à liberdade de expressão. No entanto, mesmo nestes menos de três séculos em que a liberdade de expressão passou a ser considerada direito individual dos mais relevantes, seria engano pensar que foi assegurada desde então, e a todos, na maior parte do tempo.
Ainda permanecem vivas as imagens da Alemanha nazista, da Itália fascista, e da ex- URSS comunista, Estados que obrigavam a todos a adoção de um comportamento sancionado pelo poder central, baseado em ideologias totalitárias e sangrentas, que não admitiam qualquer voz discordante, mesmo nas chamadas Ciências da Vida. Quem não comungava das teorias arianas, por exemplo, não podia publicar resultados de pesquisas genéticas isentas, que mostravam a falta de fundamento de certas correlações entre raça e determinadas características. Ou então, quem se opunha às teorias de Lisenko, era expulso da Academia de Ciências e mandada à prisão. Infelizmente isso ainda ocorre, como em Cuba, em países do Oriente Médio e da África, na Birmânia, na China Popular, na Coréia do Norte e em tantos outros Estados. Poetas, artistas plásticos, jornalistas, advogados, profissionais de todas as áreas sã, ainda, impedidos de externar suas opiniões publicamente, se contrárias às posições “oficiais”.
No Brasil, embora a liberdade de expressão já fosse garantida pela Constituição do Império, de 1824, não se pode afirmar que era plenamente respeitada, na prática, até a extinção da Monarquia, em 1889. Já na República, os períodos ditatoriais – Getúlio Vargas, de 1932 e 1945, e o governo militar, entre 1964 e 1985 – representam os chamados “anos de chumbo”, em que ocorriam graves violações às liberdades fundamentais, dentre elas e de livre expressão de idéias.
Em suma, esse bem precioso – a liberdade de expressão – é raro, frágil e recente. Ao ser convidado a escrever estes Comentários, ao lado de três ilustres juristas pátrios – Francisco Gastão Luppi de Castro Filho, Nelson Nery Costa e Carlos Affonso Pereira de Souza – vislumbrei no trabalho a possibilidade de render modesta homenagem a este precioso direito o qual, como quase tudo o que verdadeiramente engrandece a História do Homem, precisou ser conquistado a duras penas, não somente com vigor, firmeza e idealismo, mas também com sangue, com luta, com sacrifício.
A liberdade de expressão é direito que, embora hoje garantido e amplamente reconhec ido, não pode ser considerado como algo já assegurado para todo o sempre, imutável e pétreo, que prescindira de contínuos esforços para sua manutenção e salvaguarda. Ao contrário, cada vez mais precisa de contínua alimentação e cuidados, sob pena de fenecer, tal como nosso ainda pequeno coqueiro-anão, plantado no jardim.
Meu filho e eu regamos juntos a árvore, ao entardecer, sempre que necessário. A seguir, ficamos sentados na varanda, na diminuta mão envolta pela minha, encantados ambos com as bênçãos e a punjança da Natureza, e velamos para que o coqueiro cresça forte e renda frutos, como a liberdade que desejamos para a nossa família, para os nossos descendentes e para a sociedade”. José Cretella Neto, organizador da obra.
Sobre a obra :
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José Cretella Neto é autor e coordenador da obra. Atua como advogado em São Paulo. Mestre, doutor e livre-docente em Direito Internacional pela Faculdade de Direito da USP. Também é professor de Direito Internacional e de Processo Civil na Universidade Paulista de São Paulo.
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Francisco Gastão Luppi de Castro Filho é formado em Direito pela PUC de São Paulo. Delegado de Polícia da Corregedoria Geral da Polícia Civil do Estado de São Paulo, titular da 3ª Delegacia de Crimes Funcionais. Mestrando em Direito - UNIMES - Santos. Professor universitário desde 1993, nas áreas de Direito Penal e Prática Jurídica Penal.
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Nelson Nery Costa bacharelou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e obteve grau de Mestre pela Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro, nas áreas de Direito Constitucional e Teoria do Estado. Está fazendo doutoramento pela Universidade de Lusíada, de Lisboa (Portugal). Publicou diversas obras e artigos.
Foi presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Piauí e da OAB/PI - Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Piauí, por tês mandatos. Foi, ainda, Diretor do cargo de Tesoureiro, da Associação Nacional dos Defensores Públicos (ANADEP), por dois mandatos. Ingressou na Academia Piauiense de Letras e no IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros. É professor adjunto de Direito Público, atualmente no Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Piauí, além de ser defensor público estadual e advogado especializado em Direito Bancário, Tributário e Municipal. Atualmente, ocupa o cargo de conselheiro Federal e Presidente da Comissão Nacional da Advocacia Pública da Ordem dos Advogados do Brasil. -
Carlos Affonso Pereira de Souza é mestre em Direito Civil na Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Vice-diretor do Centro de Tecnologia e Sociedade da Escola de Direito da FGV-Rio. Professor da Pontíficia Universidade Católica do Rio de Janeiro - PUC Rio - e advogado.
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Michelle Manrique, assessora de comunicação do IBDFAM - Instituto Brasileiro de Direito de Família, de Belo Horizonte/MG
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Da Liberdade de Manifestação do Pensamento e de Informação
Art. 1º É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos termos da lei pelos abusos que cometer.
§ 1º Não será tolerada a propaganda de guerra, de processos de subversão da ordem política e social ou de preconceitos de raça ou classe.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica a espetáculos e diversões públicas, que ficarão sujeitos à censura, na forma de lei, nem na vigência do estado de sítio, quando o Governo poderá exercer a censura sobre os jornais ou periódicos e empresas de radiofusão e agências noticiosas nas matérias atinentes aos motivos que o determinaram, como também em relação aos executores daquela medida.
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