TST
Depoimento de contador muda rumo de ação envolvendo milhares de dólares
A matéria foi recentemente julgada no Tribunal Superior do Trabalho, onde a Quinta Turma examinou recurso de ambas as partes, pondo fim a uma disputa judicial de mais de dez anos.
O caso começou quando a empresa demitiu seu presidente no Brasil. Cidadão inglês, ele foi contratado em 1973 em Londres pelo grupo econômico Rei Limited, constituído na Inglaterra. Exercendo função equivalente à de consultor de imóveis comerciais, ele foi transferido no ano seguinte para Amsterdã, na Holanda, e em 1980, para São Paulo, onde foi registrado como diretor presidente da Richard Ellis Ltda, sociedade brasileira integrante do grupo inglês. Além do salário em torno de 15 mil dólares mensais (incluindo benefícios e vantagens), seu contrato lhe assegurava um bônus de 25% sobre o lucro bruto anual da empresa.
Em 1994, a empresa o demitiu por justa causa. Para consumar o ato, apontou uma série de infrações à CLT que teriam sido cometidas por ele, que configurariam atos de improbidade, incontinência de conduta e mau procedimento. Entre esses atos, a empresa o acusou de assediar alguns de seus funcionários para trabalhar com ele em outro empreendimento que estaria montando, para concorrer no mesmo ramo de atividade.
Dois anos depois, ele entrou com ação trabalhista, em que contestou as razões de sua demissão, atribuindo-a a uma suposta manobra da empresa para afastá-lo e deixar de pagar o bônus a que teria direito. Defendeu a unicidade de seu contrato para efeito de rescisão, com base no fato de que, desde sua admissão em Londres, não havia sido desligado, mas apenas transferido para outras empresas do mesmo grupo econômico. Por esse motivo, arrolou como rés a empresa no Brasil e a sua matriz, na Inglaterra. Entre outros itens, requereu: a reintegração no emprego, com o pagamento de salários e demais reflexos retroativos à data de sua demissão, até a conclusão do processo trabalhista; o pagamento do bônus sobre os lucros de 1994; reflexos de todas as verbas de vantagens e benefícios sobre aviso prévio, indenização, férias e outros direitos trabalhistas; indenização por dano moral e pagamento de honorários advocatícios de 20%.
A partir daí, as duas partes travaram uma intensa batalha judicial para sustentar suas teses sobre a questão, incluindo a realização de laudos técnicos, apresentação de testemunhas e provas documentais. Somente na primeira peça que apresentou, a defesa da imobiliária continha 60 páginas de texto, especialmente dedicados a reforçar as acusações que sustentaram a demissão.
No ano de 2000, saiu a sentença da 58ª Vara do Trabalho de São Paulo que, em resumo, validou a demissão por justa causa e rejeitou todos os pedidos do trabalhador.
Em 2001, surgiu um fato novo, que viria a ser decisivo para a mudança de rumos do processo: o contador da empresa, em depoimento registrado em cartório, relatou fatos e apresentou dados reforçando os indícios de fraudes e manobras para forjar provas contra seu ex-presidente. A trama narrada pelo contador envolvia advogados, empresas de consultoria e, principalmente, as pessoas que o sucederam na direção da empresa, cuja remuneração mais que quadruplicou naquela ocasião. Afirmou ainda ter sido forçado a assinar declarações falsas, sob ameaça de também ser demitido. E denunciou que, quando solicitado para comparecer à audiência no Tribunal Regional do Trabalho, os diretores afirmaram à juíza que ele seria testemunha da empresa (e não do empregado, como era o previsto), e acrescentaram que ele estava ausente.
Com base nesse depoimento, o empregado entrou com ação criminal contra a empresa, na Justiça Comum. Só que, ao tentar usar esses documentos para reforçar a ação trabalhista, ele sofreu nova derrota: o juiz rejeitou a juntada dos documentos e negou provimento aos embargos. Inconformado, ajuizou recurso no Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (São Paulo), alegando que houve cerceamento de defesa na decisão anterior, que, por este motivo, deveria ser anulada.
A juíza acolheu a tese do cerceamento de defesa e deu provimento parcial ao recurso, após considerar que a prova em que se baseou a sentença de primeiro grau perdera totalmente a credibilidade. Em resumo, invalidou a demissão por justa causa e determinou o pagamento das verbas rescisórias, do bônus de 25% sobre o lucro da empresa proporcionalmente aos meses trabalhados em 1994 e da indenização por danos morais com base em dez vezes a maior remuneração mensal, determinando que o valor apurado em moeda estrangeira fosse convertido em moeda nacional na data do vencimento da obrigação.
Novos desdobramentos viriam, a partir daí, marcar o andamento do processo, culminando com recurso de ambas as partes ao TST. A empresa recorreu na tentativa de isentar-se do pagamento a que fora condenada, defendendo a reforma da decisão. Entre outros argumentos, alegou que o julgamento se deu com base em documentos ilícitos e inverídicos, que não deveriam ser considerados por não serem "documentos novos". O trabalhador, por sua vez, buscou ampliar o valor da indenização por danos morais e defendeu a integração do bônus de 25% ao salário, além de requerer o pagamento de diferenças relativas ao depósito de FGTS.
O relator da matéria, ministro Brito Pereira, manifestou-se pela rejeição de ambos os recursos. Em relação à tese da empresa, ressaltou que a lei define como "documento novo" aquele obtido pelo autor após a prolação da sentença, cuja existência era ignorada ou de que não se pôde fazer uso, e capaz, por si só, de assegurar pronunciamento favorável. No caso, o reclamante efetivamente desconhecia os documentos até o momento em que lhes foram entregues, enquadrando-se, portanto, nessa definição legal, concluiu o ministro.
Brito Pereira também refutou a tese de ilicitude dos documentos, na medida em que, conforme afirmou o TRT, o reclamante os recebeu diretamente do contador da empresa que, por sua vez, os obteve em razão da função que ocupava, sem violação de sigilo de correspondência, de domicílio, de comunicação telegráfica ou telefônica.
Quanto à indenização por danos morais, o relator considerou não ser possível sua majoração, como queria o trabalhador, tampouco sua revogação, como pretendia a empresa. Nesse aspecto, ele considerou que as alegações da empresa, ficaram severamente abaladas em razão do inquérito policial instaurado pelo trabalhador, que denunciou a utilização de documentos falsos, com alteração em dados contábeis, para instruir a defesa na ação trabalhista, com o objetivo de motivar a dispensa por justa causa.
O ministro ressalta que a indenização por danos morais decorreu da imputação, sem provas, de atos de improbidade, incontinência de conduta, mau procedimento e concorrência desleal, o que extrapolou os limites do contrato de trabalho para o mercado em que atuava o empregado, depreciando sua imagem, agravado pela constatação de que a justa causa foi forjada e manipulada. (RR 173.365/2006-900-02-00.8)
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