A 3ª Câmara Especial de Enfrentamento de Acervos do TJ/SC negou, por unanimidade, pedido de indenização por danos morais feito por homem citado em publicações no Facebook nas quais se questionavam acusações de violência sexual. O colegiado entendeu que não houve abuso da liberdade de expressão nem violação à honra, já que as postagens não atribuíram diretamente ao autor a conduta criminosa.
Entenda o caso
O episódio ocorreu após o muro da escola onde o homem trabalhava ser pichado com frases acusatórias sobre violência de gênero. Segundo os autos, os dois usuários da rede social não fizeram imputações diretas, somente questionaram, em postagens no Facebook, o conteúdo das pichações, levantando dúvidas sobre seu significado e veracidade.
O homem alegou que as publicações extrapolaram a mera opinião e atingiram sua honra e reputação, com reflexos negativos na vida pessoal e profissional. Ele sustentou ainda que o Facebook descumpriu ordens judiciais de remoção dos conteúdos, que a jurisprudência reconhece o dano moral presumido em casos de difamação pública, especialmente em redes sociais, onde a exposição é ampla.
Em 1º grau, a juíza Anuska Felski da Silva, da 3ª Vara Cível de Itajaí/SC, julgou improcedentes os pedidos de indenização. O homem, então, recorreu ao TJ/SC.
Liberdade de expressão
A relatora, desembargadora substituta Vania Petermann, ao analisar o caso, observou que não houve ilicitude nas postagens, pois as publicações não nomearam diretamente o autor e se limitaram a relatar uma acusação grave, sem imputação específica de crime.
“As publicações impugnadas ficaram restritas ao campo informativo, sem atribuir ao apelante a prática de qualquer ato ilícito. O direito ao debate público e à divulgação de denúncias sobre temas sensíveis, como crimes de violência de gênero, encontra respaldo legal e deve ser preservado sempre que exercido dentro dos limites da legalidade.”
Nesse sentido, a desembargadora reforçou que a responsabilidade civil é afastada quando os limites da liberdade de expressão não são extrapolados, e postagens em redes sociais devem ser avaliadas conforme o contexto e o conteúdo.
“No caso concreto, a divulgação da denúncia deve ser analisada considerando esse contexto, de modo a evitar que o Judiciário reproduza barreiras históricas que dificultam a busca por justiça. Afinal, o direito à informação e à crítica social, quando exercido dentro dos limites normativos, não pode ser restringido sob pretexto de reparação moral.”
Ausência de ato ilícito
Com base nos arts. 186 e 927 do CC, a relatora destacou que a responsabilização civil exige a presença de ato ilícito, dolo ou culpa, dano concreto e nexo causal. Diante da ausência desses elementos, afastou-se a possibilidade de indenização. Ela também enfatizou que:
“Para a configuração da responsabilidade civil, não basta a mera insatisfação ou desconforto do autor em relação ao conteúdo veiculado. Impõe-se a demonstração de que houve abuso no exercício da liberdade de expressão e que desse abuso decorreu um dano concreto, direto e significativo, o que, à luz das provas constantes dos autos, não se verificou.”
Além disso, reforçou que a proteção à honra e à imagem, embora assegurada pela CF, deve ser equilibrada com a liberdade de expressão e o direito à informação:
“Por fim, não se trata de chancelar ou conferir veracidade à narrativa apresentada pelos recorridos, mas de reconhecer que, diante da evidente relevância social do tema, as manifestações questionadas inserem-se no campo da liberdade de expressão e da preocupação coletiva, sem que delas decorra ilicitude ou prejuízo indenizável ao recorrente.”
Julgamento com perspectiva de gênero
A desembargadora também destacou a aplicação da resolução 492/23 do CNJ, que orienta o Judiciário a considerar a perspectiva de gênero e a análise interseccional para evitar que o processo judicial seja utilizado como meio de silenciamento de denúncias legítimas.
“Trata-se de compromisso institucional com a eliminação de desigualdades históricas, assegurando que a tutela jurisdicional não seja utilizada como mecanismo de silenciamento de debates públicos sobre violência de gênero e direitos fundamentais.”
Assim, concluiu que o conteúdo das postagens refletia a preocupação da comunidade diante de acusação grave.
“A análise do teor das postagens evidenciou que o conteúdo compartilhado restringiu-se a uma manifestação informativa e de preocupação da comunidade, sem configuração de ofensa direta ou propagação de fato inverídico.”
Com isso, o colegiado decidiu, por unanimidade, negar o pedido de indenização por danos morais.
- Processo: 5006765-56.2020.8.24.0033
Leia o voto da relatora.
Confira o acórdão.