A decisão da Light de recorrer ao sistema de recuperação judicial nos Estados Unidos, levanta uma série de questões sobre as falhas no modelo jurídico brasileiro. A companhia de distribuição de energia elétrica anunciou que a Corte de Falência dos EUA, no Distrito Sul do Texas, aprovou seu plano de recuperação judicial sob o “Chapter 15”.
Dessa forma, segue a aprovação dos credores e a homologação da recuperação judicial pela 3ª vara Empresarial do Rio de Janeiro, ocorridas em 2024. A Corte Americana também autorizou medidas solicitadas pela Light para implementar seu plano nos Estados Unidos.
De acordo com Fernando Canutto, sócio do escritório Godke Advogados e especialista em Direito Empresarial, a companhia elétrica carioca – que é concessionária em diversos municípios do estado fluminense - se une a outras empresas brasileiras, como a Gol Linhas Aéreas, que também buscaram alternativas fora do país para lidar com crises financeiras. Segundo o advogado, “a legislação falimentar americana é amplamente reconhecida por sua eficácia e previsibilidade, atributos que faltam ao sistema de recuperação judicial no Brasil”.
Ele destaca que, nos EUA, o processo é muito mais ágil e direto, com regras claras que garantem um ambiente de maior confiança para as empresas em crise. Além disso, o sistema americano permite que os acionistas mantenham o controle da empresa durante o processo, algo que muitas vezes é ameaçado no Brasil por intervenções judiciais.
Canutto aponta que o acesso a financiamentos é outra vantagem crucial da legislação falimentar americana. “Nos Estados Unidos, mecanismos como o Debtor-in-Possession Financing permitem que a empresa levante recursos mesmo durante o processo de recuperação, algo que é extremamente difícil de conseguir no Brasil”, explica.
O especialista critica, também, a burocracia e a falta de especialização dos juízes brasileiros, que tornam o processo local mais lento e incerto, aumentando o risco de interferências externas e o ativismo estatal. “Essa falta de segurança jurídica prejudica a competitividade do ambiente de negócios no Brasil e faz com que muitas empresas optem pelo modelo norte-americano”, acrescenta.
Outro ponto destacado pelo especialista é a existência de transparência das regras sobre a hierarquia de credores nos Estados Unidos, o que facilita a condução do processo de recuperação e reduz disputas judiciais. “No Brasil, a lei de recuperação judicial e falências, apesar de ser uma evolução, ainda deixa a desejar quando comparada à norte americana”, comenta.
Ademais, o advogado observa que a legislação brasileira precisa de avanços significativos para atender às necessidades das empresas em crise, especialmente no que diz respeito à segurança jurídica e acesso ao crédito.
A escolha da Light pelo Chapter 15 reflete a globalização dos mercados financeiros e a atuação crescente de investidores estrangeiros nas empresas brasileiras. Para o advogado, essa escolha é lógica, já que o sistema americano é mais alinhado às expectativas dos credores internacionais e menos suscetível às particularidades do mercado brasileiro.
Ele ressalta que “a decisão de empresas brasileiras em buscar a recuperação judicial nos Estados Unidos é um sinal claro de que o modelo jurídico local precisa de uma reforma urgente para aumentar a confiança e a competitividade no mercado”, diz.
A legislação brasileira, apesar de ter avançado ao longo dos anos, ainda não oferece a proteção e a previsibilidade necessárias para atrair as empresas em crise. “O ambiente local é marcado pela insegurança jurídica e pelas dificuldades de financiamento, o que cria um cenário desfavorável para as empresas que tentam se reestruturar”.
Canutto reforça que as empresas acabam enxergando no jurisdição norte americana, uma alternativa mais segura para enfrentar os desafios do mercado, já que o modelo americano proporciona um caminho mais claro para a recuperação e a proteção dos ativos empresariais.
Por fim, o advogado defende que é essencial que o Brasil aprenda com os exemplos de empresas como a Light e a Gol. “Se o Brasil quer se manter competitivo, precisa reformular sua legislação para que a recuperação judicial seja uma opção viável e atraente no mercado local” conclui o especialista. A falta de uma resposta eficaz pode resultar na continuidade do “turismo empresarial” para o exterior, algo que, segundo o advogado, só evidencia a fragilidade do sistema jurídico brasileiro.