A Câmara dos Deputados aprovou o projeto de lei 4266/23, proveniente do Senado, que aumenta a pena para o crime de feminicídio e inclui outras situações consideradas agravantes. O projeto segue agora para sanção presidencial.
O texto aprovado retira o feminicídio da condição de tipo de homicídio qualificado, tornando-o um crime autônomo com artigo específico no Código Penal. A pena, que atualmente varia de 12 a 30 anos de reclusão, aumenta para 20 a 40 anos.
A relatora do projeto, deputada Gisela Simona, afirmou que a proposta aumenta a proteção às mulheres vítimas de violência. “A criação do tipo penal autônomo de feminicídio é medida que se revela necessária não só para tornar mais visível essa forma extrema de violência contra a mulher, mas também para reforçar o combate a esse crime bárbaro e viabilizar a uniformização das informações sobre as mortes de mulheres no Brasil”, destacou a deputada.
“A classificação do feminicídio como circunstância qualificadora do homicídio dificulta sua identificação. Em muitas situações, a falta de formação adequada ou de protocolos claros pode levar as autoridades a classificar o crime simplesmente como homicídio, mesmo quando a conduta é praticada contra a mulher por razões da condição do sexo feminino.”
Gisela Simona também ressaltou a importância de tornar pública a ação penal em casos de ameaça contra a mulher em razão de sua condição feminina. “Além de melhor resguardar a integridade física e psicológica da ofendida, contribuirá para a redução da subnotificação desse tipo de violência e servirá de desestímulo à ação dos infratores, que não mais poderão contar com o silêncio das vítimas para se livrar da punição devida”, afirmou.
Entre as novas situações que podem agravar a pena estão o assassinato da mãe ou da mulher responsável por pessoa com deficiência e quando o crime envolver: emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio cruel; traição, emboscada, dissimulação ou recurso que dificulte ou torne impossível a defesa da vítima; e emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido.
Todas as circunstâncias do crime analisado serão atribuídas também ao coautor ou participante do assassinato.
Medidas protetivas
O projeto também altera a lei Maria da Penha, aumentando a pena para condenados que, durante o cumprimento da pena, descumpram medidas protetivas. A pena para o crime de violação da medida protetiva aumenta de detenção de três meses a dois anos para reclusão de dois a cinco anos e multa.
Outros direitos
O texto aprovado também modifica outros direitos e restrições de presos por crimes contra a mulher em razão de sua condição feminina, definidos pelo Código Penal como crimes que envolvem violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Dessa forma, se um presidiário ou preso provisório por crime de violência doméstica ou familiar ameaçar ou praticar novas violências contra a vítima ou seus familiares durante o cumprimento da pena, ele será transferido para presídio distante do local de residência da vítima.
Em relação à progressão de regime, o projeto aumenta de 50% para 55% o tempo de cumprimento da pena em regime fechado para progressão ao semiaberto em casos de feminicídio. Essa regra valerá para réus primários e não permitirá liberdade condicional. Se o apenado usufruir de qualquer saída autorizada do presídio, terá de usar tornozeleira eletrônica e não terá direito a visita íntima ou conjugal.
Crimes em geral
Em relação a outros direitos previstos na lei de execução penal, a decisão sobre suspensão ou restrição de direitos caberá ao juiz da execução penal, e não mais ao diretor do presídio. Entre os direitos que podem ser suspensos ou restringidos estão: proporcionalidade na distribuição do tempo para o trabalho, o descanso e a recreação; visita do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em dias determinados; e correspondência.
Agressão
O projeto também altera a lei de contravenções penais (decreto-lei 3.688/41), triplicando a pena de prisão simples para o crime de agressão praticada contra a mulher em razão de sua condição feminina. A pena atual é de 15 dias a três meses. A prisão simples é cumprida no regime aberto ou semiaberto em estabelecimento diferente do presídio para condenados.
A pena para o crime de ameaça, que pode resultar em detenção de um a seis meses, será aplicada em dobro se cometido contra a mulher em razão de sua condição feminina, e a denúncia não dependerá de representação da vítima. Da mesma forma, crimes como injúria, calúnia e difamação praticados por essas razões terão a pena aplicada em dobro.
Lesão corporal
Para os crimes de lesão corporal praticados contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou contra pessoa com quem o réu tenha convivido, a pena passa a ser de reclusão de dois a cinco anos. Atualmente, a pena é de detenção de três meses a três anos. O mesmo intervalo de pena é atribuído à lesão praticada contra a mulher em razão de sua condição feminina. Atualmente, a pena para esse crime é de um a quatro anos de reclusão.
Efeitos da condenação
A perda do poder familiar, segundo o texto aprovado, passará a atingir o condenado por crimes praticados em razão da condição do sexo feminino, independentemente de a mulher partilhar do mesmo poder familiar. Essa consequência e outras, como a perda de cargo ou mandato eletivo ou proibição de futura nomeação em função pública (desde a condenação em definitivo até o fim da pena), serão automáticas.
Execução da pena
A deputada Soraya Santos, procuradora da Mulher, elogiou o endurecimento do tratamento para agressores de mulheres na fase de execução da pena para concessão de benefícios. “Se não cumprir 55% da pena, não adianta pensar em regalia”.
Soraya Santos cobrou mais recursos para monitorar agressores com tornozeleiras eletrônicas. “Das mulheres que morrem por feminicídio, 70% têm medidas protetivas. Nenhuma morreria se os agressores tivessem tornozeleiras eletrônicas”.
A deputada Erika Kokay destacou a importância de tratar o feminicídio como um crime autônomo. “Enfrentar o feminicídio não é apenas recrudescimento penal. Envolve política de educação, cultura e multissetorialidade. É necessário termos uma sociedade onde não haja dor em sermos mulheres”, declarou.
Já a deputada Adriana Ventura ponderou que o aumento da pena pode inibir o feminicídio. “Aumento de pena não resolve tudo, mas inibe”, contrapôs. “A gente avança a partir do momento em que corta privilégios para quem comete abusos. Quem comete feminicídio não poderá ser nomeado a cargo público ou ter visita íntima”.