Nesta quarta-feira, 21, o STF decidiu pela inconstitucionalidade, por violação aos arts. 130 e 75 da CF/88, norma estadual que confere autonomia administrativa e orçamentária ao Ministério Público Estadual junto ao Tribunal de Contas, garantida a independência funcional de seus membros e os meios necessários para o desempenho da função.
Com a decisão, os ministros julgaram parcialmente procedente pedido para declarar a inconstitucionalidade das expressões "independência financeira e administrativa, dispondo de dotação orçamentária global própria" do art. 2º da LC 9/92 e "a independência financeira e administrativa, dispondo de dotação orçamentária global própria" do art. 2º da LC 86/13, ambas do Estado do Pará.
Caso
O então PGR, Rodrigo Janot, apresentou ADIn no STF contestando leis complementares que conferem autonomia administrativa e financeiras ao Ministério Público de Contas do Pará e de seus municípios.
Janot argumenta que as expressões “independência financeira e administrativa, dispondo de dotação orçamentária global própria” e “independência funcional, financeira e administrativa, dispondo de dotação orçamentária global própria”, presentes nas LC 9/92 e 86/13, são inconstitucionais.
Argumenta que o Supremo já entendeu que o MP junto aos Tribunais de Contas não tem uma "fisionomia institucional própria" e, portanto, não deve gozar das prerrogativas de autonomia jurídica nas dimensões político-administrativa e financeiro-orçamentária.
Janot reforça que a CF não confere autonomia administrativa e financeira ao MP junto aos Tribunais de Contas, mas apenas estende aos seus membros, os direitos, vedações e formas de investidura próprios ao MP comum.
Manifestação da procuradoria
O PGR Paulo Gonet enfatizou que a Constituição de 1988, nos arts. 73 e 130, garantiu a existência autônoma do MP junto ao TCU, e a atual lei orgânica do TCU prevê que o Ministério Público de Contas funcione dentro da estrutura da Corte de Contas.
Ele ressaltou que essa configuração permite ao MP exercer sua vocação institucional, atuando junto a um órgão do capítulo do Legislativo, o Tribunal de Contas, cujas decisões tem caráter decisório com força de título executivo extrajudicial.
Ao comentar sobre a CF, Gonet afirmou que o art. 130 reconhece prerrogativas aos membros do MP que garantem sua independência e autonomia funcional, mas não prevê autonomia administrativa ou orçamentária.
Segundo ele, isso ocorre porque o constituinte seguiu a tradição de manter o MP junto ao TCU integrado à estrutura e organização do próprio tribunal. Ele explicou que o número reduzido de procuradores e a limitada estrutura necessária para seu funcionamento não justificam a concessão de autonomia orçamentária e administrativa ao órgão.
Gonet garantiu que a independência dos membros do MP não é comprometida, pois é assegurada pela Constituição. Frisou que os Tribunais de Contas têm a obrigação de fornecer os recursos burocráticos necessários para a atuação adequada do MP.
Manifestação do Estado do Pará
A procuradora Viviane Rufel, representando o Estado do Pará, defendeu a legalidade das leis estaduais e municipais que garantem autonomia administrativa e financeira ao Ministério Público de Contas no Estado, vigorando desde 1992 e 2013, respectivamente.
Segundo ela, as Cortes de contas e o Ministério Público de Contas no Pará já operam sob esse modelo há 70 anos, sem nunca ter conhecido outra realidade.
Rufel argumentou que a CF permite margem de atuação dentro da competência política e legislativa dos Estados no que se refere à autonomia administrativa e financeira dessas instituições.
Amici curiae
Representando os amici curiae Ministério Público de Contas do Estado do Pará e Ministério Público de Contas dos Municípios do Pará, o advogado Orlando Magalhães Maia Neto, do escritório Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia, destacou, em sua manifestação, que o STF, na ADIn 789, já havia analisado a lei orgânica do TCU. Na ocasião, o ministro Celso de Mello afirmou que a independência funcional não implica necessariamente autonomia institucional.
O causídico argumentou que a CF não proíbe a autonomia institucional em nenhum de seus artigos. Ele defendeu que não há incompatibilidade entre autonomia institucional e funcional, afirmando que a autonomia institucional pode, de fato, fortalecer a autonomia funcional.
Questionou, ainda, qual seria o preceito fundamental violado pela autonomia de um TCE, especialmente quando se trata de um modelo que tem sido bem-sucedido no Pará por décadas.
O advogado ressaltou que a questão está inserida no âmbito do federalismo e da competência estadual, sem qualquer vedação constitucional. Em relação ao art. 75 e ao princípio da simetria, enfatizou que a extensão das normas do TCU aos tribunais de contas estaduais se limita ao campo de simetria das disposições previstas naquela seção da CF, que não trata especificamente dos Ministérios Públicos de Contas.
Destacou o crescente reconhecimento, na jurisprudência do STF, de espaços significativos de autonomia estadual, permitindo uma margem de conformação institucional. Ainda apontou que os Estados muitas vezes funcionam como laboratórios de experiências institucionais, que, em muitos casos, são bem-sucedidas.
Tese fixada
Seguindo voto do relator, ministro Luís Roberto Barroso, o plenário julgou parcialmente procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade das expressões "independência financeira e administrativa, dispondo de " dotação orçamentária global própria" do art. 2º da LC 9/92 e "a independência financeira e administrativa, dispondo de dotação orçamentária global própria" do art. 2º da LC 86/13, ambas do Estado do Pará.
Ainda, julgou improcedente o pedido quanto à expressão "independência funcional", contida no art. 2º da LC 86/13.
Foi proposta a fixação da seguinte tese de julgamento: "é inconstitucional, por violação aos arts. 130 e 75 da CF/88, norma estadual que confere autonomia administrativa e orçamentária ao Ministério Público Estadual junto ao Tribunal de Contas, garantida a independência funcional de seus membros e os meios necessários para o desempenho da função".
O plenário, ainda, fixou a modulação dos efeitos em 2026.
- Processo: ADIn 5.254