Nesta quinta-feira, 23, o STF começou a analisar ação que questiona ratificação da Convenção de Haia sobre sequestro internacional de crianças e a aplicação de seus dispositivos.
O partido DEM argumenta que autoridades brasileiras ignoram peculiaridades dos casos de sequestro e determinam, de forma automática, o retorno da criança ao país de origem, indo na contramão da dignidade da pessoa humana e do princípio do melhor interesse da criança.
O caso tem como relator, ministro Luís Roberto Barroso. Nesta tarde, a AGU realizou sustentação oral e se manifestaram amici curiae e PGR. Após, o julgamento foi suspenso sem data prevista para retorno.
Sustentação oral
O Advogado-Geral da União, Boni de Morais Soares, defendeu a Convenção de Haia, destacando que, antes de sua implementação, era extremamente difícil recuperar crianças retiradas ilegalmente do território brasileiro. Com a convenção, permitiu-se uma cooperação entre Estados, estabelecendo um procedimento rápido e uniformizando os parâmetros jurídicos aplicáveis. Caso contrário, seria necessário recorrer a um processo judicial no exterior, que é demorado, caro e incerto.
Soares mencionou que, em 2021, foram registrados mais de 2.000 pedidos de aplicação da convenção. No Brasil, atualmente, tramitam 207 pedidos que buscam a devolução de crianças tanto para o Brasil quanto para o exterior.
Ele ressaltou que, no procedimento, são utilizadas técnicas de mediação e soluções administrativas antes que o caso chegue ao Judiciário. Apenas quando não há acordo é que a AGU analisa o caso. Ao final, Soares afirmou que pelo menos três órgãos trabalham juntos pelo melhor interesse da criança.
Além disso, ele destacou que questões sensíveis, como violência doméstica, estão previstas na própria convenção, garantindo uma exceção ao retorno do menor em casos de risco grave. Soares também enfatizou que se trata de um auxílio direto, com decisões nacionais legitimadas pelo próprio Brasil, sem necessidade de homologação de decisões externas pelo tribunal.
Amici Curiae
Pedro Hartung, representante do Instituto Alana, destacou a importância do art. 227 da CF, que garante o melhor interesse das crianças. Ele sugeriu que a Corte interprete a convenção conforme a CF, assegurando que o retorno imediato da criança siga a doutrina da proteção integral e os direitos fundamentais previstos no dispositivo.
Hartung alertou para a necessidade de um método constitucionalmente adequado para aferir o melhor interesse da criança, proporcionando maior racionalidade e menor subjetividade nas decisões. Ele também destacou a importância de garantir o acesso à justiça e o dever das famílias de assegurar os direitos das crianças.
A representante do Instituto Maria da Penha, Janaína Albuquerque Azevedo Gomes, destacou a importância de uma aplicação coerente da Convenção de Haia, especialmente sob a perspectiva de mães que fogem com seus filhos devido à violência doméstica e acabam sendo rotuladas como sequestradoras.
Janaína ressaltou que o termo "sequestro" é anacrônico e estigmatiza essas mulheres, que recorrem, muitas vezes, à fuga porque não conseguem provar a violência diante das autoridades estrangeiras.
Ela enfatizou que cumprir a convenção não deve significar a devolução da criança a qualquer custo. As exceções previstas na convenção devem ser observadas e interpretadas conforme a CF.
Representando a DPU, a defensora pública Daniela Correa Jacques Brauner destacou diversas medidas de salvaguarda que devem ser observadas na aplicação da Convenção de Haia. Ela pontuou a importância de considerar a definição de violência doméstica conforme a Lei Maria da Penha, que abrange violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Considerando tal valoração como crucial, porque nem todos os países têm a mesma conceituação de violência doméstica.
Daniela também salientou a necessidade de examinar se, no país de residência habitual, a subtração de crianças é considerada crime, garantindo que o genitor subtrator não seja preso no retorno. Além disso, é essencial verificar se existem regras que assegurem uma situação migratória segura para o subtrator da criança. Ela enfatizou que o retorno abrupto da criança não deve ser admitido, pois o genitor deve ter o direito de acompanhar a criança.
PGR
O Procurador-Geral da República, Paulo Gonet Branco, afirmou que a base da impugnação está no pressuposto de que o retorno da criança não é um fim em si e só deve ser determinado se for do melhor interesse da criança. Ele destacou que esse é o objetivo do próprio tratado, que visa garantir os direitos do menor e é relevante para a reversão de retenções ilícitas e afastamentos forçados de menores.
Branco explicou que os dispositivos da convenção não diminuem a proteção constitucional do menor. Ao contrário, a convenção determina que as partes se engajem em um regime de cooperação para localizar as crianças, avaliar a situação e, só então, restituí-las ao país de origem.
Destacou que o procedimento visa o bem-estar e o interesse da criança. Ademais, enfatizou que o termo "imediato" não significa a preterição do devido processo legal, já que os arts. da convenção não impedem o contraditório na medida do necessário.
O Procurador-Geral afirmou que a experiência brasileira com a Convenção de Haia tem sido proveitosa. Segundo ele, não há dispositivos na convenção que agridam a Constituição. O modo como a convenção é aplicada em cada caso deve ser avaliado com base na busca por uma atuação jurisdicional adequada, que não é impedida pela convenção.
Caso
O partido DEM - Democratas ajuizou a ADIn contestando dois decretos (decreto legislativo 79/99 e decreto presidencial 3.413/00) que ratificaram a Convenção de Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças.
A legenda argumenta que diversos artigos da Convenção (1º, alínea ‘a’; 3º; 7º, caput e alínea ‘f’; 11; 12; 13, b; 15; 16; 17; 18 e 21) conflitam com a CF, especialmente os arts. 1º, III; 2º; 5º, XXXV, XXXVI, LIV e LV; 37, caput; 105, I, i, e 227.
Segundo o partido, a Convenção carece de sistematicidade e tem sido interpretada de maneira equivocada no Brasil. O DEM afirma que, em vez de considerar as peculiaridades de cada caso, as autoridades brasileiras têm ordenado o retorno automático da criança ao país de origem, desconsiderando princípios constitucionais como a dignidade humana e a proteção integral da criança.
O partido cita um caso em que o TRF da 2ª região determinou a devolução de uma criança ao pai, ignorando indícios de alcoolismo. Outro exemplo é a atuação da AGU que, segundo o DEM, tem agido de forma ativista, buscando e apreendendo menores com base na Convenção, invadindo a esfera privada e violando o princípio da impessoalidade.
O DEM solicitou a suspensão liminar de diversos artigos da Convenção para assegurar a supremacia da CF e pediu a suspensão imediata das ações de busca e apreensão ajuizadas pela União com base nos arts. 7º, f, e 21 da Convenção.
- Processo: ADIn 4.245