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STF: Vida sexual de mulheres não pode ser invocada em casos de violência

Por unanimidade, ministros entenderam que vítima não pode ser desqualificada em atos judiciais com fundamento em sua vida pregressa.

23/5/2024

STF decidiu, nesta quinta-feira, 23, que é inconstitucional a desqualificação, durante a instrução e o julgamento de processos judiciais, de mulheres vítimas de qualquer tipo de violência. Por unanimidade, a Corte vedou a possibilidade de "menção, inquirição ou fundamentação sobre a vida sexual pregressa, ou ao modo de vida da vítima".

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STF definiu como inconstitucional inquirições sobre vida sexual pregressa de vítima em casos de crime contra a mulher.(Imagem: Gustavo Moreno/SCO/STF)

Voto da relatora

Ministra Cármen Lúcia, ao votar, destacou a importância de reconhecer as mulheres como seres livres, com autonomia sobre suas próprias vontades e desejos, sem sofrer prejuízos por isso. Ressaltou que, historicamente, as mulheres foram objetificadas e subordinadas aos interesses dos homens, mas a evolução legislativa tem promovido um tratamento mais igualitário.

S. Exa. fez uma análise da legislação brasileira ao longo do tempo e observou que existem desigualdades entre as mulheres, especialmente entre brancas e negras, exacerbadas por condições econômicas e sociais.

Cármen Lúcia ressaltou que, apesar dos avanços legais e constitucionais, o Estado e a sociedade ainda toleram discriminações na apuração e julgamento de crimes contra a dignidade sexual. 

A ministra apontou que mulheres presas sofrem com doenças transmitidas por aqueles que deveriam protegê-las e que a revitimização também ocorre com mulheres egressas do sistema penal. 

Ao final, votou pela procedência dos pedidos da PGR para:

  1. Conferir interpretação conforme à CF à expressão "elementos alheios aos fatos objeto de apuração" do art. 400-A do CPP, excluindo a possibilidade de invocação da experiência sexual pregressa da vítima ou seu modo de vida na audiência de instrução e julgamento de crimes contra a dignidade sexual, sob pena de nulidade do ato do julgamento, nos termos dos arts. 563 a 573 do CPP.
  2. Vetar o reconhecimento da nulidade quando a defesa utilizar a tese da legítima defesa da honra.
  3. Conferir interpretação conforme ao art. 59 do CP, vedando ao magistrado valorar a vida sexual pregressa da vítima ou seu modo de vida na fixação da pena em crimes sexuais.
  4. Assentar ser dever do julgador impedir a prática inconstitucional, sob pena de responsabilização administrativa, penal e civil.

S. Exa foi seguida por todos os pares. Ministro Cristiano Zanin sugeriu que acórdão seja enviado aos presidentes dos TJs e TRFs para que sejam implementadas as regras. Ademais, ministro Barroso, propôs a seguinte tese:

"É inconstitucional a prática de desqualificar a mulher vítima de violência durante a instrução e o julgamento de crimes contra a dignidade sexual e todos os crimes de violência contra a mulher, de modo que é vedada eventual menção, inquirição ou fundamentação sobre a vida sexual pregressa, ou ao modo de vida da vítima em audiências e decisões judiciais.

Violência em todos os âmbitos

Na sessão desta quinta-feira, 23, os ministros avaliaram que, apesar de o caso concreto restringir-se a crimes contra a dignidade sexual, a proteção às mulheres deveria se estender a todas as hipóteses criminais nas quais o sexo feminino seja vitimado. Isso, porque, em crimes sexuais, de violência doméstica, e até mesmo dentro da política, as violências de gênero são intensas. 

Durante os debates, ministro Flávio Dino fez um relato de sua experiência como ministro da Justiça. Afirmou que impressionava a quantidade de representações de parlamentares mulheres que sofrem todo tipo de agressão. Ressaltou que elas estão sendo afastadas da política por esse nível de agressividade.

Ministra Cármen Lúcia completou que a fraude à cota de gênero, por exemplo, analisada no TSE, é também uma forma de violência contra a mulher, afastando algumas para que os partidos escolham aquelas que sejam coerentes com os desejos dos líderes partidários. 

"[...] o desrespeito, a perversidade, contra nós mulheres, parta de onde partir, é, em geral, sexual, para desmoralizar, para incutir o medo, e neste ano de eleições, o ministro Alexandre e eu temos repetido no TSE, que há movimentos planejados, organizados, voltados para incutir o medo e a vergonha, que são os maiores instrumentos de fragilização do ser humano", alertou a ministra. 

S. Exa. ainda mencionou que muitas prefeitas dizem que não voltarão a se recandidatar em 2024 porque as filhas sofrem violências nas escolas. "Difícil demais aguentar a avalanche louca que é esse tipo de violência", concluiu. 

Veja o momento:

Caso

A PGR solicitou que o Supremo proibisse questionamentos a respeito da vida sexual e o passado das vítimas durante a apuração e julgamento de crimes contra a dignidade sexual.

O MPF argumentou que essa prática se baseia em uma "concepção odiosa" que tenta distinguir quais mulheres merecem proteção penal pela violência sofrida.

"A vítima de violência sexual, em vez de ser acolhida, passa a ser julgada por sua moral e modo de vida, o que serve à defesa para justificar a conduta do agressor, sem uma reprimenda adequada pelo Estado", afirmou o MPF.

A PGR concluiu que essas considerações são enviesadas e discriminatórias e devem ser invalidadas pelo Supremo. Portanto, solicita que a Corte impeça os órgãos judiciais de exercer pressão psicológica sobre as vítimas durante os processos criminais.

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