26% das mulheres advogadas são mães solo – ou seja, cuidam sozinhas de seus filhos. Foi isso o que mostrou o "PerfilADV - 1º Estudo sobre o Perfil Demográfico da Advocacia Brasileira". Entre os homens, o número é de apenas 8%.
Outro dado mostrado na pesquisa é que o número de pais ou mães solo é mais alto entre pessoas pretas: 22%, contra 14% entre os brancos.
Tarefa árdua, exaustiva e solitária
Juliana Aparecida Morais Dias é advogada trabalhista há 10 anos em Cajuru, interior de SP, com atuação em família e sucessões, e é um exemplo de superação, tendo enfrentado a maternidade solo logo no ingresso da advocacia.
Ao Migalhas, a advogada conta que teve seu filho, Gabriel, no último ano da faculdade de Direito, mas decidiu não trancar o curso. Se afastou por dois meses e, na época de provas, frequentava a faculdade enquanto o filho ficava no carro, com sua mãe. Ela também prosseguiu com o estágio dois meses após o nascimento do filho. Após a conclusão do curso, ela parou por um ano para cuidar do filho e, em seguida, realizou a prova da OAB, passando a advogar.
Entre as dificuldades de encarar a profissão sendo mãe e única cuidadora de seu filho, Juliana falou da exaustão, da solidão, e da culpa, por trabalhar muito; citou a dificuldade em tomar decisões sem ter com quem dividir a responsabilidade, e o esforço em se desdobrar para estar presente em todas as atividades do filho. Mesmo assim, a advogada afirma que o filho sempre foi sua motivação.
"Apesar de todas as dificuldades, sonhos abdicados, o Gabriel passou a ser o meu combustível, a minha motivação. Eu tinha que dar certo, não tinha outra alternativa. A maternidade solo é uma tarefa árdua, solitária e exaustiva. Sempre me culpei por trabalhar muito, mas não tinha outra alternativa: tinha um filho pra sustentar e educar. Muitas vezes, o lazer e o autocuidado foram deixados de lado. A falta de apoio nas decisões é um dos aspectos que mais pesavam, a ausência do pai nas apresentações da escola e jogos de futebol, já que eu tinha que me virar nos 30 para dar conta de uma rotina de escritório de advocacia e fazer meu papel por dois. É uma rotina cansativa, porém me sinto realizada, pois tudo o que passei me tornou uma pessoa mais forte e resiliente, valeu a pena cada segundo.”
Mães solo no Brasil
Os números relacionados à advocacia são um reflexo da realidade brasileira, que mostra que é crescente o número de mulheres no país que são mães solo.
Um outro estudo, realizado por Janaína Feijó e publicado em maio do ano passado, mostra que o número de mães solo no Brasil aumentou 17,8% na última década, passando de 9,6 milhões em 2012 para 11,3 milhões em 2022.
O estudo também indica que mães solo têm mais dificuldade de entrar no mercado de trabalho.
O "solo" não se refere apenas à ausência de cônjuge, mas ao fato de todas as responsabilidades recaírem unicamente sobre a mãe. Ainda de acordo com a pesquisa, a maior parte dessas mães, pouco mais de 70%, vivem apenas com seus filhos, são mulheres negras, número de quase 7 milhões, e estão no Norte e Nordeste do país.
Janaína Feijó resumiu as dificuldades enfrentadas por essas mães: “essa mãe praticamente não tem com quem contar, ela não tem uma rede de apoio e ela não conta também com o conjugue, que faz com que a sobrecarga da maternidade recaia muito mais forte sobre a mãe nestas condições".
Em busca de direitos
Tramita no Congresso o PL 3.717/21, que visa a instituir os direitos da mãe solo. O texto assegura, por 20 anos, uma série de benefícios àquelas que cuidam da casa e dos filhos sozinhas. Já aprovado no Senado em 2022, o texto aguarda análise da Câmara dos Deputados.
De autoria do senador Eduardo Braga, o texto prevê que a mãe solo com renda familiar per capita de até meio salário-mínimo receberá em dobro benefícios assistenciais destinados a famílias com crianças e adolescentes.
Outro dispositivo busca dar prioridade aos filhos de mãe solo na distribuição de vagas nas escolas públicas de educação infantil (creche e pré-escola), prioridade que pode ser com relação ao conjunto de vagas, ou sobre vagas mais próximas da residência.
Com relação ao mercado de trabalho, o projeto de lei diz que as grandes empresas terão de prever cotas, preenchendo um percentual mínimo de cargos com mães solo.
Facilita, também, acesso a crédito às mães solteiras e o atendimento prioritário em programas habitacionais.