O plenário do STF formou maioria para ampliar o alcance do chamado "foro privilegiado" de autoridades.
O voto do ministro Luís Roberto Barroso foi o sexto do colegiado neste sentido, acompanhando o relator, Gilmar Mendes. Para eles, em casos de crimes cometidos no cargo e em razão dele, o foro especial deve ser mantido mesmo depois da saída da função.
Após o voto, o ministro André Mendonça pediu vista e interrompeu o julgamento.
Com placar de 6 a 0, prevalece o voto do ministro Gilmar Mendes, relator do caso. Para o ministro, o foro privilegiado de um político fica mantido se o crime tiver sido cometido durante o exercício da função de parlamentar. Essa é a regra válida atualmente. Contudo, no caso de renúncia, não reeleição ou cassação, o processo seria mantido no STF.
Além de Mendes e Barroso, já votaram no mesmo sentido os ministros Dias Toffoli, Flávio Dino, Cristiano Zanin e Alexandre de Moraes.
Caso
A Corte julga um habeas corpus do senador Zequinha Marinho. O parlamentar se tornou réu por suposta prática de "rachadinha", e é suspeito de exigir 5% do salário de funcionários de seu gabinete, em 2013, quando ele era deputado Federal.
A defesa alega que o STF é competente para julgar o caso pois o réu exerceu, seguidamente, os mandatos de deputado Federal, de vice-governador do Pará e de senador da República.
O inquérito foi aberto em 2013, inicialmente sob supervisão do STF, mas foi remetido ao TRF da 1ª região, em 2015, após renúncia do parlamentar.
Desde então, a denúncia foi oferecida e a ação penal tramitou por quase quatro anos no TRF da 1ª região, por três anos na seção Judiciária do Pará e por mais dois anos na Seção Judiciária do DF.
Transcorrida mais de uma década, a instrução processual não foi concluída.
Entendimento atual
Desde 2018 o STF entende que há foro privilegiado - com análise pelo STF - nos crimes cometidos por parlamentares no mandato e em função do cargo, segundo a regra da contemporaneidade (AP 937).
Se o mandato for encerrado por renúncia, cassação ou não reeleição, a apuração é enviada para 1ª instância (regra da atualidade).
Assim, a única possibilidade para perpetuação da competência da Corte é após o fim da instrução do processo, com a publicação do despacho para apresentação de alegações finais.
Voto do relator
Ao proferir seu voto, ministro Gilmar Mendes, relator do caso, destacou que, em caso de crimes funcionais, o foro deve ser mantido mesmo após a saída do cargo. Nesse sentido, o investigado apenas perderia o foro se os crimes forem praticados antes de assumir o cargo ou se não possuíssem relação com o exercício da função.
Gilmar pontuou que o atual entendimento do STF reduz, indevidamente, o alcance da prerrogativa de foro, e é contraproducente por causar flutuações de competência na causas criminais, trazendo instabilidade ao sistema de Justiça. "O parlamentar pode, por exemplo, renunciar antes da fase de alegações finais, para forçar a remessa dos autos a um juiz que, aos seus olhos, é mais simpático aos interesses da defesa."
Ao final, votou por conceder o HC e reconhecer a competência do STF para processar e julgar a ação penal, propondo a seguinte tese:
"A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício."
O decano também propôs a aplicação imediata da nova interpretação aos processos em curso, com a ressalva de todos os atos praticados pelo Supremo e pelos demais juízos nos moldes da jurisprudência anterior.
- Veja o voto de Gilmar Mendes.
Outros votos
Ministro Cristiano Zanin, acompanhando o relator na íntegra, entendeu que a proposta do ministro Gilmar Mendes contribui, a um só tempo, para a uniformidedade, eficiência e segurança jurídica aos provimentos jurisdicionais, "evitando oscilações incessantes de competência e declínios indefinidos de processos, circunstâncias aptas a ocasionar procrastinações e ocorrências prescricionais".
Ministro Alexandre de Moraes, em antecipação de voto, também seguiu na íntegra o entendimento do relator. Para S. Exa., a aplicação da regra da contemporaneidade em relação às infrações penais praticadas no exercício da função atende ao princípio da razoabilidade, pois observadas a proporcionalidade, a Justiça e a adequação na interpretação do art. 102, I, "b" e "c" da CF, em absolto respeito ao princípio do juiz natural, possibilitando a atuação legítima do STF.
Ministro Flávio Dino, em voto sucinto, seguiu entendimento do relator e propôs um item a mais na tese formulada. O texto ficaria assim:
"I - A prerrogativa de foro para julgamento de crimes praticados no cargo e em razão das funções subsiste mesmo após o afastamento do cargo, ainda que o inquérito ou a ação penal sejam iniciados depois de cessado seu exercício;
II - Em qualquer hipótese de foro por prerrogativa de função, não haverá alteração de competência com a investidura em outro cargo público, ou a sua perda, prevalecendo o foro cabível no momento da instauração da investigação pelo Tribunal competente."
Ao apresentar seu voto-vista, ministro Luís Roberto Barroso também acompanhou integralmente o relator, tanto na concessão da ordem quanto na tese.
- Processo: HC 232.627