Destaque na história do Judiciário brasileiro não apenas por ser uma jurista de renome, mas também por ser pioneira e símbolo de progresso na representação feminina, Ellen Gracie foi nomeada para vaga de ministra do STF em 2000, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, tornando-se a primeira mulher a integrar a mais alta Corte do país.
Atualmente aposentada do Supremo e atuando como advogada, Ellen Gracie conversou com a equipe da TV Migalhas durante a posse da nova diretoria do Cesa - Centro de Estudos das Sociedades de Advogados. Entre os temas abordados, destaca-se a participação das mulheres em altos cargos no Judiciário, a reformulação da grade curricular do curso de Direito e a crescente prática da advocacia predatória no país.
Veja a entrevista:
Currículo do Direito
Segundo a ministra aposentada, para a melhoria da eficiência e equidade do sistema jurídico em sua totalidade, é necessário investir em reformas nos cursos de Direito no Brasil. Para ela, o grande número de faculdades de Direito não tem trazido vantagens propriamente à advocacia.
“Nós temos tido inúmeros casos de faculdades que oferecem ensino de qualidade muito inferior. É preciso que haja uma atenção maior dos responsáveis pelo nosso ensino superior para que os currículos das faculdades de Direito sejam atualizados."
Para Ellen Gracie, diante da crescente judicialização dos problemas da sociedade, é necessário reformular os currículos dando um enfoque mais amplo na resolução de conflitos.
“[A Justiça] já alcançou números insustentáveis. Nós temos a maior relação no planeta entre habitantes e número de causas em juízo. [...] Não é possível que nós continuemos dessa forma.”
Litigância predatória
Além das dificuldades da judicialização no país, Ellen Gracie também destaca o crescente número de casos envolvendo litigância predatória. Segundo a corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo estima-se que essa prática gerou, em média, 337 mil novos processos por ano no período de 2016 a 2021, somente em São Paulo, o que levaria a um déficit anual de aproximadamente R$ 2,7 bilhões. No período estudado, o impacto seria, portanto, superior a R$ 16 bilhões.
"É uma preocupação grande já mencionada no STF [...]. [A prática] causa prejuízos enormes, não traz benefício àqueles inúmeros autores dessas questões de massa e [...] desmerece a profissão da advocacia."
Na tentativa de superar este desafio, Ellen Gracie ressalta a importância da colaboração ativa tanto do poder Judiciário quanto dos representantes da advocacia para se debater em centro de pensamentos o caminho a se trilhar.
“Nenhuma solução será completa apenas com um dos lados desta equação. Sem os magistrados, sem a sua cooperação, não será possível abordar os problemas. E, por outro lado, sem a participação ativa da advocacia, através dos seus órgãos representativos, como a Ordem dos Advogados, também [não terá] soluções adequadas.”
Desafio de gênero
Outra dificuldade enfrentada pelo Judiciário, segundo Ellen Gracie, está na barreira de gênero. A ministra ressalta a importância da política de alternância de gênero criada pelo CNJ para o preenchimento de vagas para a 2ª instância do Judiciário.
“Isso vai, ao longo do tempo, oportunizar que as mulheres também participem dos escalões superiores das Cortes de Justiça.”
Segundo a ministra aposentada, essa determinação vem na tentativa de sanar o baixo número de mulheres em cargos de alto escalão.
"É o reconhecimento de que as mulheres magistradas que são muito bem-sucedidas nos concursos e que ingressam em grande número na 1ª instância, por vezes não conseguem ter uma rede de relações tão favorável que lhes permita o acesso ao 2º grau e aos tribunais superiores. De modo que essa é uma fórmula encontrada para a solução."