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Juíza nega gratuidade a casal com advogado e 19 contas em banco; TJ/SP reverte

Juíza de primeira instância havia negado o benefício por entender que a contratação de um advogado particular e a falta de provas concretas de insuficiência de recursos desqualificavam os agravantes.

28/3/2024

A 7ª câmara de Direito Privado do TJ/SP reverteu decisão e garantiu a um casal o direito à gratuidade de justiça. Os dois haviam recorrido contra a negativa inicial em ação de usucapião contra uma construtora.

O colegiado destacou falhas na avaliação da condição financeira do casal pela juíza de primeira instância, que havia negado o benefício da gratuidade por entender que a contratação de um advogado particular e a falta de provas concretas de insuficiência de recursos desqualificavam os agravantes.

Contudo, o desembargador Fernando Reverendo Vidal Akaoui, relator do caso, assinalou que os documentos apresentados já demonstravam a condição limitada dos solicitantes, que são isentos de Imposto de Renda e cujos rendimentos, no caso da mulher, não ultrapassam um salário-mínimo mensal.

Um outro ponto destacado no acórdão foi a suposta existência de 19 contas bancárias em nome dos agravantes, informação obtida por meio de uma consulta ao sistema Sisbajud. O colegiado criticou o uso informal desse sistema para investigar as condições financeiras dos agravantes e ressaltou que a simples posse de várias contas bancárias não indica necessariamente uma situação financeira confortável, especialmente no contexto digital atual, onde é comum a abertura de contas online sem significar capacidade financeira substancial.

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O caso

Na ação original de usucapião, o casal — um carpinteiro e uma auxiliar de limpeza de supermercado vivendo em união estável — apresentou documentos como holerite, extratos bancários e declaração de isenção de IR, buscando a gratuidade judicial. A solicitação inicial foi negada pela juíza de Direito Patrícia Martins Conceição, da 2ª vara de Registros Públicos de SP, com a justificativa de que os documentos apresentados eram insuficientes para comprovar a situação econômica do casal.

Foi destacado que, apesar da solicitação para a apresentação de documentos adicionais como cópias da carteira de trabalho e declarações de IR, o casal não atendeu completamente a essas exigências.

Adicionalmente, a juíza mencionou que, somados, os requerentes possuem 19 contas bancárias, informação obtida através de pesquisa realizada por ela junto ao sistema Sisbajud.

“Além disso, é absolutamente inverossímil que (...) viva com R$ 100,00 mensais, mas tenha recursos para contratação de advogado. (...), por outro lado, tem vínculo empregatício, mas optou, sem qualquer justificativa, por não juntar holerites, CTPS e outros documentos exigidos.”

Casal provou ser hipossuficiente.(Imagem: Freepik)

Documentação suficiente

Na análise do recurso, o relator apontou que a documentação inicial era suficiente para a concessão do benefício, indicando que ambos os requerentes são isentos de Imposto de Renda e que a renda da mulher é limitada ao salário-mínimo.

“Em vez de ser apreciada a documentação da petição inicial, foi proferida decisão ordenando a exibição de novos documentos como prova da isenção de imposto de renda, certificado de propriedade de veículos em seu nome ou certidão negativa, dentre outros. Fato é que, absurda a situação do nascedouro, os agravantes tornaram a demonstrar a situação antes indicada.”

Ainda, o desembargador destacou que “é desnecessário dizer que o cidadão sem renda não tem acesso a veículos ou estrutura básica que, facilmente, permita-lhe aquisição de bens”.

“Afora isso, a decisão agravada, também de forma excessiva, recrimina os agravantes por supostamente omitirem a existência de 19 contas bancárias, informação que se extraiu de alegada consulta ao Sisbajud. O relacionamento com vários bancos, por si só, nada muda. Aliás, o juízo a quo deixou de encartar nos autos a pesquisa que realizou; e de toda sorte é questionável a utilização ‘informal’ do Sisbajud para esse tipo de diligência, que se justifica mediante taxa e para propósitos outros que não a investigação em fase incipiente do processo, para questão igual incipiente.”

Segundo o relator, o número de instituições financeiras pode significar busca por crédito, ou a existência de contas sem nenhuma movimentação; ou até mesmo crediários no varejo, pois a maioria dessas empresas necessita girar sob a forma de instituição financeira.

“Em tempos digitais, ademais, as pessoas abrem tantas contas quantas forem possíveis, virtualmente, no mais das vezes obtendo limites ínfimos, ou sequer os obtendo. Muitos possuem uma ‘conta’ aberta e às vezes nem sabem. O fato é que, capacidade financeira de verdade, demonstrou-se não ter, nem de longe. Assim, as razões trazidas pelo juízo a quo subvertem a lógica do processo porque o contexto é condizente com a presunção legal, e neste caso não se pode exigir prova de insuficiência ainda maior do que a já demonstrada.”

E, por fim, mencionou que o art. 99, § 4º, do CPC, crava de forma expressa que "a assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça".

“Assim, as razões trazidas pelo juízo a quo subvertem a lógica do processo porque o contexto é condizente com a presunção legal, e neste caso não se pode exigir prova de insuficiência ainda maior do que a já demonstrada.”

O colegiado deu provimento ao recurso e concedeu a gratuidade ao casal.

O escritório Guimarães Santucci Advogados defende os autores.

Veja o acórdão.

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