Migalhas Quentes

CNJ adia julgamento contra Gabriela Hardt por "Fundo Lava Jato"

Após votos divergentes em questão de ordem, pediu vista o conselheiro Guilherme Caputo Bastos.

21/2/2024

CNJ começou a analisar, nesta terça-feira, 20, questão de ordem em reclamação disciplinar contra a juíza Gabriela Hardt, substituta de Sergio Moro na vara Federal de Curitiba.

A reclamação questiona se a juíza atuou fora de sua competência e exarou decisão inconstitucional ao homologar acordo de assunção de compromissos que criaria o chamado "Fundo Lava Jato", documento assinado pelo MPF em Curitiba, Petrobras e autoridades dos EUA. O julgamento foi suspenso por pedido de vista do conselheiro Caputo Bastos.

CNJ adia análise de reclamação contra Gabriela Hardt por homologação do "Fundo Lava Jato".(Imagem: Rodolfo Buhrer /La Imagem/Fotoarena/Folhapress)

A análise havia sido iniciada em plenário virtual, foi apresentada questão de ordem, e o feito foi destacado para o plenário físico.

Na sessão de ontem, votou o corregedor Nacional, ministro Luis Felipe Salomão; divergiu o presidente, ministro Luís Roberto Barroso; e pediu vista o conselheiro Guilherme Caputo Bastos.

Assista ao julgamento:

Voto do corregedor

A reclamação contra Hardt foi arquivada em 2019 pelo ministro Humberto Martins, e havia maioria no CNJ para manter a decisão.

Mas o corregedor Nacional, ministro Luis Felipe Salomão, levantou questão de ordem para que o caso não seja arquivado até que sejam divulgados os resultados da correição extraordinária feita na 13ª vara de Curitiba - na qual um relatório parcial revelou "gestão caótica".

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O ministro destacou a relevância do caso, visto que envolve a destinação de dinheiro público. Ao iniciar seu voto, indicou tratar-se de caso muito grave. "Até então eu não havia me deparado com uma situação igual."

"Estamos falando aqui de possível desvio de recursos de R$ 700 milhões de dólares. R$ 3,5 bi. (...) "Não é um processo simples, é um processo grave. Não estamos falando de mera homologação judicial. Estamos falando de homologação em que o juízo do STF diz que ela é inconstitucional, ilegal, e são fatos graves."

Segundo o ministro, há elementos novos sobre a homologação do acordo que criou o “Fundo Lava Jato. Sendo assim, a reclamação disciplinar deve ser apensada a outro caso envolvendo a juíza, para que o caso seja analisado conjuntamente.

Dias antes de homologar o acordo, a juíza teria sido procurada por integrantes da força-tarefa da Lava Jato no Paraná para tratar informalmente da questão. A juíza também afirmou que teria recebido, via WhatsApp, esboço do documento, e discutido a questão com os procuradores fora dos autos. 

“Não parece razoável que, a pretexto de se combater a corrupção, se pratique a corrupção. Não parece razoável que, sem apuração adequada, possamos aqui dizer com tranquilidade: 'olha, isso aqui está sendo arquivado porque não tem nada'. Eu não dormiria tranquilo."

O corregedor citou que o STF já se debruçou sobre a questão, ao julgar a ADPF 568, em que proibiu que o MP defina a destinação de valores de condenações e acordos. E observou que, quando os conselheiros votaram pelo arquivamento, ainda não existia a decisão desta ação na Suprema Corte.

Assim, propôs o apensamento da reclamação a outra, já em andamento.

Divergência

O presidente do CNJ, ministro Luís Roberto Barroso, divergiu do corregedor. Para ele, o pedido levaria à anulação de oito votos já proferidos no sentido de arquivar o caso, sendo que alguns dos conselheiros não compõem mais o colegiado.

O ministro observou que há erros cometidos na Lava Jato que geram "justo ressentimento" por parte dos parlamentares que propuseram a reclamação. Mas destacou que, em 2019, quando a reclamação foi proposta, a operação ainda desfrutava de prestígio na sociedade brasileira. 

Ele destacou que o único fato contra a juíza no presente processo é o de que, sendo da vara criminal, ela teria homologado acordo de natureza cível. No TRF-4, considerou-se que ela homologou acordo trazido pelo MPF, e que, portanto, esse era um ato jurisdicional - o que estaria fora da competência do Conselho para julgamento. 

"O dia em que esse Conselho passar a punir juiz por ato jurisdicional nós vamos criar uma magistratura intimidada, amedontrada, sem coragem de enfrentar a corrupção e o poder, inclusive o político."

O ato foi arquivado pelo então corregedor, ministro Humberto Martins, justamente por se tratar de ato jurisdicional, explicou Barroso. Em seguida, o ministro presidente citou tramitação "incomum" do caso no CNJ. 

Em 22/10/21, após assumir a corregedoria, a ministra Maria Thereza de Assis Moura levou o caso ao plenário virtual e votou pela manutenção do arquivamento. Ela foi acompanhada por 7 outros conselheiros. Após o 8ª voto, conselheiro Luís Fernando Bandeira pediu vista, e devolveu os atos no prazo regimental. 

Em 20/12/21, conselheiro que já não integra mais o CNJ pediu destaque. Dois meses depois, pediu vista. "Sem conseguir preparar o voto em dois meses, pediu vista. Não é comum.

Em 25/3/22, o mesmo conselheiro pediu prorrogação da vista. Em 13/5/22, pediu destaque. 

Em 21/9/23, um ano e meio depois, o conselheiro deixou o CNJ sem apresentar voto. 

"Esse processo ficou paralisado quando já estava 8 votos a 0. Uma evidente manipulação do conselho da jurisdição, para impedir a conclusão do julgamento. Estou narrando fatos, não vou adjetivar. Mas, claramente, algo incomum aconteceu aqui."

Barroso ainda afirmou que, pelo regimento interno, vigente quando do pedido de destaque, os votos já proferidos são válidos, mesmo que os conselheiros tenham se retirado do colegiado. "De modo que a única forma de se considerar inválidos esses votos é anular o julgamento."

Ele, em seguida, analisou as alegações para a anulação, que seriam dois fatos supervenientes: o julgamento da ADPF pelo STF, e a correição na 13ª vara de Curitiba. "Um sequer é novo, e o outro não se enquadra." O ministro destacou que a monocrática de Moraes na ADPF é de 2019, enquanto o julgamento no CNJ, que teve 8 votos, ocorreu dois anos depois. Quanto à correição na vara, afirmou ainda não foi concluída. "Pede-se a anulação de um julgamento por fatos que ninguém sabe quais são."

"A represália desse Conselho a uma decisão jurisidcional porque os ventos mudaram é um fator que vai contaminar negativamente toda a magistratura. Porque o juiz vai ficar com medo de, se mudar o governo, ou se mudar a onda, ele pode ser responsabilizado pela convicção que tinha naquele momento. (...)Não me parece precedente bom anular o julgamento porque alguém não gosta do resultado."

Para o ministro, se a correição extraordinária vier a apurar fatos novos, deve ser aberto novo procedimento para apuração e eventuais sanções.

Pedido de vista

Diante da divergência, o conselheiro Guilherme Caputo Bastos entendeu por bem pedir vista, para melhor análise. A análise foi, portanto, suspensa temporariamente.

Fundo Lava Jato – Entenda o imbróglio

Para entender melhor do que se trata a discussão no Conselho, vamos a uma linha do tempo.

Migalhas, sempre antecessor da notícia, já nos idos de agosto de 2018, questionava: para onde vai o dinheiro da Lava Jato? Não foi pouca a bufunfa arrecadada com a operação – entre acordos e indenizações, tratava-se de bilhões.

Em setembro de 2018, a Petrobras e autoridades dos EUA fecharam um acordo relacionado à perda de acionistas por causa dos ilícitos investigados na Lava Jato.

No referido acordo, que na época ainda não tinha sido publicado, constava que a destinação de 80% do dinheiro - algo em torno de R$ 2, 5 bi -, oriundo da resolução entre as partes, iria para as autoridades brasileiras e deveriam ser aplicados em "programas sociais e educacionais visando à promoção da transparência, cidadania e conformidade no setor público".

Posteriormente, a Petrobras e o MPF de Curitiba, por meio de outro acordo, definiram que metade do valor depositado pela Petrobras (R$ 1.2 bi) iria para um fundo que teria por objetivo a promoção da cidadania; formação de lideranças; aperfeiçoamento das práticas políticas; e conscientização da população brasileira.

Ato contínuo, o controverso acordo foi homologado pela juíza Gabriela Hardt.

À época, Migalhas revelou uma série de questionamentos que colocariam a Petrobras e o MPF em suspeição. 

Para que fique claro, o acordo daria à força-tarefa da Lava Jato um “poder supremo”, com a criação da Fundação Lava Jato, conforme explicamos aqui:

Trocando em miúdos: seria destinado mais de um bilhão a uma conta da vara de Curitiba; depois de dois anos, os rendimentos iriam para uma fundação privada que seria criada pelos procuradores de Curitiba. E, depois de cinco anos, eventual saldo restante será destinado para a fundação do MPF – tornando-se este, portanto, interessado no processo dos acionistas.

Ou seja, evidentemente o acordo colocaria o parquet em suspeição.

Em seguida, a deputada Federal Gleisi Hoffmann apresentou reclamação contra Hardt questionando a homologação, afirmando que a juíza cometeu infração disciplinar, visto que atuou fora de sua competência ao homologar um acordo cível.

Diante dos questionamentos, a força-tarefa da Lava Jato voltou atrás sobre a criação da fundação e anunciou que, “diante do debate social existente sobre o destino dos recursos”, estava em busca de soluções.

Mas isto não suspendeu o problema: o dinheiro continuou em uma conta judicial vinculada à 13ª vara de Curitiba.

A tentativa de criar o fundo foi finalmente baldada pelo STF em 15 de março de 2019. Ministro Alexandre de Moraes determinou o bloqueio de valores determinado na conta da 13ª vara Federal de Curitiba.

Em setembro de 2019, Alexandre de Moraes destinou o fundo da Lava Jato para Educação e Amazônia. 

Em março de 2020, o ministro realocou R$ 1,6 bilhão do fundo para combate ao coronavírus.

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