No cenário jurídico internacional, um acontecimento de grande relevância marca o início deste novo ano. O icônico personagem da cultura popular, Mickey Mouse, da Disney, protagonista de "Steamboat Willie", chegou ao término de sua proteção autoral.
É imperativo compreender que o domínio público se aplica estritamente à obra específica cujos direitos autorais expiraram, neste caso, "Steamboat Willie". A animação em si, seus enredos e personagens específicos, como o Mickey Mouse da época, agora podem ser utilizados sem a necessidade de autorização da detentora original dos direitos autorais.
No entanto, a evolução do personagem ao longo dos anos introduziu novos elementos, características e traços distintivos, muitos dos quais foram incorporados pela Walt Disney em suas criações subsequentes. Aspectos notáveis, como a luva característica, ainda estão protegidos por direitos autorais ou marcas registradas, mesmo que a versão inicial do Mickey em "Steamboat Willie" esteja agora em domínio público.
O fim da proteção autoral de "Steamboat Willie", com a entrada do Mickey Mouse no domínio público, não apenas abre portas para oportunidades criativas, mas também levanta uma série de questões jurídicas que podem resultar em disputas judiciais.
Sobre o tema, falamos com especialistas para explicarem algumas das possíveis controvérsias que poderão chegar à Justiça.
Direitos autorais nos EUA
A lei de direitos autorais dos Estados Unidos, à época da publicação de "Steamboat Willie", estipulava um prazo inicial de proteção de 28 anos, passível de renovação por mais 28 anos, totalizando 56 anos de proteção. Contudo, uma reforma legislativa posterior estendeu esse período para 75 anos e, posteriormente, para 95 anos a partir da publicação original da obra. Parte superior do formulário
O advogado Roberto Siqueira, especialista em marcas e patentes da Nelson Wilians Advogados, explicou que o personagem Mickey Mouse de Steamboat Willie já deveria ser domínio público há anos, entretanto, teve seu prazo de expiração dos direitos autorais estendido por diversas vezes, devido às várias alterações na legislação.
"Inicialmente, a legislação previa um prazo de 28 anos, contados da data de publicação do desenho, sendo possível renovar pelo mesmo período, totalizando 58 anos de proteção. Levando em consideração que o Mickey Mouse de Steamboat Willie teve sua primeira aparição oficial em 1928, o personagem estaria protegido até o ano de 1984."
Segundo Siqueira, durante esse tempo, a legislação passou por alterações, prolongando o prazo inicialmente previsto para 75 anos e, posteriormente, para 95 anos, ambos contados da data de sua publicação original. "Dessa forma, com a última alteração da lei, o Mickey Mouse de Steamboat Willie conseguiu ter sua exclusividade até o ano de 2024", explicou.
Mas... o que isso significa?
A advogada Luciana Minada, do Kasznar Leonardos | Propriedade Intelectual, explica que em linhas gerais, a entrada em domínio público significa que passa a ser permitida a cópia, reprodução, representações e diferentes formas de utilização do curta.
"Ou seja, a obra audiovisual que entra em domínio pode ser utilizada independentemente da necessidade de autorização de seu titular/detentor dos direitos e desde que respeitados os direitos morais dos autores, significando, portanto, que o titular deixou de ter o direito de exploração exclusiva daquela obra."
Luciana ressalta, no entanto, que a utilização não pode ser feita em violação a outros direitos existentes e que permanecem válidos, tais como (i) outros elementos ainda protegidos por direitos autorais, como versões mais atuais dos personagens; (ii) direito de marcas como marca registrada da Disney ou Mickey Mouse, que é registrado como marca e (iii) vedação à concorrência desleal e/ou parasitária, não sendo permitida a prática de atos que possam gerar confusão ou associação indevida com a Disney, como lançar um produto que leve o consumidor a acreditar que se trata de uma parceria oficial com a Disney.
No Brasil ainda é protegido
Em uma declaração à AFP, a Disney afirmou que "continuará protegendo seus direitos sobre as versões mais modernas do Mickey Mouse e de outras obras que ainda estão sujeitas a direitos autorais".
Para Roberto Siqueira, mesmo após o Mickey Mouse de Steamboat Willie cair em domínio público, a Disney ainda possui a proteção sobre todas versões e modificações realizadas no personagem após o ano de 1928, portanto, ainda continuam sendo protegidas por lei, garantindo à Disney o uso exclusivo delas.
O advogado destaca que, no Brasil, até mesmo a versão do Mickey Mouse de Steamboat Willie, ainda possui proteção de uso exclusivo, pois a legislação que regula os direitos autorais no país possui uma contagem de tempo diferente da legislação americana.
"A lei 9.610/98 prevê em seu art. 41 que o direito exclusivo sobre uma obra se encerra a partir do primeiro ano após 70 anos da morte do autor, contado sempre do dia 1º de janeiro. Levando-se em consideração que Walt Disney faleceu em 1966, a primeira versão do personagem só estará em domínio público no Brasil a partir do ano de 2036."
De acordo com o advogado, o Mickey possui diversas marcas registradas vinculadas ao personagem e, quando registrado como marca, a proteção é eterna, desde que renovada dentro do prazo legal. "Portanto, mesmo que Mickey Mouse de Steamboat Willie atualmente esteja em domínio público, é preciso atenção ao comercializar qualquer produto do personagem, para que o uso da imagem do Mickey não infrinja as normas dos direitos autorais", alerta.
Possíveis batalhas judiciais
Os advogados acreditam ser difícil prever quais batalhas judiciais podem ocorrer a partir do domínio público do personagem.
Segundo Luciana, é possível que a Disney se depare com terceiros utilizando as versões mais atuais e conhecidas do Mickey e da Minnie, as quais ainda estão protegidas por direitos autorais e também enquanto marca.
Quanto às formas de uso, a advogada acredita que a empresa poderá se deparar não apenas com filmes, mas com uma gama de produtos voltados ao público infantil e aos fãs do casal de roedores, além de materiais publicitários e vídeos nas mais diversas mídias.
Para Roberto, diversas batalhas judiciais poderão ocorrer a partir do momento em que qualquer outra versão do personagem venha a ser utilizada por terceiros. "A Disney poderá recorrer ao judiciário para retirar de circulação, bem como pleitear indenizações por danos morais e materiais", finalizou.