Em junho de 2023, um homem de 25 anos foi registrado por uma câmera de monitoramento agredindo a pauladas o cachorro de quatro anos chamado Tokinho, em Ponta Grossa/PR. Após o episódio, o cãozinho foi amparado pela ONG Grupo Fauna de Proteção aos Animais.
No local, além de receber assistência médica, o cão também foi amparado judicialmente pela equipe da ONG. Em setembro, o jurídico entrou com um pedido de indenização por dano moral contra o ex-tutor, citando "Tokinho" como autor. O pedido foi aceito pela juíza de Direito Poliana Maria Cremasco Fagundes Cunha Wojciechowski, da 3ª vara Cível de Ponta Grossa/PR.
A repercussão do caso se justifica pela ausência da CF em ver os animais com seres de direito. A violência contra animais passou a ser condenada no art. 225 da CF/1988. No entanto, na esfera cível, a presença de um animal como parte autora em uma demanda judicial suscita controvérsias.
Isso ocorre porque o CC ainda classifica os animais como "coisas móveis semoventes", conforme o art. 82, tratando-os como propriedade e desprovidos de direitos individuais, sendo contemplados apenas quando pleiteados por terceiros, ou seja, seus donos. Segundo o Código, os animais não possuem a capacidade, por exemplo, de processar indivíduos em busca de ressarcimento financeiro, como uma indenização.
Foi justamente da necessidade de tratarem os animais com personalidades jurídicas que surgiu a ideia de ajuizar a ação tendo Tokinho no polo ativo, explica Isabella Godoy Danesi, advogada animalista que participou da defesa do cão.
“Nós pensamos: como punir de alguma forma mais intensificada? Pagando uma indenização. Quando dói no bolso, o aprendizado é maior. Assim, a gente previne o crime para as pessoas entenderem que não compensa, [que] sai caro. Então, foi assim que surgiu essa ideia: vamos utilizar o caso do Tokinho para fazer história, para abrir precedentes.”
Judiciário em prol dos animais
Atualmente, apesar do Brasil registrar cerca de 185 mil animais abandonados ou resgatados após maus-tratos, conforme dados do IBP - Instituto Pet Brasil, Isabella destaca que o sistema judiciário ainda é lento ao lidar com esse tipo de processo, resultando em demora na punição dos agressores.
“Hoje, o Judiciário entende que os animais são membros da família. Existem decisões que o animal pode receber pensão alimentícia, pode participar de uma guarda compartilhada, ser objeto de visita, [...], ou seja, [deveriam ser considerados] sujeitos de direito. Entretanto, é algo que envolve cultura, turismo, economia, então é algo que demora.”
Prova dessa dificuldade, segundo Isabella, está no ANPP - Acordo de Não Persecução Penal firmado com o MP/PR no caso de Tokinho. A advogada explica que ao assumir a autoria das agressões contra o cão, o ex-tutor não enfrentará processo criminal, sendo apenas condenado a pagar uma multa de R$ 2 mil. O MP considerou a infração cometida como "sem violência ou grave ameaça", o que viabiliza a formalização do acordo.
Segundo a advogada, a equipe irá recorrer da decisão, uma vez que Tokinho teria sido agredido com um pedaço de pau e encontrado desmaiado.
“Nós queríamos um desfecho criminal, queríamos uma decisão judicial, que todo o processo fosse acompanhado, tivesse o rito, tivesse acusação, a defesa, tudo que é de um processo e que tivesse uma decisão de um juiz. Até para que nós pudéssemos criar precedentes, trazer debates, porque se o processo acaba onde acabou, não há debate, não há discussão, não há defesa, não há acusação.”
Apesar disso, Isabella enaltece a decisão de destinar a indenização de R$ 2 mil a ser paga pelo acusado para a ONG que cuidou de Tokinho.
“Isso é algo inédito, porque nunca os acordos de persecução penal, as prestações pecuniárias são revertidas. E agora, nós conseguimos com esse acordo, apesar de ter sido feito, que os valores fossem revertidos para a ONG. Então, isso já é uma pequena vitória.”
Segundo a advogada, o Brasil dispõe de leis bem definidas em defesa dos direitos dos animais, contudo, enfrenta carências na fiscalização da efetiva aplicação dessas normas.
"Lei nós temos, o legislativo é bem robusto. Nós lutamos para que a lei seja fiscalizada e respeitada. Então esse é o ponto. A constituição está lá, é a nossa maior lei. Respeitando e aplicando e fiscalizando o que prevê a constituição, nós não precisaríamos de outras leis. Eu vejo que há uma deficiência na fiscalização.”
A advogada também argumenta que a efetiva implementação da legislação em defesa dos animais depende da transformação da cultura arraigada na sociedade, que historicamente os enxergava como meros objetos e por sua utilidade.
“Gato era para caçar rato, [...] cachorro ficava lá no quintal para cuidar da casa. Eu vejo que para a legislação pegar, precisamos de uma mudança cultural. [...] Eu vejo que essa negligência com os animais, esse crime de maus tratos é reproduzido. Então, a criança aprende com a família que os animais não têm direitos e aí reproduz. [...] A mudança vem com os pequenos, com as crianças mudando esse pensamento."
Assista ao vídeo:
- Processo: 0032729-98.2023.8.16.0019