Migalhas Quentes

Juíza do Rio nega indenização a jovem preso injustamente por um ano

Ângelo Gustavo Pereira Nobre foi acusado de roubo depois de uma investigação feita pela vítima através de redes sociais.

4/12/2023

A juíza de Direito, Maria Paula Gouveia Galhardo, da 4ª vara de Fazenda Pública do Rio de Janeiro/RJ, rejeitou o pedido de indenização por danos morais e materiais de Ângelo Gustavo Pereira, produtor cultural que ficou preso por 363 dias por um crime que não cometeu. Ele foi absolvido da acusação e liberado da prisão em 2021, mas buscou compensação.

A defesa de Ângelo alegou que o jovem foi investigado e preso após ter sido "reconhecido" por uma vítima de assalto em uma foto no "Facebook" como suposto autor do delito. Após um único interrogatório de cinco minutos em audiência, o produtor foi condenado a mais de seis anos de reclusão, completando 365 dias preso até provar sua inocência.

Dessa forma, devido ao sofrimento e trauma vivenciados, Ângelo requereu uma indenização de R$ 500 mil diretamente à vítima e R$ 250 mil à mãe dele, além de danos materiais decorrentes da paralisação de um ano de trabalho e tratamento psicológico.

TJ/RJ nega indenização a produtor cultural e sua mãe por prisão ilegal.(Imagem: Reprodução/Redes sociais)

Ao avaliar o pedido, a juíza destacou a necessidade de comprovar a má conduta na condução do processo criminal, ressaltando que, na época da prisão, ainda eram consideradas prisões e condenações com base em retrato falado, diferentemente da orientação atual no Judiciário do Rio de Janeiro.

"É preciso verificar se houve qualquer má conduta na condução do processo criminal, já que este constitui legítima atuação do Estado de Direito, cujo contrato social depositou nas mãos do Estado a tarefa de inibir e reprimir crimes, atividade que envolve natural risco. É, portanto, necessária a verificação da inexistência de causas excludentes, especialmente a legalidade da prisão.”

Em seguida, a magistrada concordou com o MP de que a vítima do roubo "reconheceu firme e formalmente, de acordo com o procedimento legal, o primeiro autor [Ângelo], tanto assim, que condenado em duas instâncias”.

De acordo com a juíza, "apenas em 2020, passou a ser questionada a condenação baseada exclusivamente no reconhecimento da vítima, de tal modo que não se pode concluir pela ilegalidade do julgamento anterior à mudança de entendimento jurisprudencial."

Dessa forma, a magistrada concluiu que a prisão de Ângelo foi legal e negou a indenização. Em entrevista ao G1, o advogado de Ângelo disse que já recorreu.

“Reconhecimento por fotos de negros, quase todos pobres, acusados de crime, é rotina na polícia, prestigiada pelo Ministério Público, contando com a complacência do Judiciário em todos os níveis e instâncias. No dia em que houver punição do policial, do promotor e do juiz, desembargador e ministro, talvez tenhamos um outro horizonte para pôr fim ao descaso com a liberdade da população menos favorecida”, disse João Tancredo.

Entenda o caso

O jovem, conhecido como Gugu, foi detido em 2 de setembro de 2020 sob suspeita de ter roubado um carro no bairro do Catete, zona sul do Rio de Janeiro, em outubro de 2014. No entanto, no momento do crime, ele estava participando de uma missa em memória de um amigo falecido. Além disso, Gugu estava em fase de recuperação pós-operatória após passar por uma cirurgia no Hospital da Lagoa, também na zona sul, dois meses antes do incidente. Sua condição de saúde na época era devido a um diagnóstico de pneumotórax espontâneo, uma enfermidade que afeta os pulmões.

A única evidência utilizada contra Gugu foi uma fotografia dele. A vítima do assalto alegou à polícia ter encontrado o perfil do jovem em interações com um homem identificado como João, cujo documento de identidade foi descoberto durante a investigação. Embora a pessoa tenha admitido não ter conseguido visualizar claramente o rosto do suspeito, ela insistiu que se tratava de Ângelo Gustavo.

A história de Gugu ganhou destaque após ser abordada na campanha "Justiça para Inocentes", promovida pela Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da Organização dos Advogados do Brasil no Rio, em colaboração com o coletivo de artistas 342Artes e a Mídia Ninja. O cantor e compositor Caetano Veloso narraram a trajetória do rapaz.

Histórico de erros

O caso de Ângelo não é o único envolvendo erros em identificação fotográfica de acusados. Ano passado, o STJ divulgou que 90 sentenças foram emitidas pelo STJ desde a reformulação da jurisprudência pela 6ª turma, que estabeleceu o entendimento de que a não observância do art. 226 do CPP anula o reconhecimento do acusado realizado pela polícia, tornando-o inadmissível como fundamento para sua condenação, mesmo que seja confirmado durante a fase judicial.

Da data do julgamento (outubro de 2020) até dezembro de 2021, houve pelo menos 28 acórdãos das duas turmas de Direito Penal e 61 decisões monocráticas que absolveram o réu ou revogaram a prisão preventiva em razão de graves dúvidas sobre o reconhecimento feito em desacordo com as exigências do CPP.

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Leia a sentença.

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