O diretório do PSOL ajuizou ação na Justiça de SP contra lei antiaborto de Santo André. A norma questionada proíbe a promoção de políticas públicas, campanhas ou manifestações de qualquer natureza que incentivem a prática do aborto, por qualquer dos órgãos da Administração Pública direta, indireta e das autarquias do município.
A lei 10.702/23 foi sancionada no início de setembro, após a Câmara Municipal derrubar o veto do prefeito Paulo Serra.
Na petição inicial, o partido defende que a norma possui uma série de vícios e inconstitucionalidades que impedem sua validade e sua eficácia.
Um dos vícios citados no processo é a usurpação da competência do Executivo para legislar sobre o regime jurídico de servidores.
“O texto é claro em sua proibição, direcionada aos agentes públicos do Município de Santo André, de realização de campanhas ou manifestações que incentivem a prática de aborto (art. 1º), assim como da própria realização de procedimentos de interrupção de gravidez, mesmo em situações legais. Ademais, cria sanções administrativas, prevendo a possibilidade de submissão a procedimentos administrativos de apuração de conduta de servidores em caso de descumprimentos à lei municipal.”
Ademais, segundo o PSOL, a lei 10.702/23 também incorre em inconstitucionalidade material por violação do Pacto Federativo, posto que, ao legislar extrapolando sua competência de regulamentação suplementar, invade a seara de entes federativos, em violação aos art. 30, I e II e art. 198 da CF, e ao art. 144 da Constituição Estadual de São Paulo.
“Em análise do caso concreto, a norma de iniciativa da Câmara Municipal não se restringe à complementar lacuna legal ou a especificar legislação hierarquicamente superior com intuito de melhor adequá-las às necessidades locais. Atravessando em muito a linha que delimita sua competência, a lei ora questionada estende proibições penais, cria novas vedações ao servidor público, e contraria regramento próprio do SUS.”
O partido diz ainda que a norma incorre em inconstitucionalidade material por violação direta aos arts. 223 e 224 da Constituição Estadual. O primeiro dispositivo registra na Carta Estadual a competência deferida federalmente ao SUS para coordenar a assistência integral à saúde e, especificamente à saúde da mulher, criança e adolescente. O segundo, confere à rede pública de saúde o dever de prestar atendimento de pessoas que busquem interrupção médica de gravidez legal.
Bem jurídico objetivado
Na inicial, o diretório sustenta, também, que a lei, ao vedar campanhas de esclarecimento e a realização de procedimentos médicos de interrupção legal de gravidez, viola os princípios constitucionais por construir medida inadequada a proteger o bem jurídico pretendido, qual seja, a vida e, em específico, a vida do nascituro.
“Como já apontaram diversas pesquisas direcionadas à questão da magnitude da prática de aborto no Brasil, é cediço que as mulheres não deixam de abortar por ser o procedimento considerado ilícito pelo ordenamento jurídico e, menos ainda, por não terem acesso ao procedimento clínico via serviços públicos de saúde. Ao contrário, as restrições à prática médica de interrupção de gravidez geram uma realidade perversa na qual, recorrendo a métodos clandestinos, muitas mulheres que vivem a angústia de uma gravidez indesejada acabam por colocar a própria vida em risco.”
Por fim, destaca que a lei causa mais danos que benefícios à sociedade, posto que a restrição de realização de serviços de abortamento legal pelo sistema público de saúde ameaça direitos de uma camada extremamente vulnerável da população: meninas e adolescentes de famílias de menor renda e majoritariamente negras.
“Em síntese, a Lei 10.702/2023, do Município de Santo André, viola os princípios constitucionais da proporcionalidade, adequação, razoabilidade, e fere a necessária observância de isonomia, ao: i) instituir medida incapaz de proteger o bem jurídico que pretende tutelar, por não produzir impacto sobre o número de práticas de aborto e impedindo que seja feito de forma segura; ii) existem medidas mais eficazes para evitar a ocorrência de procedimentos de aborto não legais; iii) a medida é desproporcional ao ameaçar aumento de custos sociais, por razão de complicações de procedimentos clandestinos e mortes, e por vitimar principalmente crianças e adolescentes oriundas de famílias de baixa renda e de famílias negras.”
Leia o inteiro teor da lei:
LEI Nº 10.702, DE 4 DE SETEMBRO DE 2023
O Presidente da Câmara Municipal de Santo André, no uso de suas atribuições legais e nos termos do artigo 46, parágrafo 7º da Lei Orgânica do Município de Santo André, promulga a seguinte lei:
PROJETO DE LEI CM Nº 5/2023
AUTOR: VEREADOR MARCIO COLOMBO – PSDB.
PROÍBE A PROMOÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, CAMPANHAS OU MANIFESTAÇÕES DE QUALQUER NATUREZA QUE INCENTIVEM A PRÁTICA DO ABORTO, POR QUALQUER DOS ÓRGÃOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA, INDIRETA E DAS AUTARQUIAS NO MUNICÍPIO DE SANTO ANDRÉ.
A Câmara Municipal de Santo André decreta:
Art. 1º Fica proibida a instituição de qualquer política pública pelos órgãos da administração pública direta, indireta ou autarquias do Município de Santo André que incentive ou promova a prática do aborto, mesmos aqueles descritos no art. 128 e seus incisos do Decreto-Lei No 2.848, de 7 de dezembro de 1940.
Art. 2º É proibido à Administração Pública Municipal direta, indireta ou autárquica promover campanhas ou manifestações que incentivem, instiguem ou estimulem a prática de qualquer tipo de interrupção de gravidez.
Art. 3º O agente público que descumprir a legislação terá processo administrativo disciplinar aberto contra si para apuração de responsabilidade e aplicação de penalidade proporcional.
Art. 4º Essa lei entra em vigor na data de sua publicação.
Câmara Municipal de Santo André, 4 de setembro de 2023, 470º ano da fundação da cidade.
CARLOS ROBERTO FERREIRA
Presidente
Registrada e digitada na Coordenadoria de Comunicações Administrativas e publicada.
RAFAEL LOPES PINTO DA SILVA
Diretor Geral
- Processo: 2262392-55.2023.8.26.0000
Veja a petição inicial.