A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira, 5, projeto de lei que remete ao CMN - Conselho Monetário Nacional a fixação de limites para os juros do cartão de crédito e cria o programa Desenrola Brasil de refinanciamento de dívidas pessoais. A proposta será enviada ao Senado.
De autoria do deputado Elmar Nascimento, o PL 2685/22, foi aprovado na forma de um substitutivo do relator, deputado Alencar Santana. O relator incorporou ao texto a MP 1176/23, que cria o Programa Desenrola Brasil a fim de incentivar a renegociação de dívidas, ofertando garantia para aquelas de pequeno valor (até R$ 5 mil).
De acordo com o texto aprovado, os emissores de cartão de crédito e de outros instrumentos de pagamento pós-pagos utilizados em arranjos abertos (cartão de bandeira) ou fechados (cartões de redes varejistas) deverão apresentar ao CMN proposta de autorregulação das taxas de juros e encargos financeiros cobrados no crédito rotativo e no parcelamento de saldo devedor das faturas de cartões de crédito. Os limites deverão ser anuais e apresentados com fundamento.
Caso esses limites não sejam aprovados pelo conselho no prazo de 90 dias, contados da publicação da futura lei, o total cobrado de juros e encargos não poderá ser superior, em cada caso, ao valor original da dívida.
"Para que não seja acusado o Parlamento de intervir na economia, nós estamos dando um prazo de 90 dias ao setor que emite cartão de crédito, aos bancos e às demais instituições financeiras para que apresentem uma proposta ao Conselho Monetário Nacional", disse Alencar Santana.
“A média anual de juros rotativos do cartão é de 440%. Isso é um absurdo, a pessoa acaba se enrolando, sem pagar seu compromisso, resultando em um lucro abusivo, sem qualquer parâmetro no mundo”, afirmou.
Ele lembrou que o limite dos juros a 100% da dívida já ocorre na Inglaterra. "Estamos baixando os juros anuais de 440%, na média, para 100%, uma redução de 340%, uma redução significativa e muito importante", disse o relator.
Já o autor do projeto, Elmar Nascimento, ressaltou que o texto aprovado foi amplamente negociado e foi objeto de acordo com bancos, Banco Central e o Ministério da Fazenda. "Foi tudo negociado. É um projeto que vai permitir a retirada de mais de 70 milhões de brasileiros da situação de inadimplência e vai impor uma autorregulamentação aos bancos, para que exista uma queda gradual da taxa de juros do rotativo do cartão de crédito", disse.
O deputado Gilson Marques criticou a medida. "Somos contrários ao projeto, porque somos contra o governo trabalhar tabelando juro, regulando o dinheiro alheio", afirmou.
Portabilidade
Uma novidade em relação ao projeto original é a portabilidade da dívida do cartão de crédito e de outros débitos relacionados a ele, mesmo os já parcelados pelo próprio cartão ou de contas vinculadas ao cartão para seu pagamento (instrumento de pagamento pós-pago). Assim, o consumidor poderá buscar ofertas de juros menores para equacionar sua dívida junto a outra instituição financeira.
A instituição credora original não poderá cobrar custos relacionados à troca de informações e à efetivação dessa portabilidade.
A regulamentação caberá também ao CMN dentro de 90 dias da futura lei. A ideia é estimular a competição entre as emissoras de cartão.
Todas as instituições financeiras, oficiais ou privadas, inclusive as que ofereçam crédito mas não atuem como bancos, deverão adotar medidas para prevenir a inadimplência e o superendividamento de pessoas físicas, com ações específicas para a educação financeira dos seus consumidores.
Facilitar o crédito
O texto de Alencar Santana propõe ainda outras medidas para facilitar o acesso ao crédito, como o aumento dos casos em que será dispensada a apresentação de certidões de quitação de tributos federais se o interessado não estiver inscrito em Cadin - Cadastro de inadimplente.
Além das micro e pequenas empresas, dos agricultores familiares e mini e pequenos produtores rurais, já contemplados atualmente, poderão contar com a dispensa os empreendedores familiares rurais, demais beneficiários da Política Nacional da Agricultura Familiar, empreendimentos familiares rurais e suas cooperativas e associações da agricultura familiar.
Também não precisarão apresentar os documentos as pessoas naturais que exerçam atividade econômica com receita ou renda bruta igual ou inferior ao limite de enquadramento como pequena empresa no Simples Nacional.
Essa dispensa, no entanto, passa a valer por 180 dias, contados da data da consulta de inexistência de registro no Cadin.
Se o projeto virar lei, não haverá mais necessidade de provar quitação eleitoral para todas as pessoas que realizarem operações de crédito com bancos e outras instituições oficiais.
Já as empresas serão dispensadas de apresentar a Rais - Relação Anual de Informações Sociais para realizar empréstimos bancários, pois os dados já estão de posse do governo quando de seu envio.
Contrato de comissão
No CC, o texto aprovado acrescenta dispositivo para permitir o uso do contrato de comissão para a realização de mútuo ou outro negócio jurídico de crédito. A nova regra entrará em vigor 180 dias após a publicação da futura lei.
Atualmente, o Código Civil permite o uso do contrato de comissão apenas para a compra ou venda de bens por parte do comissário em seu próprio nome e responsabilidade, mas por ordem e por conta de um terceiro (comitente), em troca de certa remuneração.
Já a cláusula del credere, que poderá constar desse contrato, prevê a responsabilidade solidária do comissário em relação às pessoas com quem houver tratado em nome do comitente. Nesse aspecto, o relator incluiu trecho para permitir que essa responsabilidade seja parcial.
Todas essas medidas para facilitar o crédito constam do PL 2820/23, do Poder Executivo.
Desenrola
O texto aprovado pelos deputados incorpora o conteúdo da MP 1176/23, que cria o Programa Desenrola Brasil a fim de incentivar a renegociação, com garantia do governo federal, de dívidas somadas até o valor de R$ 5 mil por pessoa inscrita no Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico) ou por quem tenha renda mensal igual ou inferior a dois salários mínimos (R$ 2.640,00).
Poderão entrar nessa negociação dívidas com bancos, mas também com fornecedores (como água, luz e telefone) ou com o varejo e até mesmo de crédito pessoal consignado.
Entretanto, nessa modalidade, chamada de Faixa 1, o devedor somente ficará sabendo se sua dívida poderá ser negociada com garantia do governo federal após uma competição entre os credores participantes para definir quais deles ofertarão os maiores descontos. Assim, não são todos os devedores que poderão obter essa garantia, somente aqueles com dívidas perante os credores vencedores de um leilão.
Por outro lado, se o devedor não tiver acesso à garantia para refinanciar porque seu credor não foi contemplado nessa competição, ele poderá ainda assim usar o desconto ofertado pelo credor e escolher quais dívidas desejará quitar à vista com recursos próprios.
As regras proíbem o credor interessado em participar da modalidade Faixa 1 de escolher contratos específicos para renegociação.
Da parte do devedor, além da renda ou inscrição no CadÚnico, outra condição é ter sido incluído em cadastros de inadimplentes até 31 de dezembro de 2022, com registro que deverá estar ativo em 28 de junho de 2023.
O tema foi regulamentado por uma portaria do Ministério da Fazenda (portaria normativa 634/23), que determina o uso da renda média entre os meses de janeiro a maio de 2023 para apurar se o potencial beneficiário está dentro do limite de renda exigido.
Informações: Câmara dos Deputados