Por considerar que pintura em muro se tratava de grafite, a Justiça de SP absolveu um homem que havia sido condenado por pichação. Decisão é da 1ª turma Recursal Criminal do Colégio Recursal Central da Capital/SP.
O caso envolve uma pintura realizada em muro de imóvel aparentemente abandonado. O homem foi surpreendido por policiais militares em patrulhamento de rotina, em cima da marquise, com diversas latas de tinta, que usou para pintar a fachada do prédio. Segundo os autos, apenas posteriormente foi identificado o possuidor do prédio, que confirmou a desocupação, só sendo alugado e iniciada reforma posteriormente.
A foto da pintura foi utilizada em plano de fundo das alegações finais:
Em 1º grau, o homem foi condenado à pena de 3 meses e 15 dias de detenção pelo art. 65 da lei 9.605/98, que dispõe sobre pichar edificação ou monumento urbano.
Em apelação, pugnou pela reforma da sentença por atipicidade da conduta. Sustentou, ainda, que o prédio era aparentemente abandonado, e que houve posterior autorização do ocupante em realizar a obra.
O relator, o juiz de Direito José Eugenio do Amaral Souza Neto, destacou que o cerne da questão foi determinar se a conduta consistiu em pichação, que caracteriza crime, ou grafite, expressão artística que pode não vir a configurar o delito.
O magistrado observou que, enquanto a pichação busca marcar patrimônio sem qualquer questão estética, ferindo o meio ambiente urbano, o grafite é uma forma de arte que visa a pintar edificações urbanas para expressar sentimentos e emoções, com função estética e cultural, “sendo uma das mais importantes expressões artísticas das periferias”. Frisou, ainda, que, embora haja preconceito, o grafite é uma importante forma de arte contemporânea urbana.
"Sabe-se que há um enorme preconceito contra o grafite, forma de arte bastante recente e que vem, em sua maioria, de artistas pobres e marginalizados. Comparado às belas artes, é bastante diferente, o que causa estranheza. Todavia, o grafite é hoje uma realidade e forma extremamente importante de arte contemporânea urbana, sendo artistas como Basquiat, Banksy, Kobra e OSGEMEOS alguns dos principais expoentes mundiais dessa forma de arte, tendo obras comercializadas por milhões de dólares."
Para diferenciar pichação de grafite, o julgador fez a seguinte reflexão: a pessoa que pintou pretendeu apenas marcar que passou por aquele lugar, ou expressar sentimentos e emoções, criando arte acessível a todos?
No caso dos autos, ele concluiu que a vontade do apelante era de grafitar, tanto que o fazia calmamente, não resistiu à abordagem, e estava com 12 latas de tintas – o que não é condizente com a conduta padrão do pichador, que é de alcançar pontos de difícil acesso, com pouca tinta, e fugir da abordagem policial. “A obra do Apelante tem padrão estético e utiliza-se de nuances e contraste de cores e formas, enquanto as pichações não têm qualquer padrão ou preocupação estética.”
O magistrado ainda observou que o prédio não estava, de fato, abandonado, como se descobriu posteriormente. Mas, pela análise do réu e dos policiais que o conduziram à delegacia, "quando dos fatos aparentava, sim, estar abandonado", afastando-se o dolo do apelante e tornando a conduta atípica.
A defesa foi patrocinada pelo escritório Oliveira Mayller Advogados.
- Processo: 1518500-26.2019.8.26.0050
Leia o acórdão.