STF colocou em pauta para o dia 2 de agosto processo que analisa a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal. O caso, que se arrasta no Supremo há quase uma década, possui três votos a favor da descriminalização da prática.
O processo está paralisado desde 2015 por pedido de vista do ministro Teori Zavascki. Desde então, a análise ficou paralisada na Corte. Agora, o tema tem grandes chances de ganhar um desfecho.
Para entender melhor os impactos que o julgamento pode causar na sociedade, Migalhas conversou com especialistas. Confira.
Entenda
O RE 635.659 discute a constitucionalidade do art. 28 da lei de drogas (11.343/06), o qual tipifica como crime o porte de drogas para consumo pessoal. No caso dos autos, um homem foi condenado pela Justiça paulista à prestação de dois meses de serviços à comunidade por portar três gramas de maconha para consumo próprio.
A Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que representa o condenado, sustenta que essa tipificação penal ofende o princípio da intimidade e vida privada, previsto no art. 5º, inciso X, da CF/88. Alega também que não há lesividade na hipótese do porte de drogas para uso próprio, uma vez que tal conduta não afronta a saúde pública (objeto jurídico do delito de tráfico), “mas apenas, e quando muito, a saúde do próprio usuário”.
Até o momento, votaram três ministros - Gilmar Mendes (relator), Edson Fachin e Luís Roberto Barroso - a favor de algum tipo de descriminalização da posse de drogas.
Gilmar Mendes foi o único a votar pela descriminalização do porte de qualquer droga, sem especificar quantidade, em razão do direito à intimidade e à inviolabilidade da vida pessoal do usuário. Fachin, por sua vez, sugeriu que seja descriminalizado apenas o porte de maconha. Barroso também votou nesse sentido, e sugeriu que o Supremo determine que não é crime andar com até 25 gramas de maconha ou cultivar até seis plantas para consumo pessoal.
Consequências para o Judiciário
O advogado Marlus Arns de Oliveira e a advogada Mariana Michelotto pontuaram as consequências que uma possível descriminalização do uso pessoal pode trazer tanto para o Judiciário quanto para a sociedade. Segundo eles, o primeiro benefício para todo sistema judicial é um desafogamento do próprio sistema. Isto porque, na avaliação deles, o tema abarrota as instâncias judiciais sendo o principal motivo de encarceramento.
“Não há dúvidas de que a descriminalização do uso pessoal trará uma diminuição do número de processos, e, também, do número de pessoas presas, pois mesmo o art. 28, em debate neste julgamento, não prevendo a pena de prisão, os índices de prisão por este motivo são alarmantes”, destacaram.
Usuário x Traficante
Para o advogado Octávio Orzari, o que está em debate é se o Estado deve e pode utilizar a sanção criminal sob o pretexto de cuidar da saúde individual e se isso tem sido positivo para a sociedade ao longo de décadas. “Penso que não, e que é necessária atualização da interpretação da legislação a fim de se compatibilizar com os objetivos constitucionais”, afirmou.
Na sua visão, caso o Supremo decida pela descriminalização do porte de drogas, a Corte deverá estabelecer um critério objetivo para distinguir o usuário de droga do traficante. “Não é bom para a sociedade que alguém com um cigarro de maconha seja punido com prisão”, afirmou o especialista.
"Aviõezinhos"
Em contrapartida, o professor de Direito Constitucional da USP, Rubens Beçak, vê com preocupação os impactos da descriminalização para o tráfico. Segundo ele, a possível decisão pode facilitar as ações dos traficantes, uma vez que os criminosos podem se valer de traficantes menores (chamados aviõezinhos) para levar pequenas quantidades de drogas.
“Se prevalecer o entendimento pela descriminalização, precisamos ainda ter um dimensionamento de como isso pode afetar o tráfico”, alertou o docente.
Descriminalização x Legalização
Acerca do julgamento, Beçak pontuou que apesar do STF estar julgando a descriminalização do porte de drogas, muitas pessoas confundem e acreditam que a Corte esteja analisando a questão da legalização das drogas.
“Na verdade, o que está sendo discutido no Supremo Tribunal Federal é se haveria a possibilidade de entender se o porte de determinadas quantidades de drogas, é um caso de saúde pública ou se deveria ser tratado como um ilícito. Diferentemente seria se nós tivéssemos uma normatização para legalizar a questão da droga”, asseverou.
- Processo: RE 635.659