Migalhas Quentes

Artistas censurados por críticas à PM em exposição serão indenizados

Juiz reconheceu o excesso da atuação estatal, além da desproporcionalidade e falta de razoabilidade da conduta.

10/7/2023

A prefeitura de Franca/SP, o Estado e a Feac - Fundação Esporte, Arte e Cultura terão de indenizar aristas que tiveram suas obras censuradas em uma exposição. Os grafites criticavam a atuação da polícia, especialmente casos de letalidade contra a população negra. Ao decidir, juiz de Direito Aurélio Miguel Pena, da vara da Fazenda Pública do município, reconheceu o excesso da atuação estatal, além da desproporcionalidade e falta de razoabilidade da conduta.

De acordo com os autos, um dos autores atuava como estagiário na Feac, ocasião em que contratou os outros dois autores, integrantes do grupo artístico "Os Baixa Renda", para exposição de suas obras de grafite na "Casa da Cultura Abdias do Nascimento", em Franca.

Após 15 dias de exposição, os vereadores da câmara municipal se dirigiram ao local e acionaram a PM, denunciando "apologia ao crime ou criminoso".

Dentre as obras em exposição, tinha-se: (i) uma viatura da polícia em chamas, de técnica hiper-realista; (ii) itens componentes de uma instalação artística, tal como o livro da Constituição Federal com manchas de tinta simulando sangue, um quadro com a inscrição "vândalo é o governo", um para-brisa de veículo simulando estar alvejado por projéteis, dentre outros; (iii) uma colagem com um homem encapuzado e escrito "doe livros para um PM"; (iv) uma bandeira do Estado de São Paulo com as escritas, em letra de "pixo" paulista, "O Brasil não aceita pobre revolucionário, o marginalizado defensor do favelado, fugi do controle, quebrei as algemas, expandi meu veneno, meu ódio, minha crença, contaminei o povo, revoltado, incurável... Glórias".

Na ação, eles alegam que não houve oportunidade de promoção de um debate com relação às críticas que pretendiam promover com as obras em exposição, muito menos obtiveram apoio da Casa de Cultura para defesa do direito de liberdade de expressão.

Os artistas chegaram a ser detidos por suposta apologia ao crime e as obras, apreendidas.

Foto ilustrativa de uma pessoa fazendo grafite em parede.(Imagem: Freepik)

Ao analisar o processo, o juiz ponderou que a CF prevê a liberdade de expressão intelectual, artística, científica e de comunicação.

“Pela análise das obras apreendidas e submetidas à perícia, observa-se o teor de crítica social ali presente, crítica social dirigida, principalmente, à Polícia Militar do Estado de São Paulo. E a dinâmica dos fatos demonstra que não houve razoabilidade e proporcionalidade nas condutas empregadas pelos agentes. Houve excessos. Houve constrangimento ilegal. Não houve bom senso.”

Segundo o magistrado, o encadeamento dos acontecimentos revela que houve cerceamento da liberdade de expressão. “Seria de bom tom a prévia conversa, a instalação de investigação, se assim se resolvesse.”

“Com relação ao suposto delito denunciado, destaca-se a manifestação do órgão ministerial na promoção de arquivamento do termo circunstanciado do processo que tramitou perante a 3ª Vara Criminal da Comarca de Franca/SP [processo nº 1505268-91.2019.8.26.0196].  No caso dos autos, certo que as condutas praticadas pelos averiguados são atípicas, não configurando, portanto, qualquer crime. Afinal, nas obras de artes apreendidas, não há apologia ao crime, mas sim uma crítica social do momento. Ora, não se pode acalentar uma política de controle de voz e manifestação populares, cerceando a liberdade de expressão do outro."

Ou seja, na avaliação do juiz, a exposição das obras do grupo "Os Baixa Renda" tratava de críticas sociais com destaque para fenômenos factuais como a seletividade penal, o racismo estrutural e a violência policial, situações vivenciadas pelo movimento sociopolítico e cultural marcado pelo protesto e pela contestação.

“Assim, não caberia aos agentes públicos a exigência do fim da exposição com base nas motivações exclusivamente subjetivas, fossem elas de caráter moralizante (‘comentários de indignação surgidos nas redes sociais’) ou relacionadas com atividades de cunho político-partidário (participação de ‘membros do grupo que se autodenomina 'Direita Casca Grossa’). A situação merecia prudência. Outras medidas administrativas poderiam ter sido adotadas pelos agentes políticos com a finalidade de averiguação da pertinência da continuidade da exposição. E, sem dúvida, sem necessidade da condução dos autores à Delegacia como se ‘bandidos fossem’. As ações dos agentes estatais extrapolaram os limites da legalidade, ferindo os requerentes como pessoas: a indenização é devida.”

Com efeito, fixou os danos morais no montante de R$ 5 mil para cada um dos autores.

Deny Eduardo Advocacia e Consultoria atua no caso.

Veja a sentença.

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