Migalhas Quentes

Reforma tributária: Advogados avaliam texto-base aprovado na Câmara

Os destaques ainda serão votados.

7/7/2023

Na madrugada desta sexta-feira, 7, a Câmara dos Deputados aprovou, em segundo turno, o texto-base da reforma tributária (PEC 45/19), que simplifica impostos sobre o consumo, prevê fundos para bancar créditos do ICMS até 2032 e para o desenvolvimento regional, além da unificação da legislação dos novos tributos. Houve 375 votos a favor e 113 contra. Os destaques ainda serão votados.

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A fim de fomentar o debate, Migalhas ouviu renomados tributaristas, que emitiram suas opiniões sobre o texto aprovado. Veja abaixo.

Especialistas analisam texto da reforma tributária aprovado na Câmara.(Imagem: Arte Migalhas)

 

Heleno Torres

Segundo o professor, a aprovação da reforma tributária é um marco de profundas mudanças na economia e no sistema de tributação do país.

"Não tem volta. Ainda reclama aprimoramentos, o que certamente será feito no Senado da República, mas está posta. Muda severamente as relações entre Fisco e contribuintes. Não cria apenas o IVA. É marcadamente arrecadatória, pela expansão do poder de tributar em todos níveis, mas traz avanços relevantes de garantismo. Diante das melhorias ao texto, apoiarei sua continuidade, sem prejuízo de recomendar ajustes adicionais na Casa do Federalismo, que é o Senado."


Lina Santin

Acredita que o texto aprovado reflete muita negociação política de bastidores, com governadores e prefeitos, representantes dos mais diversos setores e toda representatividade do heterogêneo eleitorado brasileiro.

"Como consequência, aumentaram as exceções e o texto ficou menos 'slim' do que tecnicamente desejável, mas ainda assim o modelo aprovado é bom e representa uma enorme evolução com relação ao sistema atual. Seremos o 175º país no mundo a adotar o IVA, modelo mais indicado para tributar o consumo, atendendo recomendação da OCDE e, finalmente, posicionando o Brasil em standards internacionais de tributação do consumo."

De acordo com a advogada, tudo isso promete um cenário de maior segurança juridica e mais atratividade para novos investimentos. 

"Resolveremos grande parte do contencioso relativo ao direito de crédito, especialmente em razão do conceito de insumos para PIS/Cofins. Agora o Senado terá a oportunidade para de fazer os últimos ajustes necessários para aparar algumas pontas e arredondar ainda mais o texto da PEC 45."


Luiz Gustavo Bichara

O advogado diz que a emenda aglutinativa aprovada trouxe muitas novidades, não necessariamente todas boas. E destaca uma que considera grave:

“Os Estados e o Distrito Federal poderão instituir contribuição sobre produtos primários e semielaborados, produzidos nos respectivos territórios, para investimento em obras de infraestrutura e habitação, em substituição a contribuição a fundos estaduais, estabelecida como condição à aplicação de diferimento, regime especial ou outro tratamento diferenciado, relacionados com o imposto de que trata o art. 155, II, da Constituição Federal, prevista na respectiva legislação estadual em 30 de abril de 2023.”

Todavia, no geral, acredita que o texto foi positivo. “Vejo com tranquilidade e otimismo o fato de que, em alguma medida, nos distanciamos do mito da alíquota única. O Brasil é um país complexo e termos ao menos duas alíquotas facilita muito a transição, reconhecendo especificidade de determinados setores da economia.”


Rodrigo Massud

O tributarista considera que existe um certo consenso sobre a necessidade de uma reforma, entretanto, o modelo e as diferentes propostas é o que se discute muito. “Dentro da necessidade, a reforma possível foi essa que alcançou o consenso na PEC 45”, afirmou.

De acordo com Rodrigo, esse modelo tem seus problemas, pois altera profundamente o sistema federativo na relação entre União, Estados e municípios, que vai passar a ser mediada de algum modo pelo conselho federativo.

Ainda segundo o advogado, também há dúvidas de como vai funcionar sistema de não cumulatividade ampla e a devolução de créditos. “Aparentemente, vai ter um fundo garantidor por um tempo para assegurar a devolução desses créditos acumulados nas cadeias.”

O que mais incomoda, diz Massud, é a pressa como isso foi feito nas últimas semanas.

“A gente viu ontem ali uma emenda aglutinativa que trouxe vários pontos, para atender vários pleitos de diferentes setores. A falta de tempo para esse debate acaba distorcendo o texto-base que se imaginou.”

Por fim, o profissional levanta preocupações relacionadas ao setor de serviços, reforma do IR e reforma da folha.

“Há de fato ali preocupações relevantes, principalmente do setor de serviços, que sem dúvidas vai acabar tendo uma carga tributária. A gente precisa encontrar uma solução para isso. Apesar da falada neutralidade da carga global, terão esses aumentos pontuais.”


Sílvia Piva

Entende que o sistema tributário precisa de uma reforma completa: tributação do consumo, renda, patrimônio e sobre a folha de salários. “Se essa PEC aprovada ontem possibilitar a alteração total, e desonerar a folha de salários, em especial para os prestadores de serviços, entendo que foi uma boa medida.”

No entendimento de Sílvia, não há como não criticar a “rapidez” da votação.

“Não houve tempo para a sociedade civil apresentar emendas por meio dos deputados. Ainda que o momento tenha sido de convergência, a democracia precisa ser respeitada, e vejo este ponto como algo que poderá trazer questionamentos judiciais.”

Segundo a advogada, há ainda vários pontos a serem aprimorados, “praticamente tudo foi delegado para a lei complementar, e não temos o impacto financeiro desta reforma, especialmente para o setor de serviços que não foi contemplado com a redução de alíquota ou com o regime diferenciado. Por outro lado, quando o novo sistema estiver funcionando, a probabilidade de simplificação do sistema é muito grande e, sem sombra de dúvidas, isto trará um grande avanço para o Brasil e atrairá mais investimentos”.

“Vejo que no Senado haverá espaço para mais discussões e apresentação de emendas pela sociedade civil, mas acredito que a estrutura já foi acordada politicamente e teremos ajustes pontuais. Apesar de ter restrições ao texto e à forma de votação, torço para que essa reforma seja positiva, pois todos queremos o melhor para o Brasil.”


Betina Grupenmacher

“É um desastre o texto aprovado. Essa emenda aglutinativa já era ruim e ficou pior ainda”. Essa é a opinião de Betina Grupenmacher. Segundo a professora, a única coisa boa foi a cesta básica que foi desonerada. “É o mínimo em um país com tanta fome.”

A profissional não acredita no cashback e entende que o contribuinte com certeza vai perder.

“É desastroso o que aconteceu ontem, desanimador, puramente político. Acho que a nova gestão quis mostrar serviço fazendo alguma coisa. Os tributos na minha opinião são de fato um dos elementos mais importantes da nossa vida. Estamos falando de dinheiro. Dinheiro resolve e atrapalha a vida das pessoas e é isso que está acontecendo com essa reforma tributária. Poderia ajudar e trazer desenvolvimento, diminuição das diferenças sociais, solidariedade e, na verdade, é uma reforma que compromete o pacto federativo e a justiça social. Enfim, é péssima.”


Thiago Amaral

Para o advogado, de maneira geral o texto aprovado apresenta mais dúvidas do que certezas pelo alto grau de delegação de competências ao legislador complementar.

“É claro que todos os elementos norteadores de uma simplificação de sistema pela unificação dos tributos e não cumulatividade ampla estão ali, mas remanescem com o receio histórico que no passado a legislação complementar restringiu muitos conceitos constitucionais.”

De acordo com Thiago, o desafio será a convivência de dois sistemas durante a transição.

“Vejo como positivo o fortalecimento da técnica de tributação no destino que reforça o endereçamento de problemas como a guerra fiscal. No Senado, esperamos uma discussão menos apressada  e mais cuidadosa, talvez buscando maior grau de definição de aspectos ainda em aberto no texto.”


Gustavo Brigagão

"O projeto é muito ruim. O que eu temia, materializou-se. Os deputados votaram a PEC da reforma tributária sem conhecer o seu teor. Mesmo que quisessem, não conseguiriam. Muito lamentável e preocupante. Ofensa grave ao Estado Democrático de Direito. Resta-nos o Senado como possível salvador da Pátria. Já vi esse filme antes, com o projeto 2.337/21, relativa à tributação dos dividendos."

Crítico ao texto aprovado, Gustavo pontuou que as modificações foram feitas de última hora, sem que os deputados pudessem ler. “[o texto] é resultado de um açodamento inadmissível.”

Segundo o profissional, existem equívocos jurídicos e trechos ininteligíveis no texto que ferem o Estado Democrático de Direito.

“Estamos dando um cheque em branco para o legislador ordinário fazer o que quiser com o sistema tributário. Isso causa uma insegurança jurídica enorme.”

Falando em uma “ditadura” do Poder Legislativo, Brigagão entende que o texto, escrito por poucos, ofende a democracia. Ele espera que o Senado aprofunde o debate.


 

Tacio Lacerda Gama

Na avaliação do advogado, o deputado Agnaldo Ribeiro fez um trabalho notável ao ouvir a sociedade e dar tratamento diferenciado a bens e serviços diferentes. “Há muito que ser trabalhado, mas houve sim um avanço entre a proposta original e a que foi aprovada.”


Fernando Facury Scaff

O professor espera que o Senado retire os excessos da Câmara, como a possibilidade de tributar as exportações de commodities. “Aguardemos as necessárias leis complementares e ordinárias para colocar o projeto em pé.”


Ives Gandra da Silva Martins

Na visão do jurista, o texto causará impacto na prestação de serviços. "O setor de serviços, incluindo a advocacia, sairá de uma alíquota média de 3% de ISS para uma alíquota superior a 25%, em face das exceções abertas para diversos segmentos da economia".

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