Nelson Mandela foi eleito presidente da África do Sul em 1994 e já em 1995 inaugurou o primeiro Tribunal Constitucional do país. Ao seu lado, no dia da inauguração do Tribunal, estava Arthur Chaskalson, um dos advogados que o defendera no julgamento de Rivonia, em 1963.
No veredito deste julgamento, Mandela foi condenado à prisão perpétua. Entretanto, esta foi uma grande vitória para Chaskalson, pois a expectativa era de uma condenação ao enforcamento.
Assim, com a atuação do(s) causídico(s), Mandela sobreviveu ao julgamento, à prisão e, posteriormente, viu-se livre da condenação perpétua. Na verdade o “pimpinela negro” foi além e alcançou a presidência da África do Sul.
Após 31 anos do dia em que recebeu sua condenação, Mandela mostrou que não deixou esmorecer sua capacidade de reconhecer as competências dos que cruzaram seu caminho. Por isso, em 1995, Chaskalson estava ao lado do recém-eleito presidente da África do Sul: o advogado seria nomeado juiz presidente do tribunal constitucional do país.
Sharpeville e Rivônia
A África do Sul tornou-se um país independente em 1910 e foi formada por negros, ingleses e holandeses. Ainda que de maioria negra, em 1948 foi sistematizado no país o regime de apartheid, palavra africâner que significa “desenvolvimento separado das raças”.
Esse devaneio de consciência foi cultivado no país pelos holandeses desde o século XVII e com o governo do Partido Nacional, de 1948 a 1994, o sistema foi institucionalizado.
A situação provocou resistência, principalmente do Partido Comunista e do Partico Congresso Nacional Africano (CNA), liderado por Nelson Mandela. Em um dos embates entre situação e oposição ocorrido em 1960, 69 manifestantes negros foram mortos pela polícia na cidade de Sharpeville. Após o massacre, o CNA e o Partido Comunista foram banidos e instituiu-se estado de emergência.
Para não perder a força, o CNA, em 1961, criou uma ala militar chama Lança da Nação - Umkhonto we Sizwe (MK). Ela realizou em torno de 200 operações, utilizando dispositivos incendiários caseiros para destruir instalações públicas.
O partido também comprou uma fazenda isolada (Liliesleaf) na cidade de Rivonia para realizar reuniões e planejamentos. A polícia, com base em averiguações de informante, invadiu a fazenda em julho de 1963 e prendeu integrantes do grupo. Vários documentos foram encontrados no local e em decorrência das investigações, Nelson Mandela foi adicionado à lista de acusados.
Julgamento
Em 30 de outubro de 1963, no Supremo Tribunal de Pretória, dez dos acusados de sabotagem, por resistência ao apartheid, incluindo Nelson Mandela, estavam prestes a receber uma sentença de pena de morte.
Era esse o resultado esperado pelos advogados dos indiciados no julgamento de Rivonia. A equipe de defesa era composta por Joel Joffe – advogado instrutor – Bram Fischer, Vernon Berrange, George Bizos e Arthur Chaskalson.
Conhecido como o julgamento que mudou a África do Sul, ele atraiu multidões para o tribunal e arredores e foi assistido pelo mundo. Por isso, para os apoiadores dos acusados, o tribunal também se tornou palco de luta: foi um verdadeiro embate entre legalidade e justiça.
Os réus argumentavam que a lei era draconiana, elaborada sem o consentimento da maioria, apenas para garantir a perpetuação de um sistema injusto.
O julgamento terminou em 12 de junho de 1964: Nelson Mandela e mais sete acusados foram condenados, não à morte, mas à prisão perpétua.
Consequências
Após o julgamento, a força do MK foi bastante abalada. Inexistia atividade política na África do Sul. Por outro lado, as redes clandestinas dos movimentos pela libertação continuaram a se organizar fora do país.
Em 1968, um grande movimento juvenil estabeleceu a South African Studies Organization (SASO) e, em 1972, a Black People’s Convention (BPC), símbolos da reestruturação da resistência na África do Sul, que fomentaram as Greves de Durban (1973) e o movimento levante (1976).
Já em 1980 várias organizações criaram estruturas, como a UDF, para forçar a estabilidade do governo no país, a qual, a partir de 1989, em meio a diversas mudanças globais, como a queda do Muro de Berlim, estava prestes a ruir.
Foi nesse mesmo ano que Frederik Willem de Klerk tornou-se presidente e anunciou a liberdade de presos políticos, incluindo Nelson Mandela, em 1990.
Pouco tempo depois, em 1994, Nelson Mandela foi eleito presidente da África do Sul, sob a égide da Constituição aprovada em 1993. Desde então, esforços para a incorporação de uma Declaração de Direitos na Constituição e a criação de um Tribunal Constitucional foram empreendidos.
Essa ânsia foi acalentada no ano de 1995, com a criação do Tribunal e a nomeação de 11 juízes, dentre eles, Arthur Chaskalson.
Nelson Mandela e Arthur Chaskalson
Chaskalson nasceu em Joanesburgo em 1931 e formou-se na Universidade de Witwatersrand no ano de 1952, tornando-se advogado em 1956. Advogou em diversos casos políticos importantes, incluindo o julgamento de Rivonia em 1963 e 1964 quando conseguiu reverter a pena de morte à pena de prisão dos acusados.
Em razão desta atuação, conheceu Nelson Mandela, o qual, 31 anos depois, como presidente da África do Sul, o nomeou presidente do Tribunal Constitucional sul-africano. Nesta oportunidade, o advogado declarou: "Pela primeira vez a constituição supera o Parlamento.”
Arthur Chaskalson era muito atuante em causas constitucionais e de direitos humanos, tendo recebido diversos prêmios pela promoção desses temas. Sua primeira decisão como presidente do Superior Tribunal tratou da inconstitucionalidade da pena de morte.
Junto de seus colegas, proferiu decisões essenciais incluindo reconhecimento de casamento entre pessoas do mesmo sexo e o direito à moradia dos sul-africanos.
Diz-se que Chaskalson ingressou no curso de Direito ao ficar impressionado com uma passagem de Albert Camus, que dizia: “Por milhares de anos, o mundo tem sido como aquelas pinturas italianas da Renascença onde, em lajes frias, homens são torturados enquanto outros homens desviam o olhar da maneira mais perfeita despreocupação. O número de 'desinteressados' era imenso em relação aos interessados. O que caracterizou a história foi o número de pessoas que não se interessaram pela desgraça alheia.”
Em dezembro de 2002 recebeu condecoração de Conselheiro Supremo da Ordem do Boabab, uma honraria por seus serviços à nação no respeito pelo constitucionalismo, direitos humanos e democracia.
Também teve cargos acadêmicos de importância em sua alma mater, Universidade Witatersrand, como professor honorário e membro do conselho da Faculdade de Direito.
O advogado, sempre lembrado com muita exaltação, faleceu em Joanesburgo em 1º de dezembro de 2012.
Em outro continente...
Na última quinta-feira, 1º, foi publicada no DOU a indicação feita pelo presidente Lula de Cristiano Zanin ao STF. Desde 2013, Zanin atua bravamente na defesa de Lula em processos da operação Lava Jato e foi o grande responsável pela vitória na ONU que reconheceu a parcialidade de Moro ao condenar o atual presidente.
Agora, o nome de Cristiano Zanin deve passar pelo crivo da sabatina do Senado.
Fontes:
https://www-scotsman-com.translate.goog/news/obituaries/obituary-arthur-chaskalson-south-african-lawyer-who-defended-mandela-and-opposed-injustice-until-his-final-days-1598860?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_tr_pto=wapp
https://www-sahistory-org-za.translate.goog/article/rivonia-trial-1963-1964?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_tr_pto=wapp
https://www.concourt.org.za/index.php/judges/former-judges/11-former-judges/60-justice-arthur-chaskalson-1931-2012
https://www-washingtonpost-com.translate.goog/archive/politics/1995/02/15/mandela-swears-in-first-constitutional-court/3915edf7-0554-4ed2-980e-b12bf2f14a40/?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-BR&_x_tr_pto=wapp