O Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo, às vésperas de comemorar seu sesquicentenário, vê-se diante de um imbróglio que, ao fim e ao cabo, pode deslustrar esse momento de festa e de evocação.
O tom acima, conquanto pareça exagerado, tem seu sentido, como o douto leitor poderá conferir na sequência.
Explicamos. É que a presidência do TJ/SP mandou processar uma reclamação disciplinar contra um integrante da Corte, o desembargador José Carlos Costa Netto, por "suposta parcialidade". Compulsando o pedido, o que se vê são questões como horário de suas decisões e, o pior, debate sobre os fundamentos de decidir. Faz-se, também, um cotejo com outros casos, querendo demonstrar uma anormalidade, sem sopesar que este, por seu turno, é provavelmente o caso mais vultoso em andamento no Judiciário brasileiro. Ou seja, na comezinha regra ruiana, é preciso aquilatar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam.
Na autoria da reclamação, a indonésia empresa Paper Excellence, parte interessada no malfadado negócio envolvendo a atrabiliária tentativa de adquirir 51% da empresa Eldorado Celulose, que pertence à J&F.
A reclamação, como fica nítido, é consequência do descontentamento da parte com decisões que suspenderam, para ulterior decisão, o andamento dos processos que discutem o negócio. Todavia, em vez de se socorrer de recurso judicial próprio, a parte que se viu descontente buscou uma maneira inusitada de litigar: queixar-se do julgador.
Isso não é novo no Judiciário. O que é novo no caso é que o presidente do Tribunal bandeirante recebeu o pedido e, em oitenta laudas, mandou processar o pedido.
Nestes casos, como ordinariamente se dá, a autoridade age com redobrada cautela e extrema parcimônia. Com efeito, nestas situações o que está em discussão - além da probidade dos integrantes do Tribunal como um todo - é a livre convicção dos magistrados e a independência da magistratura, apanágios que são o esteio do Estado Democrático de Direito.
Os magistrados, experientes como são, sabem que as partes se valem dos mais diversos meios para obter suas vitórias. O que compete aos julgadores é manter a serenidade, agindo com equidistância e altivez.
Ademais, a Corte bandeirante, Tribunal que foi a casa de nomes como Manoel da Costa Manso, José Frederico Marques, Mario Guimaraes e Marcos Nogueira Garcez, para ficar só nestes, entre tantos, não pode ficar à mercê de vicissitudes desta ou daquela causa.
O Tribunal é maior. É um século e meio de história que merece ser relembrada e cultuada. De modo que não se pode tisnar a honorabilidade deste ou daquele julgador porque decidiu neste ou naquele minuto. Fosse assim, poder-se-ia dizer o mesmo da operosidade do recebimento de uma reclamação com oitenta laudas que já contém carimbos de juízo finalístico. Mas não, não se faz essa lucubração. Quer-se imaginar, tão somente, que foi um momento de exasperação, e que logo a prudência e sensatez voltarão a imperar no Palácio que leva a assinatura do arquiteto Ramos de Azevedo, e que tem em seus corredores a lembrança saudosa da esguia e indefectível figura do Poeta Paulo Bomfim, cumprimentando um a um com seu cativante sorriso, e vendo a seguir, de serventuários a desembargadores, todos curvando-se, respeitosos, em agradecimento.
Histórico
Como se disse, o caso envolve a tumultuada tentativa de compra da Eldorado Celulose, entre a Paper Excellence e a J&F. A Paper diz que, mesmo após fazer parte do pagamento, não foi realizada a transferência restante das ações. Em razão disso, foi instaurado procedimento arbitral.
A arbitragem deu vitória à Paper, mas a J&F levou o caso ao Judiciário após entender que houve irregularidades. A sentença em 1º grau confirmou a decisão arbitral, e ambas as empresas apelaram.
Paralelamente, foi impetrada outra ação em que se questionava um incidente da arbitragem, e, após debate sobre uma possível prevenção, instaurou-se conflito de competência, o qual foi livremente (!) distribuído ao desembargador Costa Netto - agora alvo da reclamação.
Em fevereiro, os processos envolvendo a causa foram suspensos até que seja dirimido o conflito. Após a paralisação, e uma "guerra de decisões" entre Costa Netto e o desembargador Franco de Godói - que pretendia liberar os processos -, sobrevieram outras decisões em março e abril, esta última pelo Grupo Especial da seção de Direito Privado do TJ/SP, mantendo a suspensão.
Descontente com a paralisação, a parte lançou mão deste estratagema, qual seja, questionar a honorabilidade do julgador, com o fim de destravar o processo. De fato, a reclamação contra um integrante do Egrégio Tribunal de Justiça bandeirante tem apenas o escopo de afastar um julgador cujas decisões não são favoráveis à parte.
Ao analisar o pedido, o presidente do TJ/SP, Ricardo Anafe, considerou presentes indícios de irregularidade e abriu prazo para que Costa Netto ofereça defesa.
Espera-se que, em homenagem à história do Tribunal, que se confunde com a história do Estado de São Paulo, tudo tenha bom termo.
O TJ/SP é composto, em sua totalidade, por desembargadores, desembargadoras, juízes, juízas e serventuários da mais alta qualificação, e que merecem a mais elevada estima do povo paulista, graças à respeitabilidade conquistada pelo profícuo trabalho prestado, não sem hercúleo esforço.
Assim, por tudo o que se viu, o melhor é que o Tribunal julgue o mérito da causa, independentemente de quem for o ganhador. Afinal, é a função jurisdicional na sua forma mais pura: dar o direito a quem de direito.
- Processo: 0000223-21.2023.2.00.0826