STF retomou nesta sexta-feira, 19, julgamento de importante questão trabalhista: os ministros analisam a validade do decreto 2.100/96, de FHC, pelo qual o então presidente da República excluiu o Brasil da Convenção 158 da OIT.
A convenção protege o trabalhador de demissões arbitrárias. Sendo assim, o julgamento pode impactar as demissões sem justa causa.
O julgamento se arrasta há 26 anos e teve sucessivos pedidos de vista. Agora, análise segue em plenário virtual, com encerramento previsto para 26 de maio.
Interessante observar que já há nove votos proferidos, em ao menos três sentidos diversos; houve seis pedidos de vista, e seis ministros não estão mais no STF.
O decreto
Em 20 de dezembro de 1996, o então presidente Fernando Henrique Cardoso tornou público que a Convenção 158 da OIT deixaria de ser cumprida no Brasil por ter sido denunciada por nota do governo brasileiro à Organização Internacional do Trabalho. A denúncia foi registrada em 20 de novembro de 1996.
A convenção trata da demissão sem justa causa no mercado de trabalho. Quando um tratado internacional é firmado, como no caso da Convenção 158 da OIT, os países signatários têm um prazo para ratificar o acordo, e também para contestá-lo.
Ao apresentar uma denúncia, o país denunciante informa e torna público que a partir de uma determinada data aquele tratado deixará de vigorar internamente, ou seja, que houve rompimento.
No STF
Após o decreto, em fevereiro de 1997, a Contag - Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura, acionou o STF buscando obter a declaração de inconstitucionalidade do decreto.
A Contag alegou que a Convenção 158 da OIT foi aprovada e promulgada pelo Congresso e que o governo não poderia processar e deliberar a respeito da denúncia sem que fosse efetivamente discutida.
Além disso, a Confederação argumentou que o ato do governo feriu a Constituição, pois o Poder competente para aprovar tratados normativos é o Congresso, e igualmente competente para aprovar ou referendar a denúncia.
A CUT também entrou com ação questionando o decreto.
Pedidos de vista
A ação começou a ser julgada em 2003, com o voto do relator, ministro Maurício Corrêa, ocasião em que o ministro Nelson Jobim pediu vista.
Em 2006, Jobim proferiu voto-vista e o ministro Joaquim Barbosa pediu vista.
Em 2009, Barbosa deu voto-vista e a ministra Ellen Gracie pediu vista.
Em 2015, a ministra Rosa Weber, sucessora de Ellen, apresentou voto-vista e o ministro Teori Zavascki pediu vista.
Em 2016, quando Teori proferiu seu voto-vista, o ministro Dias Toffoli pediu vista.
Em 2022, a vista foi devolvida por Toffoli e o pedido veio de Gilmar Mendes, que agora devolveu o caso para julgamento.
Votos
Com seis votos já proferidos, há três vertentes diferentes, com dois votos cada.
- Parcialmente procedente
O relator da matéria, ministro Maurício Corrêa, e o ministro Carlos Ayres Britto votaram no sentido de que a ação é procedente em parte. Eles defendem que, assim como o Congresso Nacional ratifica os tratados internacionais, deve ser ele o responsável a questioná-lo. Portanto, a revogação definitiva da eficácia do decreto depende de referendo do Congresso.
Para eles, o decreto presidencial em questão deve ter interpretação conforme o artigo 49, inciso I da Constituição, de forma a condicionar a denúncia da Convenção 158 da OIT ao referendo do Congresso.
- Improcedente
Os ministros Nelson Jobim e Teori Zavaski votaram pela improcedência da ação.
Jobim entendeu que "no sistema constitucional brasileiro, a denúncia de tratado internacional é feita unilateralmente pelo presidente da República, que é o órgão que representa o país na ação".
Teori considerou imprescindível a anuência do Congresso, mas reconheceu a existência de um "senso comum institucional" que justificaria o voto pela improcedência no caso concreto. Em seu voto, incluiu a condição de que futuros tratados que forem denunciados sejam submetidos à análise do Congresso, e que seja discutida possível modulação.
No mesmo sentido votaram Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Para Toffoli, a denúncia pelo presidente da República de tratados internacionais aprovados pelo Congresso não prescinde de aprovação do Congresso para que produza seus efeitos no ordenamento jurídico. Em seu voto, o ministro formulou apelo ao legislador para que elabore disciplina acerca da denúncia de tratados internacionais, a qual preveja a chancela do Congresso como condição para produção dos efeitos.
Gilmar Mendes aderiu à proposta de "voto conciliador" de Teori, e aderiu a tese de Toffoli.
- Procedente
O ministro Joaquim Barbosa e a ministra Rosa Weber votaram pela procedência da ação.
Na avaliação de Joaquim Barbosa, da mesma forma que um acordo internacional, para vigorar no Brasil, precisa ser assinado pelo presidente da República e submetido à ratificação do Congresso Nacional, a extinção desse tratado deve passar pelo mesmo processo. Caso contrário, há violação do texto constitucional, uma vez que o processo legislativo não foi respeitado.
Sucessora de Ellen, a ministra Rosa Weber apresentou voto pela inconstitucionalidade formal do decreto. Seu voto partiu da premissa de que, nos termos da Constituição, leis ordinárias não podem ser revogadas pelo presidente da República, e o decreto que formaliza a adesão do Brasil a um tratado internacional, aprovado e ratificado pelo Congresso, equivale a lei ordinária.
Ministro Ricardo Lewandowski, antes de se aposentar, adiantou o voto e acompanhou integralmente a ministra Rosa Weber.
- Processo: ADIn 1.625