OAB/SP começará a elaborar um protocolo de atuação para orientar a advocacia sobre o que pode configurar o desrespeito às prerrogativas, sob a perspectiva de gênero. O objetivo é implantar políticas afirmativas de reconhecimento e combate a desigualdades - que podem ser de cunho social, político, econômico ou cultural - que mulheres advogadas sofrem no campo profissional.
A iniciativa decorre do diagnóstico de uma pesquisa que apontou que a maioria das advogadas já se sentiu ameaçada no exercício da profissão. Os dados serão exibidos hoje, às 18h, em evento no auditório da sede da OAB/SP, localizado no centro da capital paulista. Confira aqui programação.
A pesquisa "Lawfare de gênero: a necessária e urgente construção de um protocolo para a atuação ética e profissional de integrantes da advocacia sob a perspectiva de gênero, a partir da pesquisa nacional para identificação de casos de violência de gênero contra advogadas em razão do exercício da profissão", é de autoria de Soraia Da Rosa Mendes, Elaine Cristina Pimentel Costa e Isadora Dourado Rocha, da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Alagoas, pelo Grupo de Pesquisa Carmim Feminismo Jurídico.
O estudo tinha como objetivo mensurar as ameaças às mulheres no exercício da advocacia, mas constatou também que as violências de gênero vividas pelas mulheres fora do âmbito jurídico se reproduzem dentro de espaços nos quais elas não deveriam acontecer. Elas são agravadas quando uma mulher advogada assiste uma mulher vítima de violência.
A pesquisa mostrou que dos 191 relatos colhidos, em todos os estados do país, cerca de 80% das advogadas disseram que já se sentiram ameaçadas no exercício da profissão. Para as advogadas ouvidas pelo estudo, em 96,4% dos casos, as violências se deram em razão do seu gênero e/ou de sua cliente.
“No dia a dia dos fóruns e tribunais é cada vez mais visível e frequente a transformação do processo em um instrumento para a continuidade de agressões morais e psicológicas em relação às mulheres em todas as searas (criminal, cível, de família ou de violência doméstica). Contudo, não bastasse a gravidade deste fenômeno em relação às vítimas diretas, também as advogadas passaram a ser alvo de violências, muito especialmente quando se dedicam à defesa de mulheres em uma advocacia de perspectiva feminista”, diz trecho destacado da pesquisa.
Para a presidente da OAB/SP, Patricia Vanzolini, que tem como uma das principais pautas da gestão o combate à desigualdade de gênero e raça, a pesquisa mostra que as mulheres são constantemente impedidas de exercer plenamente sua profissão.
“A pesquisa é um diagnóstico da realidade vivida pela mulher advogada no país, que possui condições diferentes em cada região, porém estão permeadas pelo mesmo desrespeito às prerrogativas da advocacia, sob a perspectiva de gênero que afeta mulheres cis e trans, mulheres negras e a advocacia LGBTQIA+.”
Dados da pesquisa
O estudo que consolidou os relatos de quase 200 mulheres advogadas em todo o país apontou também que em 35% dos casos as violências sofridas foram sistemáticas, e não apenas pontuais. Em 65% dos casos, o agressor era advogado do polo oposto, e ocorreram na maioria das vezes durante audiências e até mesmo escritas nos autos dos processos.
Para 83% das advogadas entrevistadas, a violência sofrida poderia ser caracterizada como violação de sua prerrogativa, de livre exercício da advocacia. O maior problema, segundo a
pesquisa, é que 77% destas advogadas são autônomas, sem um escritório para respaldá-las e/ou atendê-las, caso seja necessário.
Outro dado que chama atenção é que a maioria destas advogadas atuam em questões relacionadas ao direito das famílias, seguidas de direito civil, violência doméstica e familiar, na advocacia criminal e, por último, direito trabalhista. Entender que existem desigualdades que podem trazer impactos que podem configurar inclusive essas situações violentas, e por isso a pesquisa e por isso elaborar editar o protocolo.
O protocolo
“A violação das prerrogativas também pode ser identificada como uma forma de expressão de violência de gênero”, destaca a presidente da OAB SP. Desta forma, a partir dos direcionamentos da pesquisa, a Secional tem como objetivo construir um protocolo de atuação frente às violências sofridas pelas mulheres no exercício da advocacia.
A partir da divulgação da pesquisa, a iniciativa tem o início de seu desenvolvimento, que é um dos próximos passos da atual gestão da Ordem paulista. A OAB SP pretende elaborar, aprovar e implementar o protocolo ao longo de 2023, que também será compartilhado com juízes, promotores e demais entes do sistema de Justiça.
Para Patricia Vanzolini, “a iniciativa parte da perspectiva de que precisamos mudar esse olhar. Para além de punir, é preciso conscientizar a advocacia da própria desigualdade de gênero e violação de prerrogativas, além de trabalhar por mudanças efetivas que tragam às advogadas o respeito que lhes é direito.”.
Histórico
A entidade vem atuando dentro das metas da gestão de reduzir a desigualdade de gênero e raça, bem como na maior proteção às prerrogativas da mulher advogada. Em janeiro deste ano, após denúncias de advogadas de discriminação de gênero dentro de unidades prisionais, a OAB SP se reuniu com o novo secretário da SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), Marcello Streifinger, para abordar o tema. Após a reunião, foi aberto um grupo de diálogo, com encontros permanentes entre a secional paulista e a SAP para melhoria do atendimento aos advogados e advogadas nos presídios.
A OAB SP também possui um canal aberto para denúncias de assédio sexual chamado Advocacia Sem Assédio, no qual advogadas serão acolhidas e orientadas em como proceder nestes casos. As denúncias podem ser feitas pelo email advocaciasemassedio@relatoconfidencial.com.br ou pelo telefone 0800-721-9146.
Confira aqui a íntegra da pesquisa.