Burnout não é doença, e classificá-lo desta forma é o maior desserviço à medicina e aos pacientes. É essa a opinião do psiquiatra Estevam Vaz de Lima, que atua como médico assistente e perito no TRT da 2ª região.
Em entrevista concedida ao Migalhas, o médico destaca que houve, inicialmente, um uso informal da noção de burnout, o qual existe desde as décadas de 70, 80, e se iniciou como uma gíria.
Diferente é a situação quando a palavra é usada como uma doença. Neste caso, na avaliação do especialista, o conceito é perigoso e prejudicial, visto que pode "carregar consigo" vários diagnósticos psiquiátricos, impedindo tratamento adequado por parte do paciente.
Vaz de Lima diz que há pelo menos oito argumentos capazes de refutarem a hipótese da classificação como doença. "Quando você se debruça sobre os conceitos para ver que doença é essa, você começa a encontrar aspectos que são realmente insustentáveis como uma doença, como uma 'entidade clínica'."
Assista:
Questionário
Vaz de Lima explica que o diagnóstico de burnout é feito a partir de um questionário chamado MBI, que, explicado muito sinteticamente, é um conjunto de 22 perguntas relacionadas a experiências desagradáveis com o trabalho. Mas, segundo Estevam, o questionário acaba por identificar o burnout em todo e qualquer respondedor, ou em grau mais leve, ou mais severo.
“Mesmo que você sinta-se sobrecarregada de trabalho uma vez no ano, você vai ser considerada em burnout leve. Mesmo que você indique 'nunca' nos quesitos do MBI, mesmo assim você vai ser considerada em burnout leve pelo simples fato de estar trabalhando."
Estevam explica que, por fazer um diagnóstico muito amplo e genérico, o burnout acaba carregando consigo cerca de 30 diagnósticos psiquiátricos diferentes.
E qual o problema disso? Ele dá um exemplo: um médico sofre de depressão grave, com risco de suicídio. Se ele responder ao MBI, vai ser diagnosticado com burnout grave. Esta seria uma grave omissão, que impediria o homem de tratar devidamente a depressão.
Segundo Lima, é muito comum, em casos de exaustão pelo trabalho, a recomendação de mindfullness, yoga e prática de exercícios físicos, por exemplo. "Essa é a última coisa que você deve recomendar a uma pessoa com depressão grave com risco de suicídio. Na verdade, vai aumentar o risco."
Para o médico, a confusão se dá porque o burnout foi inserido em uma CID – sigla para Classificação Internacional de Doenças. Ele explica que nem tudo o que está na CID é doença, e afirma que, no dia seguinte ao anúncio da CID 11 em uma coletiva de imprensa, a OMS publicou em uma página oficial uma declaração de que burnout não é doença.
Em um texto publicado em 28 de maio de 2019 em seu site oficial, a OMS diz expressamente: "It is not classified as a medical condition", ou, “não é classificada como condição médica”. Em verdade, burnout está na lista de itens que influenciam o estado de saúde ou o contato com serviços de saúde, mas que não são classificados como doença.
Os sintomas são: sentimentos de esgotamento ou exaustão de energia; aumento da distância mental do trabalho, ou sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados ao trabalho; e eficácia profissional reduzida.
Ministério do Trabalho
Além disso, muito antes da OMS, a legislação brasileira incluiu o burnout na lista de doenças do Ministério do Trabalho. Em texto publicado em novembro de 2020 no site do ministério diz: “A principal causa da doença é justamente o excesso de trabalho".
“A visão legal vai de encontro à postura formal da OMS. Isso levanta um problema sério, por exemplo, em perícias médicas. Como o perito vai diagnosticar burnout quando a referência internacionalmente aceita para isso diz que não é doença?”
Para o médico, o burnout ainda deve ficar muito tempo "por aí", mas, em algum momento, acredita que o tema terá de ser resolvido.