Migalhas Quentes

Juíza concede HC de ofício e tranca inquérito em audiência de custódia

Magistrada desclassificou a conduta de tráfico para porte de drogas para consumo e, em seguida, declarou a inconstitucionalidade do art. 28 da lei de drogas.

19/7/2022

A juíza de Direito Rosália Guimarães Sarmento, de Manaus/AM, em audiência de custódia, desclassificou conduta classificada no auto de prisão em flagrante como tráfico para porte de drogas para consumo e, em seguida, declarou a inconstitucionalidade do art. 28 da lei de drogas, relaxando a prisão em flagrante e concedendo habeas corpus de ofício para trancar o inquérito policial.

Na decisão, a magistrada destacou que, em sede de audiência de custódia, não se julga o mérito, "mas disso não se deduz que esteja o juiz da custódia amarrado a uma definição jurídica provisória em evidente excesso, capaz de causar prejuízos de monta ao custodiado".

Ao Migalhas, a juíza ressaltou que a decisão reflete o juiz de garantia funcionando como um filtro efetivo a respeito do que deve ou não ser distribuído para as varas criminais comuns ou especializadas.

"É a fixação da diretriz pela qual o juiz de custódia não deve ser visto como mero chancelador burocrático, mas como garantidor dos direitos fundamentais das pessoas que são apresentadas em audiência de custódia."

Juíza converte tráfico em porte e concede HC de ofício em audiência de custódia.(Imagem: iStock)

Caso

No caso, o paciente foi preso e conduzido à delegacia por ser abordado com 0,70g de cocaína. O denunciado, porém, nega qualquer relação com a droga apreendida e não possui registro criminal em sua folha de antecedentes.

Para a magistrada, a negativa do custodiado, aliada à contradição entre o que disseram as testemunhas (policiais) e o que consta do boletim de ocorrência seria suficiente para, no julgamento do mérito, absolver-se o flagranteado, com base no princípio do in dubio pro reo.

"Além disso, a ínfima/ pequena quantidade de droga apreendida (0,70g de cocaína), aliada a inexistência de qualquer evidência, mesmo que distante, de traficância, permite (e mesmo recomenda), desde já, a desclassificação da conduta praticada pelo custodiado para aquela descrita no art. 28 da lei de drogas (destinação de consumo pessoal)."

Juiz de custódia

Segundo Rosália, o juiz da custódia não só pode, como deve fazer a adequação da classificação jurídica da conduta em tese praticada pela pessoa que lhe é apresentada em audiência, "porque o papel desse magistrado é exatamente ser esse filtro, esse garantidor dos direitos fundamentais".

Ela explicou que a competência para processar e julgar o crime de porte/posse ilegal de drogas é do Juizado Especial Criminal, enquanto a competência para julgar crime de tráfico de drogas é do Juízo da vara Especializada em Crimes de Uso e Tráfico de Entorpecentes.

Para a magistrada, todavia, o que ocorre na prática, é que a tarefa de apontar quem seja a autoridade competente, pelo menos nos crimes relacionados à lei 11.343/06, tem sido tacitamente delegada à autoridade policial que, ao receber os flagranteados das mãos dos policiais militares, lavram autos de prisão em flagrante nos exatos termos do que lhe foi dito pelos policiais, sem maiores análises, "produzindo um montante considerável de feitos que, se melhor analisados, certamente poderiam ser enquadrados no art. 28 da lei de drogas".

Inconstitucionalidade

Seguindo o mesmo entendimento do ministro Gilmar Mendes, do STF, no RE 635.659, a magistrada declarou a inconstitucionalidade do artigo 28 que diz respeito aos efeitos penais do mesmo artigo.

A magistrada explicou que o art. 28 da lei 11.343/06 (porte ou posse de drogas para consumo pessoal) descreve cinco condutas que, igualmente, estão previstas no crime descrito no art. 33 (tráfico de drogas) da mesma lei de drogas.

A juíza ressaltou que os núcleos do tipo que consubstanciam o delito, quando se trata do crime de porte/posse de droga para consumo pessoal, estão inteiramente abrangidos pelas condutas descritas no crime de tráfico de drogas, sendo que, neste último delito, o legislador incluiu, ao todo, 18 comportamentos que, em tese, podem caracterizar a consumação do crime.

"Resta evidente, portanto, que o artigo 28 da lei 11.343/06 por descrever conduta idêntica àquela prevista no artigo 33 da mesma lei penal (trazer consigo substância entorpecente) é violadora do princípio da proporcionalidade porque configuradora de situação obscura que dificulta, quando não inviabiliza, a distinção pretendida pelo legislador entre a figura do traficante e a do usuário."

Diante das razões elencadas, a magistrada declarou a inconstitucionalidade do art. 28 da lei de drogas, de modo a afastar do dispositivo legal os efeitos jurídico-penais dele decorrentes que poderiam alcançar o custodiado.

Ao considerar a inexistência de delito subsistente, a magistrada concedeu, de ofício, ordem de habeas corpus para determinar o trancamento total do inquérito policial instaurado a partir do auto de prisão em flagrante e todas as medidas determinadas e de todos os procedimentos investigatórios determinados a partir da sua existência, em razão da atipicidade da conduta atribuída ao custodiado.

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