Migalhas Quentes

Gilberto Giusti explica "dever de revelação" na arbitragem

Reconhecido como uma sumidade na área, Giusti destaca a importância da escolha do árbitro para o sucesso do processo.

19/7/2022

O sucesso da arbitragem depende do extremo cuidado e zelo de todos os envolvidos: partes, advogados, árbitros, instituições e auxiliares. Dentre as etapas do processo, destaca-se a escolha do árbitro que, a teor do art. 13 da lei de arbitragem, deve necessariamente ter a confiança das partes.

Segundo o próprio texto da lei, espera-se do árbitro a imparcialidade, independência, competência, diligência e discrição. E, para que as partes possam avaliar se o indicado desfruta desses atributos, é necessário que tenha conhecimento de qualquer informação relevante para a avaliação acerca de sua imparcialidade e independência.

Daí decorre o dever de revelação do árbitro, previsto no art. 14, § 1º da lei de arbitragem:

Art. 14. Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no Código de Processo Civil.

§ 1º As pessoas indicadas para funcionar como árbitro têm o dever de revelar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência.

Quem explica o tema é o advogado e especialista em arbitragem Gilberto Giusti, coordenador da área de arbitragem do escritório Pinheiro Neto Advogados; membro do Conselho Consultivo da American Arbitration Association (AAA) e ex- membro da Corte Permanente da London Court of International Arbitration – LCIA.

Dever de revelação

Giusti pontua que os indicados a árbitro devem revelar qualquer fato que denote dúvida quanto a sua imparcialidade. Para ele, o artigo 14 não deixa dúvidas de que ao árbitro e ao juiz aplica-se o mesmo tratamento no tocante à suspeição e ao impedimento.

"Estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes, aplicando-se-lhes, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades, conforme previsto no CPC."

Todavia, o advogado assinala que nem sempre é possível fazer uma equivalência absoluta entre os deveres e responsabilidade do juiz e do árbitro. Isto porque a arbitragem rege-se por princípios próprios, "que encontram guarida no basilar princípio da autonomia da vontade das partes”. Aos árbitros impõem-se atribuições até mais amplas, como a da disponibilidade.

Impedimento

No caso de impedimento, não só pode como deve o árbitro declinar da indicação, afirma Giusti. 

"Em caso que possa configurar suspeição, deve a parte 'arguir a respectiva exceção diretamente ao árbitro ou ao presidente do tribunal arbitral, deduzindo suas razões e apresentando as provas pertinentes' (Lei de Arbitragem, Art. 15)."

Segundo o advogado, se a exceção não é acolhida no âmbito do próprio tribunal arbitral, em geral a parte pode requerer a formação de um comitê especial, indicado de acordo com o regulamento institucional de arbitragem adotado, que apreciará o pedido, nesse estágio normalmente referido como "impugnação".

Violação ao dever de revelação - Crime? 

Pode configurar crime o árbitro não declarar-se suspeito? A resposta simples e objetiva do causídico para a questão é "não". Tal se dá porque não há qualquer tipo penal específico em que possa incorrer o árbitro que viole seu dever de revelação, subtraindo informação relevante sobre seu impedimento ou suspeição.

Mas o advogado observa que, embora muito improvável e excepcional, não se pode descartar a possibilidade de a violação do dever de revelação implicar responsabilização criminal do árbitro nos casos em que a falta de informação envolver um ilícito penal, como, por exemplo, falsidade documental.

"Nessa hipótese, não se trata de uma falha per se do dever de revelação que, repita-se, não configura crime, mas sim da configuração da autoria e materialidade de um crime daí decorrente."

Já a responsabilização civil pela violação do dever de revelação, explica o especialista, seja por subtração de informação relevante na fase de formação da jurisdição ou no decurso do procedimento arbitral, na modalidade subjetiva, é possível, "devendo ser auferida caso a caso".

Escolha do árbitro

Gilberto Giusti explica que quem elege a forma como se dá a escolha do árbitro ou árbitros são as próprias partes, ao negociar e firmar a convenção de arbitragem.

"É importante, portanto, sempre lembrar que as partes podem, sim, estabelecer a forma de escolha e impugnação dos árbitros que mais lhes parecer conveniente já na cláusula compromissória, desde que, obviamente, não torne o compromisso de arbitrar inválido."

O que se vê na prática, porém, são cláusulas compromissórias que preveem o mínimo necessário para garantir sua eficácia, reportando-se, no mais, ao regulamento da instituição arbitral acordada para administrar o procedimento. "Os regulamentos das principais instituições, por sua vez, em geral são bastante eficientes e contêm regras apropriadas para a escolha dos árbitros."

"Sem prejuízo, ainda se espera das instituições arbitrais maior objetividade e clareza no regramento justamente do dever de revelação daquele que é indicado para atuar como árbitro, não apenas aprimoramento os mecanismos que garantam que todas as informações efetivamente relevantes cheguem ao conhecimento das partes, como também inibindo impugnações abusivas que buscam apenas retardar o procedimento."

Mudanças na lei?

Por fim, o advogado ressalta que, neste momento, não há necessidade de alteração na lei, a qual caminha para seus 26 anos.

Gilberto Giusti explica que as duas primeiras décadas da prática da arbitragem sob o ordenamento da lei apontaram questões importantes, e que ajustes legislativos necessários foram feitos em 2015.

“Essa importante revisão e atualização da Lei de Arbitragem, em conjunto com o amadurecimento da jurisprudência de nossos tribunais e do aperfeiçoamento dos regulamentos das câmaras arbitrais, fornecem aos jurisdicionados, hoje, a segurança necessária para adoção da arbitragem em nosso país.”

Ele lembra que o próprio sucesso e a ampliação da prática no Brasil trouxeram novas questões, as quais precisam ser constantemente debatidas e aprimoradas, entre elas a própria discussão sobre extensão do dever de revelação dos árbitros. Todas as questões apontadas pelo causídico, porém, já encontram supedâneo legal, regulamentar e jurisprudencial suficiente para que sejam pacificadas. 

“Alterações legislativas desnecessárias, principalmente quando fruto de iniciativas de grupos isolados e que não envolvam – a exemplo do que exitosamente ocorreu na reforma de 2015 - a comunidade jurídica só servem para fulminar esse princípio basilar e, consequentemente, a própria essência da arbitragem como método eficiente de solução extrajudicial de conflitos."

________

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Leia mais

Migalhas Quentes

Para professor, lei de arbitragem não comporta alteração significativa

19/7/2022
Migalhas Quentes

Parlamentares querem acelerar PL que altera arbitragem no Brasil

12/7/2022
Migalhas Quentes

TJ/SP anula arbitragem por omissão de “suspeição” de um dos árbitros

12/5/2022
Migalhas Quentes

Arbitragem: AGU define critérios para escolha de árbitro pela União

9/3/2022
Arbitragem Legal

25 anos da Lei de Arbitragem: O exemplo do sucesso brasileiro

28/9/2021

Notícias Mais Lidas

Juíza compara preposto contratado a ator e declara confissão de empresa

18/11/2024

Escritórios demitem estudantes da PUC após ofensas a cotistas da USP

18/11/2024

PF prende envolvidos em plano para matar Lula, Alckmin e Moraes

19/11/2024

Moraes torna pública decisão contra militares que tramaram sua morte

19/11/2024

TRT-15 mantém condenação aos Correios por burnout de advogado

18/11/2024

Artigos Mais Lidos

ITBI na integralização de bens imóveis e sua importância para o planejamento patrimonial

19/11/2024

Cláusulas restritivas nas doações de imóveis

19/11/2024

Quais cuidados devo observar ao comprar um negócio?

19/11/2024

Estabilidade dos servidores públicos: O que é e vai ou não acabar?

19/11/2024

A relativização do princípio da legalidade tributária na temática da sub-rogação no Funrural – ADIn 4395

19/11/2024