A CCJ do Senado aprovou na quarta-feira, 6, o projeto de lei 2.325/21, que proíbe o uso da tese da "legítima defesa da honra" como argumento para a absolvição de acusados de feminicídio.
O texto também exclui os atenuantes e redutores de pena relacionados à "forte emoção" no caso de crimes contra as mulheres. Se não houver recurso para votação em plenário, a proposta, de autoria da senadora Zenaide Maia e relatada pelo senador Alexandre Silveira, segue diretamente para análise da Câmara.
Proposta
O PL altera o Código Penal para excluir os atenuantes e redutores de pena relacionados à violenta emoção e à defesa de valor moral ou social nos crimes de violência doméstica e familiar. Em outra mudança, dessa vez no Código de Processo Penal, a proposta proíbe o uso da tese de legítima defesa da honra como argumento pela absolvição no julgamento de acusados de feminicídio pelo tribunal do júri.
A partir do texto inicial apresentado, o Código Penal ganha os seguintes acréscimos (sublinhados):
Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena:
III - ter o agente:
a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
exceto quando se tratar:
1. do crime de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006;
2. de feminicídio.
Art. 121.
Caso de diminuição de pena
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço,
exceto em caso de crime de violência doméstica e familiar, nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, e de feminicídio.
Já o Código de Processo Penal passaria a ter a seguinte redação:
Art. 483.
§ 7º Não será admitida na quesitação do inciso III do caput deste artigo a tese da legítima defesa da honra.
Inconstitucional
O STF já havia decidido, em 2021, pela inconstitucionalidade desses dispositivos no Código Penal. A Corte, por unanimidade, firmou entendimento de que a tese da legítima defesa da honra viola os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana, da proteção à vida e da igualdade de gênero. Decisão se deu na ADPF 779.
Mas, para Zenaide Maia, era preciso que o legislador também garantisse isso no texto da lei.
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Feminicídio – Números
Quase dois mil casos de feminicídio e de tentativa de assassinato de mulheres foram levados a julgamento em 2021, um aumento de 193% em relação a 2020, quando foram realizados 638 tribunais de júri no país. Os números foram apresentados pelo CNJ por meio do Painel de Monitoramento da Política Judiciária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres.
As informações retratam a realidade dos últimos dois anos – 2020 e 2021, quando tramitaram 1,1 milhão e 1,3 milhão de processos de violência doméstica na Justiça, respectivamente. O estoque de processos em feminicídio em 2020 estava em 5 mil processos e, em 2021, 6 mil.
Segundo o CNJ, os tribunais de Júri foram muito afetados pela suspenção do trabalho presencial nas unidades judiciárias, determinado para evitar a transmissão da pandemia da covid-19, o que também pode ter contribuído para o aumento substancial no número. Mas o órgão também aponta que o aumento no número de casos na Justiça reflete o recrudescimento da violência durante o primeiro ano do isolamento social.
"Ultrapassada"
O relator do texto na CCJ do Senado, Alexandre Silveira, afirmou que a tese é “ultrapassada e não se concilia com os valores e direitos vigentes na nossa Constituição”.
Ele lembrou que, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2021, só em 2020 foram registrados 1.350 feminicídios e 230.160 casos de lesão corporal em contexto de violência doméstica e familiar. Nesse período foram concedidas pelos tribunais de Justiça 294.440 medidas protetivas de urgência.
“Esse quadro revela, portanto, que a violência contra as mulheres é um problema atual e de enorme gravidade.”
Para a autora, senadora, Zenaide Maia, a tese da "legítima defesa da honra" faz com que a vítima seja apontada como a responsável pelas agressões sofridas e por sua própria morte, enquanto seu acusado é transformado em “heróico defensor de valores supostamente legítimos”.
“Apesar do repúdio crescente da sociedade a essas práticas, ainda somos surpreendidos com a apresentação de teses obsoletas nos tribunais do país. Argumentos que buscam justificar a violência contra a mulher, inclusive o feminicídio, como atos relacionados à defesa de valores morais subjetivos.”
Caso Doca Street
A crítica à tese da "legítima defesa da honra" nasceu a partir do julgamento, em 1979, de Doca Street, que três anos antes havia assassinado sua namorada, Angela Diniz, com quatro tiros na cabeça, em suas férias em Búzios/RJ.
À Justiça, Doca alegou crime passional; apontou Angela como pessoa promíscua, e disse que agiu pela preservação de sua honra.
A tese "colou" e ele foi condenado a dois anos, cumpridos em liberdade. Diz-se, ainda, que foi aplaudido ao deixar o Fórum após receber a sentença.
- Relembre o caso aqui.
A tese da defesa de Street passou a ser muito usada em situações semelhantes pelo país. E, ainda que tal tese já não seja considerada válida pela Justiça, é comum que a defesa do acusado de feminicídio procure levar o Tribunal do Júri a desconsiderar a vítima, vilificando seu comportamento, e utilize o argumento da "violenta emoção" para diminuir a pena do assassino.
- Tramitação: PL 2.325