Migalhas Quentes

Lançamento da obra "Direito, Arte e Indústria"

O livro aponta dificuldades da Justiça para diferenciar bem industrial e obra de arte, um debate que já dura 100 anos e desafia o mundo 5G.

30/3/2022

A obra "Direito, Arte e Indústria: o problema da divisão da propriedade intelectual na economia criativa", de autoria do advogado Luiz Guilherme Valente será lançada, amanhã, às 19h, em SP, na sede do escritório Baptista Luz Advogados, na Vila Olímpia.

O evento contará com um debate mediado pelo autor, com as participações de especialistas nacionais no assunto, como o professor de Direito Comercial da USP Carlos Portugal Gouvêia e a advogada Vanessa Pirró, mestre em Direito Comercial pela PUC-SP e especialista em Propriedade Intelectual, que representa empresas das áreas de inovação, entretenimento e tecnologia.

(Imagem: Arte Migalhas)

Elaborados pelo homem, os algoritmos determinam o que os computadores devem produzir, de texto, como os pareceres jurídicos padrão, até obras de arte. Exemplo contemporâneo dessa interação rendeu ao artista alemão Mario Klingemann o Prêmio Lumen de Fotografia, em reconhecimento ao valor artístico de uma obra construída com auxílio da tecnologia. Mas o affair é antigo. O big bang desse debate se deu em 1919, quando Marcel Duchamp expôs um mictório num concurso (ainda que de forma irônica) aberto à apresentação de obras originais. Pois lá estava seu vaso sanitário, com assinatura de Duchamp – e o registro do ano que ficaria para a história da arte.

Décadas depois, escolas de arte de vanguarda, como a Bauhaus, propuseram uma nova estética, aplicável não só às pinturas e esculturas, mas também a itens do dia a dia, como móveis, essa linha entre o artístico e o industrial se tornou difusa. Um passo ainda maior na simbiose arte/indústria ocorreu quando artistas, entre eles o ícone Andy Warhol, passaram a produzir em massa, incorporando nas suas telas elementos banais do cotidiano como uma lata de Sopa Campbell (que é, diga-se de passagem, protegida por uma marca). Então, separar o que é arte do que é indústria passou a ser um exercício hercúleo.

Agora, em tempos de 5G e na antessala do metaverso, que promete uma sociedade mediada por interações virtuais, os debates, antes filosóficos e acadêmicos, chegaram aos tribunais. De um lado, em torno do que se entende por arte, que vale a competência incomensurável do criador. De outro, quando se tem um caso qualificado como propriedade industrial, as considerações judiciais giram em torno da patente, carimbada pelo fabricante – não necessariamente o “dono” da ideia que levou ao produto.

A definição desse conceito, do ponto de vista jurídico, é importante a começar de um aspecto prático: no Brasil, as regras para propriedade industrial — responsável por regular as marcas, patentes de invenção e desenhos industriais, por exemplo — são diferentes das de direitos autorais, que protegem produções artísticas, como livros, pinturas e músicas.

Segundo Luiz Guilherme Valente, as definições mais comuns a esse respeito estão obsoletas, e devem considerar um contexto mais abrangente do que pragmatismo arte X indústria. É a conclusão a que chega em sua tese de doutorado defendida na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e que será lançada, no próximo dia 31, sob o título “Direito, Arte e Indústria: o problema da divisão da propriedade intelectual na economia criativa”.

Para ilustrar que essa diferenciação, na prática, é ultrapassada, Luiz Guilherme Valente lembra de um exemplo de 2016, quando o TJ/SP reconheceu que a bolsa Birkin, fabricada pela grife francesa Hermés, teria dupla proteção: seria uma criação artística original coberta pela Lei de Direitos Autorais, independentemente de uma possível cumulação de registro de marca ou desenho industrial.

Foi o mesmo que decidiu, este ano, o Tribunal de Primeira Instância de Milão, na Itália. A Justiça deu vitória à grife francesa Longchamp numa ação contra empresa que replicava suas famosas bolsas. A corte entendeu que um artigo do gênero poderia ser protegido tanto por direitos autorais quanto por registro de marca.

Segundo Luiz Guilherme Valente, o debate remete a possibilidades de proteção jurídica muito diferentes entre si, sendo os direitos autorais, de certo modo, mais abrangentes. Isso porque são garantidos por prazos muito superiores (em regra, 70 anos após o ano seguinte à morte do autor) aos concedidos às patentes de invenção (20 anos) e aos desenhos industriais (10 anos, podendo ser estendidos por mais 3 períodos de 5 anos cada). 

Também, os direitos autorais independem de registro, diferentemente do que ocorre com as marcas e demais tipos de propriedade industrial. Mais ainda: a lei garante aos criadores das obras artísticas verdadeiros direitos morais, que não podem ser cedidos ou renunciados — como, por exemplo, ser creditado como autor e se opor a modificações da obra que afetem sua reputação ou honra. O fato de os direitos autorais concederem mais prerrogativas que a propriedade industrial motiva empresas de diferentes setores, como a moda, a pleitearem a proteção por esse regime, seja de forma cumulativa ou alternativa às marcas, patentes e desenhos industriais.

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