Violência obstétrica - você conhece esse termo? O caso da influenciadora digital Shantal Verdelho deu luzes a um assunto grave, e que é de desconhecimento de muita gente: a violência sofrida por mulheres no momento do parto.
Shantal deu à luz sua filha em setembro do ano passado e esperava ter um parto humanizado. Mas o sonho virou pesadelo quando seu obstetra, Renato Kalil falou vários palavrões durante o parto, expôs sua intimidade ao marido e insistiu em procedimentos que ela escolheu não realizar.
Embora não seja tipificada criminalmente, a violência obstétrica pode, sim, ter consequências penais. Quem explica é o advogado da influenciadora, Sergei Cobra Arbex (Zulaiê Cobra Ribeiro Sociedade Advogados).
O termo "violência obstétrica" vem sendo entendido como qualquer violência física, moral ou psicológica praticada contra mulheres no momento do parto e pós-parto.
Sergei Cobra conta que os relatos que recebe de todo o Brasil sobre o tema são escabrosos. “O Brasil inteiro parou para analisar esse caso." O advogado explica que uma série de ações por parte da equipe médica podem ser consideradas crimes: lesão corporal, violência verbal, humilhação ou constrangimento.
Além de situações claras de abuso como xingamentos, se enquadra também em violência obstétrica a realização de procedimentos desnecessários ou não autorizados pela gestante.
O caso de Shantal não é uma exceção. A maior pesquisa nacional sobre parto, a Nascer no Brasil, da Fiocruz, realizada entre 2011 e 2012 com 24 mil mulheres, mostrou que 45% das gestantes que tiveram seus filhos no SUS relatavam maus-tratos. Na rede privada, o índice é de 30%. Os dados foram publicados pelo jornal O Globo.
O advogado pontua uma característica fundamental desse tipo de ação: a vulnerabilidade da mulher.
“A pessoa está lá exposta, muitas vezes em posição ginecológica, e sob a administração de um médico que tem um poder natural. Ela não tem condição de reagir, de avaliar. A mulher está ali para ter um filho, com as pernas abertas, e tendo que se defender."
Legislação
Desde que descobre a gravidez, a gestante tem direito ao atendimento pré-natal, o que é garantido pela lei 9.263/96. A mesma norma prevê a assistência ao parto, puerpério e ao neonato.
Já a lei 11.108/05 garante às parturientes o direito à presença de um acompanhante durante o parto e pós-parto imediato, um avanço sobre a proteção da mulher e contra violência às parturientes.
Também dispondo sobre o tema, a lei 11.634/07 diz que toda gestante tem direito ao conhecimento e a vinculação à maternidade onde receberá assistência.
Mas é em âmbito estadual e municipal que as leis parecem estar mais avançadas. Veja alguns exemplos:
No Paraná, a lei 20.127/20 dispõe sobre a implementação de medidas de informação e proteção à gestante contra violência obstétrica.
Em Curitiba, a lei 14.824/16 regulamenta a presença de doulas nas maternidades e casas de parto.
Em sentido semelhante, a lei 21.078/21, de Goiás, permite a presença de doulas, além do acompanhante, durante o parto.
A lei 7.314/16, do RJ, permite a presença de doulas e de acompanhante. No mesmo estado, a lei 9.238/21, assegura a toda gestante assistência humanizada durante parto, a realização de plano de parto e a prevenção da violência obstétrica.
No Estado de São Paulo, a lei 17.431/21 dispõe, na seção XXII, sobre o direito ao parto humanizado, com atendimento que não comprometa a segurança do processo e a saúde de mãe e bebê. Segundo a norma, o atendimento só deve adotar procedimentos avaliados pela OMS e deve ser garantido à gestante o direito de optar pelos procedimentos eletivos que lhe causem mais conforto. O texto dispõe ainda sobre a elaboração de um plano de parto, no qual a gestante deve indicar suas preferências relacionadas ao parto.
A lei 18.322/22, de Santa Catarina, dispõe em seu capítulo V sobre violência obstétrica e prevê a implantação de medidas de informação e proteção à gestante e parturiente contra a prática.
Lacuna
Depois de assistir aos vídeos de seu parto, e se dando conta do que havia sofrido, a influenciadora Shantal Verdelho buscou a Justiça e processa criminalmente o médico Renato Kalil. A defesa da influencer também pediu ao Cremesp, conselho de medicina de SP, a suspensão do médico enquanto estiver em curso a investigação policial, com o objetivo de "evitar novas vítimas".
O advogado Sergei Cobra destacou a importância da publicidade de casos como esse em busca de mudanças na saúde e na humanização do parto no Brasil. Para ele, há uma lacuna na legislação.
“Eu sou contra essa fúria legiferante no Brasil para a criação de leis novas. Mas nesse caso, não. Nesse caso tenho consciência, nos meus 25 anos de advocacia, de que se trata de uma lacuna a ser preenchida mesmo. Pelos relatos, por tudo o que eu tenho visto Brasil afora, pela arrogância de muitos médicos, de muita gente ligada à saúde. (...) Eu tenho certeza absoluta que essa legislação precisa ser feita, que vai conscientizar os órgãos de controle, pra que a gente possa de uma vez por todas ter respeito pela mulher, ainda mais nesse momento que é o de trazer um ser humano à vida. Tenho certeza que esse será um caso paradigma e que vai mudar a estrutura da saúde no brasil, principalmente nessa questão da humanização do parto."