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Racismo reverso: A imprensa deve dar palco para esse debate?

Artigo publicado pelo jornal Folha de S.Paulo levantou uma onda de discussão por dizer que brancos podem, sim, sofrer racismo de pessoas pretas. Um veículo de comunicação pode, ou não, publicar esse tipo de opinião?

19/1/2022

Existe um questionamento popular que diz o seguinte: “não dar palco pra maluco faz o maluco desaparecer?”. Pode soar estranho, mas essa frase diz muito sobre o que vive o Brasil no que se refere a assuntos polêmicos na imprensa. A bola da vez é o racismo reverso.

No último sábado, 15, foi publicado no jornal Folha de S.Paulo o artigo “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”, escrito pelo romancista e antropólogo Antonio Risério. No extenso texto, o autor tenta convencer o leitor de que o racismo sofrido por brancos é tão ou mais real do que aqueles que sofrem os pretos.

O resultado da publicação? Um tremendo barulho na imprensa e nas redes sociais, por parte de outros jornalistas, estudiosos, artistas, advogados etc. Muitas opiniões contra e a favor ao que disse Risério.

Não é pra menos – um dos jornais mais importantes do país deu palco para uma opinião que coloca em xeque os três séculos de escravidão no Brasil. O artigo de Risério na Folha levanta, então, um debate quase que epistemológico sobre o jornalismo: a imprensa deve publicar esse tipo conteúdo? Se sim, como dever ser o tratamento? Estamos a tratar dos limites (ou da falta deles) na imprensa brasileira.

Existe racismo reverso? Assunto volta a ser debatido pela sociedade(Imagem: Freepik)

Depende do maluco

Já faz algum tempo que os maiores veículos de comunicação do país não publicam sobre assuntos já esgotados (terra plana e eficácia da vacina, por exemplo). São temas que não têm vez e nem palco (ou não deveriam ter) na imprensa brasileira em razão de inúmeras comprovações científicas sobre o tema. Não há o que argumentar.

Não há também o que argumentar sobre o racismo - é crime. Ponto final, sem vírgulas: pessoas negras não são inferiores às brancas. Acontece que, em razão de uma narrativa estrutural, séculos se passaram até que essa prática criminosa fosse tratada como tal. 

Daí vêm os desafios da comunicação: dar palco para o “racismo reverso”, por meio de um artigo, não seria fazer a sociedade caminhar para trás?

Um dos posicionamentos mais expressivos sobre o artigo de Risério foi o dos jornalistas da própria Folha de S.Paulo em uma carta aberta. No texto, eles dizem que o veículo de comunicação deveria reavaliar como o tema racismo é abordado no jornal. Elez afirmam, ainda, que a Folha não costuma publicar apologistas da ditadura, terraplanistas e representantes do movimento antivacina”.

E, por fim, os jornalistas questionam: “por que, então, a prática seria outra quando o tema é o racismo no Brasil?”

Os dois lados

Um dos pilares do jornalismo é o “ouvir os dois lados da história”. Na busca da “imparcialidade”, faculdades de comunicação batem na tecla de que o jornal deve dar abertura para todos os lados da história e não ouvir um em detrimento de outro.

E foi o que, aparentemente, a Folha diz ter feito: ao passo que publicou o artigo de Antonio Risério, também publicou, por exemplo, o texto ácido de Gregório Duvivier, que adjetivou Risério de “irrisório e risível”. Enquanto publicou a opinião de Hélio Schwartsman, também postou uma charge áspera sobre o tema. 

Hélio Schwartsman: “não vi nada de escandaloso [no texto de Risério]”. É preciso conceder o princípio da caridade; isto é, conceder às declarações analisadas a mais generosa interpretação possível.

O cartunista Alberto Benett entrou na discussão e fez uma charge áspera sobre racismo reverso

(Imagem: Reprodução | Folha de S.Paulo)

Mas isso basta? Racismo não tem dois lados. É unilateral. É crime.

E foi exatamente esse o questionamento feito pela historiadora Lilia Schwarcz: “e a pergunta que não quer calar: por que a Folha de S.Paulo, sob a desculpa de pluralidade, dá força a esse tipo de polêmica? Folha Click devia ser o nome do noticioso".

Jornalismo incômodo

Há uma frase atribuída ao escritor George Orwell que define jornalismo como sendo a publicação “daquilo que alguém não quer que se publique. Todo o resto é publicidade”. De fato, o jornalismo existe para incomodar.

Mas, talvez, a pergunta que os grandes veículos de comunicação – os grandes donos dos palcos - devam começar a priorizar é incomodar a quem?  

Não dar palco para maluco não o faz desaparecer, mas pode ajudá-lo a ficar são.

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