Migalhas Quentes

Mulher que sofreu discriminação de gênero tem justa causa revertida

Após discussão, empresa demitiu trabalhadora e aplicou apenas advertência ao colega de trabalho.

31/10/2021

A 10ª turma do TRT da 3ª região manteve decisão que determinou a reversão da justa causa aplicada por uma distribuidora a uma trabalhadora que discutiu com outro colega de trabalho. Ficou provado que a empregadora agiu de forma discriminatória ao dispensar a profissional e aplicar somente uma advertência ao outro trabalhador. 

Discriminação: Revertida justa causa de empregada que discutiu com homem(Imagem: StockSnap)

A discussão entre os dois empregados aconteceu durante o horário de trabalho. Testemunhas ouvidas confirmaram que a trabalhadora, durante a desavença, chegou a arremessar latas em direção ao colega, mas sem acertá-lo.

Informações colhidas no processo mostram que a trabalhadora era empregada exemplar, querida pelos demais empregados, tanto que, no contrato de mais de três anos de duração, não sofreu advertência. Para a julgadora, ela foi “descartada”, sem qualquer direito trabalhista, “não porque cometeu uma falta grave, mas sim porque a conduta agressiva não foi tolerada pelo fato de ser mulher, uma vez que o outro empregado foi punido de forma mais branda”.

Perspectiva de gênero

Segundo a magistrada, o Brasil é signatário da CEDAW - Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, obrigando-se a “adotar medidas adequadas, legislativas e de outro caráter, com as sanções cabíveis e que proíbam toda discriminação contra a mulher”. A Convenção ainda prevê que é um dever “estabelecer a proteção jurídica dos direitos da mulher numa base de igualdade com os do homem e garantir, por meio dos tribunais nacionais competentes e de outras instituições públicas, a proteção efetiva da mulher contra todo ato de discriminação”.

Para a julgadora, o caso merece um olhar com perspectiva de gênero. “A evidente disparidade de tratamento não pode ser admitida”, ressaltou. Na visão da julgadora, ficou claro que houve discriminação. Ela observou, porém, que foi demonstrado que tanto a trabalhadora quanto o seu colega de trabalho tentaram praticar ofensa física.

“É essa visão de estereótipos de gênero arraigada na sociedade que deve ser inibida, sendo papel do Poder Judiciário declarar nula uma punição aplicada que não atende ao requisito da não-discriminação, sobretudo quando a distinção ocorre pelo simples fato de ser mulher.”

A juíza registrou que a prova testemunhal demonstrou que a empregada era uma pessoa querida no local de trabalho, enquanto o colega era quem tinha histórico de outros conflitos e postura agressiva. 

“A empresa, portanto, não estava preocupada com o histórico de cada empregado ou em medida pedagógica em face da empregada, mas em verdadeira punição para uma conduta, inadmissível para uma mulher, tendo em vista o estereótipo de gênero, mas que foi permanentemente tolerada no ambiente da reclamada quando praticada por empregado homem.”

De acordo com a magistrada, ainda que se considere que houve agressão física de ambas as partes, fato é que a pena aplicada revela-se discriminatória e, portanto, não pode ser chancelada pelo Poder Judiciário.

“Não se diga que a conduta agressiva não carece de punição. Trata-se verdadeiramente de conduta repreensível, mas não a merecer a medida extrema, quando conduta idêntica praticada por outro empregado, com histórico de comportamento agressivo e que teve como consequência a advertência verbal.”

A juíza reforçou que é dado ao empregador, no exercício de seu poder disciplinar, o direito de aplicar penalidades aos trabalhadores. Contudo, segundo ela, essas penalidades devem se orientar pelo propósito pedagógico, no sentido de propiciar o ajuste do empregado às regras laborativas, atentando-se para o nexo causal entre a falta e a pena, a adequação e a proporcionalidade entre elas, além da imediatidade na punição e ausência de discriminação. 

“Todavia, no caso em análise, a empresa adotou medidas punitivas diferentes para dois empregados que estavam envolvidos no mesmo episódio, sendo evidenciado que a trabalhadora foi tratada com elemento desqualificante e injusto.”

Assim, a magistrada entendeu que a justa causa não foi adequadamente aplicada, revertendo a dispensa para a modalidade sem justa causa, com o pagamento das parcelas rescisórias devidas. Determinou também indenização por danos morais no valor de R$ 9 mil. Houve recurso, mas os julgadores da 10ª turma do TRT-MG mantiveram a decisão de primeiro grau. 

A empresa tentou recorrer ao TST, mas não foi autorizado o seguimento do recurso por ausência de cumprimento dos pré-requisitos legais. Atualmente, não cabe mais recurso da decisão e já foi iniciada a fase de execução dos créditos trabalhistas.

Informações: TRT-3.

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