O STF começou a julgar ação que contesta a exclusividade da CTNBio - Comissão Técnica Nacional de Biossegurança para dispensar estudos de impacto ambiental e liberar a comercialização de organismos geneticamente modificados - transgênicos. O julgamento discute artigos da lei de biossegurança (11.105/05).
A discussão foi interrompida com pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Até o momento, o relator, ministro Nunes Marques, não viu nenhuma irregularidade na exclusividade conferida à comissão e opinou pela rejeição integral da ação. Edson Fachin divergiu ressaltando que a Constituição enumera que assuntos do meio ambiente é competência da União, dos Estados e dos municípios.
Última instância
A exclusividade da CTNBio para autorizar a comercialização de transgênicos foi estabelecida pela lei de biossegurança (11.105/05), que também prevê o órgão como sendo a “última e definitiva instância” a decidir sobre a necessidade de licenciamento ambiental antes da liberação do uso de algum transgênico no país.
Alguns meses depois da lei ser sancionada, há cerca de 15 anos, a exclusividade da CTNBio para deliberar sobre esses pontos foi questionada com uma ação direta de inconstitucionalidade no Supremo pelo então procurador-Geral da República Claudio Fonteles, após uma representação feita pelo Idec - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e pelo Partido Verde. Ao todo, 20 dispositivos da lei de biossegurança foram impugnados.
O primeiro relator do caso, ministro Celso de Mello, não decidiu sobre o pedido de liminar para suspender trechos da lei. Desde então, entre idas e vindas, a tramitação da ação chegou a ficar três anos completamente interrompida, com o processo parado no gabinete de Antonio Fernando de Souza, sucessor de Fontelles no comando da PGR. Somente em fevereiro deste ano a ADIn entrou na pauta do plenário do Supremo, mas acabou não sendo apreciada.
Enquanto isso, a CTNBio seguiu operando normalmente. Em quase 15 anos, o colegiado composto por 27 especialistas aprovou a comercialização de 201 organismos geneticamente modificados no Brasil, de acordo com informações prestadas pela Advocacia-Geral da União no processo.
Alguns desses OMG’s são micro-organismos com aplicação na medicina, incluindo na produção de vacinas contra a covid-19. A maioria (114) são plantas, todas variantes de seis culturas: soja, algodão, milho, feijão, eucalipto e cana de açúcar.
Argumentos
Em síntese, a PGR sustenta, entre outros pontos, que a lei de biossegurança não poderia ter suplantado a participação de outros órgãos ambientais na deliberação sobre os transgênicos, tampouco ter afastado por completo o processo de licenciamento ambiental, que pela Constituição deve ocorrer sempre que houver risco de “significativa degradação do meio ambiente”.
Em contra-argumento, a AGU defende a constitucionalidade de toda a Lei de Biossegurança, e sustenta que a legislação foi adequada ao conferir a um corpo técnico, formado por especialistas doutores, a responsabilidade para decidir se determinado produto transgênico representa ou não um risco de degradação ambiental.
Diversas entidades interessadas também apresentaram manifestações contra e a favor da lei. Grupos como o Greenpeace e a Anpa - Associação Nacional de Pequenos Agricultores sustentam que o objetivo da lei de biossegurança foi afastar a aplicação da legislação ambiental no caso dos transgênicos, e que o meio encontrado para isso foi a criação de um órgão com exclusividade sobre o assunto.
A manobra teria como prioridade acelerar a liberação comercial de produtos, em detrimento a questões ligadas à saúde humana e ao meio ambiente, argumentam tais entidades.
Outros organismos, como a ABBI - Associação Brasileira de Bioinovação, que representa empresas do setor de biotecnologia, destacam que a CTNBio é composto por pesquisadores e acadêmicos de alto calibre, e defendem que o colegiado tem funcionado, nos últimos 15 anos, com excelência na regulação, monitoramento e análise dos riscos envolvidos com os transgênicos.
Nesse lado, um dos principais argumentos é o de que a perda de exclusividade da CTNBio representaria um risco para a continuidade de pesquisas genéticas, gerando insegurança na comunidade científica e nos investidores, argumenta a ABBI.
CTNBio
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança tem por finalidade prestar apoio técnico ao governo Federal na formulação e implementação da Política Nacional de Biossegurança.
Isso inclui o poder de criar normas técnicas de segurança e emitir pareceres técnicos para atividades que envolvam a construção, experimentação, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, armazenamento, liberação e descarte de organismos geneticamente modificados.
O colegiado é composto por 27 especialistas, além de suplentes, todos necessariamente com grau acadêmico de doutor e “destacada atividade profissional nas áreas de biossegurança, biotecnologia, biologia, saúde humana e animal ou meio ambiente”, de acordo com a legislação. Os mandatos são de dois anos, renováveis por mais dois.
Dos 27 membros titulares, 12 são especialistas nas áreas animal, vegetal, de saúde humana e de meio ambiente, e são indicados por meio de listas tríplices formuladas por sociedades científicas, entre elas a SBPC - Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e Academia Brasileira de Ciências.
Os demais são representantes de ministérios ou especialistas indicados por ministérios, em áreas como as de defesa do consumidor, saúde, meio ambiente, biotecnologia, agricultura familiar e saúde do trabalhador.
- Processo: ADIn 3.526