Migalhas Quentes

Desembargador fala de modo grosseiro com colega em sessão no TRF-2

O desentendimento teria ocorrido sobre uma questão processual - a “preclusão pro judicato”.

30/8/2021

O desembargador André Fontes e a desembargadora Simone Schreiber, ambos do TRF da 2ª região, protagonizaram uma discussão acalorada durante julgamento na 1ª seção especializada, no último dia 26.

O desentendimento ocorreu sobre uma questão processual - a “preclusão pro judicato”. André Fontes pediu a palavra para esclarecer pontos de seu voto, dizendo que repercutiram uma premissa “não verdadeira” de sua conclusão. Em seguida, a magistrada Simone Schreiber pediu a palavra para elucidar seu ponto de vista, quando o desembargador se exasperou inapropriadamente.

Em determinado momento do vídeo, é difícil, até mesmo, entender o que os desembargadores estão falando, dado o tom de voz alterado.

Simone Schreiber: não faço crítica pela crítica (...) quem está falando sou eu, desembargador André.

Simone Schreiber: V. Exa só se comporta assim comigo.

André Fontes: V. Exa. não tem autoridade constitucional para falar de mim, desembargadora. Há ata registrada de V. Exa me insultando em sessão, me desqualificando em sessão.

Assista ao vídeo.

Após o episódio, a AJD - Associação Juízes para a Democracia – AJD emitiu nota de repúdio contra a conduta do desembargador André Fontes. Para a entidade, a conduta do magistrado revela "inequívoca manifestação de violência de gênero" quando responde à desembargadora Simone Schreiber. Leia a íntegra da nota.

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A Associação Juízes para a Democracia – AJD, entidade de âmbito nacional, vem manifestar seu veemente repúdio à conduta do Desembargador Federal André Fontes em face da Desembargadora Federal Simone Schreiber, ocorrida na sessão da 1ª Seção Especializada em Matéria Criminal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ocorrida no dia 26 de agosto de 2021 e, simultaneamente, sua solidariedade à Desembargadora Federal Simone Schreiber.

A conduta do Desembargador revela inequívoca manifestação de violência de gênero que excedeu, em muito, os limites da manifestação contundente de seu ponto de vista, revelando-se violenta, desrespeitosa e ofensiva em seu conjunto, notadamente nos pontos em que invoca conhecimentos inerentes de “alunos de primeiro ano de direito”, “dificuldades de enxergar” e, principalmente, quando sugere que a Desembargadora faltou com a “boa-fé objetiva”, ao “faltar com a verdade” sobre fundamentos de seu voto. A violência não se resumiu ao conteúdo da fala, mas também se materializou na conhecida conduta do “manterrupting” que consiste em não respeitar o tempo de fala da mulher, interrompendo-a e impedindo-a de concluir seu raciocínio, além do tom de voz alterado que, aos gritos, dirigiu-se à Desembargadora que, ao contrário, buscava tão somente expor seus fundamentos.

A conduta merece repúdio, sobretudo, por não se revelar como ato isolado. A violência de gênero, praticada de forma reiterada, em sessões de julgamento, configura prática de assédio moral que não pode ser tolerada e naturalizada numa instituição do sistema de justiça que se pretende democrática.

Retirar, dificultar, menosprezar, obstaculizar, interditar a voz das mulheres nas instituições democráticas, infelizmente, tem se revelado uma prática constante, não apenas no Poder Judiciário, mas em outras instituições da República, como por exemplo nos Parlamentos. 

A criação de constrangimentos, ou mesmo a supressão do direito de manifestação e participação igualitária das mulheres empobrece o debate público e descaracteriza o próprio conceito substancial de democracia, pois, além de criar embaraços ao direito de igual participação, coloca a violência de gênero em cena, desestimulando sua ação discursiva,  criando o conhecido “chilling efffect”, ou seja, efeito dissuasório da ampliação da representatividade de gênero, interseccionada por critérios de classe e raça, dos grupos não hegemônicos.

A reprovável conduta do Desembargador Federal André Fontes é um triste capítulo das práticas de violência de gênero e assédio moral em razão de gênero que devem merecer repúdio e ensejar as responsabilidades cabíveis, se quisermos construir um Poder Judiciário isento de machismo institucional.

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