Na última sexta feira, em julgamento virtual, a 2ª turma do STF, por 3 votos a 2, rejeitou denúncia oferecida contra o atual ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, e o deputado Federal Dudu da Fonte pela suposta prática de crime de obstrução de Justiça. Segundo a PGR, ambos teriam agido para alterar o depoimento de uma testemunha em inquérito policial.
Recebiam a denúncia os ministros Edson Fachin e Cármen Lucia, enquanto os ministros Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Nunes Marques rejeitaram a inicial diante da ausência de investigação em andamento no momento dos supostos fatos – existiam duas ações penais arquivadas - de forma que não haveria necessidade sequer de averiguar se as condutas relatadas pelo Ministério Público existiram ou não.
O caso
A ação começou a ser julgada em 2018, momento em que Fachin votou pelo recebimento da denúncia contra o então senador Ciro Nogueira Filho, o deputado Federal Eduardo da Fonte e Márcio Henrique Junqueira. À época, a análise do inquérito foi suspensa por pedido de vista da ministra Cármen Lúcia.
A PGR denunciou-os, em junho daquele ano, pela prática do crime previsto no art. 2º, § 1 º, da lei 12.850/13:
"Art. 2º Promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa: (...) § 1º Nas mesmas penas incorre quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa."
Segundo o MPF, entre outubro de 2017 e março de 2018, os denunciados praticaram diversos atos de embaraçamento a investigações de crimes que teriam sido praticados pelos parlamentares no contexto da Lava Jato.
Narra a denúncia que Ciro e Eduardo, por intermédio de emissário, o político Márcio Henrique, ameaçaram a testemunha José Expedito Rodrigues Almeida, deram-lhe dinheiro, pagaram despesas pessoais, bem como prometeram cargos públicos e uma casa para que este ex-assessor parlamentar desmentisse depoimentos que prestou, em 2016, à PF nos inquéritos sobre a organização criminosa integrada por membros do PP no Congresso, que tramitam sob a supervisão do STF (Inq 4.074, 3.989 e 4.631).
Materialidade e autoria
No início do voto, em 2018, o ministro Edson Fachin, relator, asseverou que a denúncia apresenta descrição suficiente das condutas supostamente ilícitas atribuídas a todos os acusados, demonstrando-se formalmente apta ao exercício do direito à defesa.
Conforme a peça de acusação, a testemunha José Expedito prestou serviços em períodos distintos e nessa qualidade observou prática de atos dos parlamentares. Em quatro depoimentos, teria detalhado os delitos apresentando provas de corroboração, e passou a ser ameaçado pelos parlamentares - o que levou à sua inclusão no Programa de Proteção do Ministério da Justiça.
"O MPF se desincumbiu do ônus de expor as condutas, descrevendo-as, indicando-as e apontando as ações de cada um dos denunciados", afirmou Fachin.
O relator rechaçou a tese da defesa de que como o legislador utilizou a palavra "investigação" no texto da lei, não seria possível a consumação do crime na fase posterior, em que a pretensão punitiva estatal já estaria judicializada.
"O crime em análise também tutela o produto das investigações. Ainda que deflagrada a fase processual, eventuais condutas tendentes a embaraçar os atos de investigação já praticados amoldam-se ao tipo penal."
Conforme Fachin, os elementos da peça acusatória, com menção a promessas de pagamento de quantias em dinheiro e ameaças à testemunha, autorizam o recebimento da denúncia e a consequente deflagração da ação penal: "Há substrato probatório mínimo de autoria e materialidade de embaraço de investigação."
Após o voto do relator, Cármen Lúcia pediu vista.
Retomada do julgamento
O julgamento foi retomado em 2021, em plenário virtual. Enquanto Cármen Lúcia votou pelo recebimento da denúncia, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Nunes Marques rejeitaram a acusação.
“Afastados os argumentos defensivos, suficiente é para o recebimento da denúncia a presença de indícios da autoria e da materialidade delitiva, os quais, conforme fundamentação acima, estão presentes. A prova definitiva dos fatos será produzida no curso da instrução, não cabendo, nesta fase preliminar, discussão sobre o mérito da ação penal”, disse Cármen.
Ao inaugurar a divergência, Gilmar observou que a testemunha José Expedito atuou, em diversas oportunidades, “para incitar e instigar a prática dos crimes, ao exigir o recebimento de valores e demandar a realização de reuniões com o denunciado Márcio Junqueira”.
“Destarte, entendo que assiste razão à defesa quando aduz que a referida testemunha atuou como verdadeiro agente infiltrado e provocador dos crimes denunciados, embora sem a existência de prévia decisão judicial autorizativa.”
Lewandowski acompanhou a divergência e Nunes Marques concluiu que “à época dos fatos inexistia qualquer investigação em curso sobre crimes, em tese, praticados por organização criminosa, uma vez que os dois inquéritos que supostamente teriam investigado o crime de obstrução se encontravam na fase de recebimento da denúncia, restando atípica a conduta de obstrução de justiça, neste ponto, tendo em vista que o tipo legal restringe o cometimento desse crime na fase pré-processual das investigações”.
Dudu da Fonte foi defendido por Pierpaolo Bottini, Aldo Romani Netto e Marcio Palma, do escritório Bottini & Tamasauskas Advogados. A defesa de Ciro Nogueira foi feita pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay.
- Processo: Inq 4.720
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