No caso do incêndio no Ninho do Urubu, o Ministério Público suscitou a suspeição do juiz Marcos Augusto Ramos Peixoto, da 37ª vara Criminal da Comarca da Capital/RJ, após o magistrado reconsiderar o recebimento da denúncia quanto a dois réus. O magistrado não aceitou a suspeição arguida e rebateu o parquet: “Então, o juiz é ‘suspeito’ quando decide contra o Ministério Público, mas não quando decide a seu favor?”
O Ministério Público arguiu “suspeição condicional” do juiz, ressaltando que ao reconsiderar o recebimento da denúncia quanto a dois réus, teria avançado no mérito das questões levadas ao feito na fase preambular, pelo que estaria suspeito para dar sequência ao julgamento, acaso reformada pelo Tribunal a decisão quanto a estes dois réus.
O magistrado iniciou a decisão lamentando “profundamente a violação ao dever de urbanidade que deve(ria) imperar entre os atores do processo”. Para o juiz, tem se mostrado recorrente dentre alguns poucos membros do Ministério Público, que abandonem a argumentação para passar às ofensas.
Segundo o juiz, se suspeição houvesse, já haveria desde aquele momento e não no futuro, se e quando provido o recurso ministerial. Para o magistrado, “suspeição” não é algo a ser analisado se e quando for da conveniência de apenas uma das partes: ou existe ou não existe, independentemente do destino a ser conferido à via recursal interposta por A ou B.
“Vale lembrar que no recurso em sentido estrito este julgador terá, antes de remetê-lo ao Tribunal, de exercer juízo de retratação: como entender que tal seja possível se uma das partes afirma que, pelo que já consta dos autos (não por motivo superveniente) o magistrado é, aqui e agora, suspeito? À toda evidência, tal importaria em manifesta inversão tumultuária vez que ao ser eventualmente acolhida a ‘suspeição’, a mesma seria reconhecida nos autos recursais que somente subiram ao Tribunal porque a decisão impugnada não foi reconsiderada pelo juiz... ‘suspeito’.”
Juízo de garantias
Para o magistrado, o MP confunde suspeição com dissonância cognitiva, mas são inconfundíveis, “sendo que a primeira se resolve pela arguição da exceção pertinente, enquanto a segunda somente se resolveria pelo juízo de garantias”.
“Assim é que não se mostra minimamente legítimo que pretenda o Ministério Público um juiz de garantias para chamar de seu – e só seu. Se a preocupação com dissonância cognitiva é efetivamente legítima, ela não se aplica somente à acusação ao pretender afastar o juiz que rejeitou a denúncia, mas também às defesas que, certamente, prefeririam que seus constituintes fossem julgados por juiz outro que não aquele que recebeu a inicial, seja na fase do artigo 396, seja na do 399.”
O magistrado explicou que desceu à análise mais detalhada do feito em razão das pormenorizadas e muito bem elaboradas respostas à acusação apresentadas por todas as partes, inclusive porque, se não o fizesse, a decisão poderia ser inquinada de nulidade.
“Entretanto, se o fez na decisão quando da reconsideração do recebimento da denúncia, objeto do recurso em sentido estrito ministerial, também o fez quando ratificou o recebimento da denúncia. Por qual motivo, então, o magistrado seria ‘suspeito’? Só porque não proferiu decisão integralmente condizente com o esperado pela acusação? Então, o juiz é ‘suspeito’ quando desce à (necessária, como fundamentado) análise pormenorizada do feito e decide contra o Ministério Público, mas não quando decide a seu favor? Não faz o mínimo sentido.”
Contraditório
A acusação alegou ainda que o magistrado de um lado teria violado o contraditório e, de outro, a paridade de armas ao não abrir vista ao Ministério Público.
O magistrado ressaltou, no entanto, que existe a necessidade de abertura de vista ao Ministério Público se os acusados juntam documentos às respostas, e tal foi feito, quando determinou ao MP sobre todos os acrescidos, em especial os documentos acostados pelas defesas.
“Ocorre que o órgão acusatório, intimado eletronicamente, preferiu não se manifestar sobre os documentos que já estavam nos autos. Como aqui já dito, a uma, não compete a qualquer das partes presidir o processo, mas ao juiz e, a duas, manifestações do órgão acusatório, enquanto parte, não vinculam o Juízo que, como visto, abriu tempestivamente vista dos autos ao Ministério Público sobre os documentos que já estavam acostados.”
Diante disso, não aceitou a suspeição arguida.
- Processo: 0008657-88.2021.8.19.0001
Veja a decisão.