Estado deve, sim, ser responsabilizado civilmente em caso de repórter fotográfico ferido pela polícia durante tumulto em manifestação. Assim decidiu o plenário do STF na tarde desta quinta-feira, 10. Por maioria, os ministros fixaram a seguinte tese:
"É objetiva a responsabilidade civil do Estado em relação a profissional de imprensa ferido por agentes policiais durante cobertura jornalísticas em manifestações em que haja tumulto ou conflitos entre policiais e manifestantes.
Cabe a excludente de responsabilidade de culpa exclusiva da vítima, nas ocasiões em que o profissional de imprensa:
- Descumpra ostensiva e clara advertência sobre acesso a áreas delimitadas em que haja grave risco a sua integridade física."
Veja como cada ministro votou:
- Entenda o caso
Na inicial, o fotógrafo narra que em 18 de maio de 2000 foi escalado para cobrir uma manifestação de servidores públicos organizado pelo APEOESP - Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo, que ocorreu na Avenida Paulista, em frente ao MASP.
O repórter conta que a PM, por meio do batalhão de choque, iniciou uma intervenção que deixou 23 feridos, dois deles em estado grave. Na confusão, o repórter foi atingido por dois tiros de borracha - um deles atingiu suas costas e o outro seu olho esquerdo.
Na ação, o fotógrafo salientou que sofreu deslocamento de retina com hemorragia vítrea e perdeu por volta de 90% de sua visão no olho esquerdo. Assim, ele pede que o Estado seja responsabilizado por:
- Danos materiais: o autor conta que ficou impedido de exercer sua profissão após o ocorrido;
- Danos morais e danos estéticos: o autor está praticamente sem visão;
O TJ/SP negou ação de reparação de danos do profissional contra o Estado, assentando a culpa exclusiva da vítima, que ao permanecer fotografando o conflito teria assumido o risco.
Leia a íntegra da inicial.
- Estado deve ser responsabilizado
O caso começou a ser julgado em agosto de 2020 em plenário virtual. Naquela oportunidade, o relator, ministro Marco Aurélio, votou no sentido de afastar a culpa exclusiva da vítima e assentar a responsabilidade do Estado pelo dano causado.
A tese proposta pelo relator é a de que "viola o direito ao exercício profissional, o direito-dever de informar, conclusão sobre a culpa exclusiva de profissional da imprensa que, ao realizar cobertura jornalística de manifestação pública, é ferido por agente da força de segurança". Leia a íntegra do voto de Marco Aurélio.
Para Alexandre de Moraes, o TJ/SP não acertou ao considerar culpa exclusiva do repórter no caso: "qual a culpa exclusiva da vítima se ela estava tão somente realizando a sua atividade profissional? Não é razoável". O ministro salientou que a vítima não estava em local proibido e não invadiu um local que a polícia barrou. A tese vencedora do julgamento foi proposta por Alexandre de Moraes. "Não existe democracia onde as liberdades de reunião, de expressão e de imprensa forem ceifadas e ameaçadas", finalizou.
Em breve voto, Edson Fachin entendeu que deve, sim, ser imputado ao Estado o dever de indenizar quando descumprido o dever de diligência na proteção do profissional de imprensa. O ministro propôs a seguinte tese:
"O Estado é civilmente responsável pelo dano a profissional de imprensa ferido em situação de tumulto durante cobertura jornalística."
Luís Roberto Barroso explicou que a liberdade de expressão é indispensável à democracia e é imprescindível como registro histórico. “Portanto, o jornalista não estava lá correndo um risco por interesse próprio, mas por interesse público, que todos nós temos de saber o que que acontece em uma manifestação”, afirmou.
Para a ministra Rosa Weber, a decisão do TJ/SP (culpa exclusiva da vítima) desborda dos limites da responsabilidade do civil do Estado e ofende bens jurídicos protegidos constitucionalmente. Ato contínuo, Dias Toffoli votou pela responsabilização do Estado, formando, neste ponto, a maioria neste sentido.
Em favor de se fixar a indenização ao repórter, Cármen Lúcia frisou que o Estado não pode ser leviano em um Estado democrático. Em seguida, Ricardo Lewandowski votou por afastar completamente a “culpa exclusiva da vítima”, pois o ministro entendeu que o repórter estava em seu pleno exercício profissional.
Gilmar Mendes entendeu que não considera que o simples exercício da profissão de jornalista fotográfico, pelo fato de a vítima permanecer no local conflituoso, seja possível extrair culpa exclusiva da vítima.
Último a votar, o presidente Luiz Fux entendeu que o Estado deve ser responsabilizado neste caso. O presidente da Corte afirmou que uma das maneiras de se assegurar o exercício da liberdade de imprensa é proteger os jornalistas.
- Estado não deve indenizar
Para Nunes Marques, o Estado não deve ser responsabilizado civilmente pelas ações dos PMs. Entendimento contrário, segundo o ministro, acaba por transformar a responsabilidade civil do Estado em um “seguro contra morte e acidentes pessoais” em favor dos jornalistas a cargo do Poder Público.
De acordo com Nunes Marques, a responsabilidade civil do Estado, cobre os riscos normais decorrentes da prestação dos serviços públicos. “Não se pode extrair que a Administração sempre, e necessariamente, deva indenizar qualquer dano materialmente provocado pelos seus agentes, pois o nexo de causalidade pode, de fato, pode ser sido criado por ação ou omissão da própria vítima”.
“Liberdade de imprensa, como qualquer liberdade, implica riscos. Profissional de imprensa, como qualquer cidadão, não está livre de sofrer acidentes em seu trabalho.”
Por fim, o ministro Nunes Marques entendeu que o repórter fotográfico colocou-se em risco, algo "inerente a sua profissão".
- Processo: RE 1.209.429