Migalhas Quentes

Juíza anula dispensa após licença-maternidade: “mercado não as acolhe”

Magistrada reconheceu a necessidade de análise do caso a partir das lentes da perspectiva de gênero.

25/5/2021

A juíza do Trabalho Vanessa Karam de Chueiri Sanches, da vara do Trabalho de Marechal Cândido Rondon/PR, declarou nula a dispensa por justa causa aplicada à auxiliar de limpeza por abandono de emprego no período de retorno da licença-maternidade e reconheceu a necessidade de análise a partir das lentes da perspectiva de gênero.

De acordo com a magistrada, é necessário “para além da observância da norma formal que regulamenta as relações de trabalho e, em especial, as modalidades de rescisão contratual, uma análise a partir das lentes da perspectiva de gênero, que exige do(a) julgador(a) adotar uma postura ativa de reconhecimento das desigualdades a que as mulheres estão sujeitas, em suas diversas interseccionalidades, a fim de combater discriminações por elas sofridas e a perpetuação dos estereótipos de gêneros”.

(Imagem: Freepik)

A sentença destaca que, segundo preconiza o protocolo Mexicano para Julgar com Perspectiva de Gênero de 2013, “a aplicação da perspectiva de gênero no exercício argumentativo de quem aplica a justiça é uma forma de garantir o direito a igualdade e de fazer com que se manifeste como um princípio fundamental na busca de soluções justas. Isso impactará nas pessoas, na consecução dos seus projetos de vida e na caracterização do Estado como um garantidor destes ditos projetos”.

No caso concreto específico, a magistrada explica que a necessidade da análise do caso em tela pelas lentes da perspectiva de gênero implica admitir que a simples reversão da dispensa por justa causa, por ausência dos elementos objetivos exigidos, por si só, não expõe toda a dimensão do problema.

“As dificuldades encontradas pelas mulheres durante a gestação, pós parto e lactação, nas mais diversas atividades profissionais, é uma situação que precisa desse olhar para evitar que mais trabalhadoras sejam obrigadas a fazer opções entre trabalhar e ser mãe ou, sacrificar a sua condição maternal para se mostrar disponível a um mercado de trabalho que não as acolhe”, afirma Vanessa Sanches.

Na reclamação trabalhista, a autora alegou que não retornou ao trabalho logo após o fim do período de licença porque foi orientada pela supervisora a aguardar em casa, tendo em vista que o contrato com a empresa tomadora da prestação de serviços havia sido encerrado e que ela seria realocada para um novo posto de trabalho.

A magistrada observa que “tanto a rescisão contratual aplicada à demandante, como eventual exigência de que esta laborasse em posto de trabalho diverso da sua contratação e a 40km de distância do posto original, exatamente após o retorno da licença gestante e no seu período de lactação, além discriminatório ao trabalho da mulher, pois valora de forma negativa uma condição que lhe é específica (gestação /lactação), exige que ela se adapte a espaços e instituições que são estabelecidas a partir do modelo masculino”.

Por fim, a magistrada afirma que “exigir que a trabalhadora mãe e lactante, após seu retorno da licença gestante, se desloque para posto de trabalho diverso do da sua contratação, inclusive em outra cidade, é sim uma forma de discriminação em relação a estas mulheres, pois é uma maneira de inviabilizar a manutenção do seu trabalho e mais, excluí-la do mercado de trabalho, durante um período tão delicado da sua vida”.

Leia a decisão.

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