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Marco Aurélio vota por invalidar lei que permite bloqueio de bens de devedores da União

Os ministros julgam a lei 13.606/18, atacada por seis instituições, dentre elas o Conselho Federal da OAB.

3/12/2020

Nesta quinta-feira, 3, o ministro Marco Aurélio, do STF, votou por invalidar artigo 25 da lei 13.606/18 que possibilita à Fazenda Pública averbar a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto e penhora, tornando-os indisponíveis. Para o decano, o dispositivo é medida coercitiva e constritiva, que se enquadra no conceito de sanção política.

Seis ações sobre o tema tiveram seus respectivos julgamentos iniciados na tarde de hoje no plenário. Em razão do adiantado da hora, a sessão foi suspensa e o julgamento será retomado na próxima semana. 

(Imagem: Sessão)

O caso

As seis ações foram ajuizadas pelo PSB - Partido Socialista Brasileiro, ABAD - Associação Brasileira de Atacadistas e Distribuidores, CNA - Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, Conselho Federal da OAB, CNI - Confederação Nacional da Indústria, CNT - Confederação Nacional do Transporte.

As entidades questionam o artigo 25 da lei 13.606/18, que prevê a indisponibilidade de bens por meio da averbação pré-executória da certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos. A norma assim prevê:

“Inscrito o crédito em dívida ativa da União, o devedor será notificado para, em até cinco dias, efetuar o pagamento do valor atualizado monetariamente, acrescido de juros, multa e demais encargos nela indicados

§ 3º Não pago o débito no prazo fixado no caput deste artigo, a Fazenda Pública poderá:

II - averbar, inclusive por meio eletrônico, a certidão de dívida ativa nos órgãos de registro de bens e direitos sujeitos a arresto ou penhora, tornando-os indisponíveis.”

Para autores da ação, ao atribuir à Fazenda Pública Federal o poder indiscriminado de regulamentar e decretar, unilateralmente e sem intervenção do Judiciário, a indisponibilidade dos bens de particulares, o dispositivo viola o princípio da separação de Poderes e os direitos à propriedade, ao devido processo legal, à ampla defesa e ao contraditório.

Relator

O ministro Marco Aurélio julgou procedentes as ações, ou seja, no sentido de invalidar os dispositivos atacados. Para o decano, é dever da Fazenda Pública recorrer aos meios adequados à satisfação do crédito tributário, “abandonando a prática de fazer Justiça com as próprias mãos”, mediante a decretação unilateral da indisponibilidade de bens do devedor.

Inicialmente, o decano frisou que o projeto foi aprovado em menos de 20 dias, uma “célere aprovação de matéria estranha ao inicialmente estipulado, que descuidou dos parâmetros fixados pelo constituinte originário”, afirmou.

Para o decano, o ato atacado não se limitou a disciplinar regra de procedimento no tocante à cobrança de tributos, “antes ampliou o rol de instrumentos franqueados ao fisco voltados a satisfação do crédito, conferindo-lhe novo atributo mediante a garantia da indisponibilidade dos bens do devedor”, afirmou.

O ministro frisou que as disposições impugnadas são incompatíveis sob o ângulo formal da CF, o qual é expresso submeter à quórum qualificado sobre questão de crédito qualificado.

No âmbito material, o ministro entende que o legislador promoveu verdadeiro desvirtuamento do sistema de cobrança de dívida ativa da União, ante a previsão de espécie de execução administrativa dos débitos, “em desarmonia com as balizas constitucionais no sentido de obstar, ao máximo, o exercício da autotutela pelo Estado”.  

Marco Aurélio invocou dispositivo da CF o qual diz que ninguém será privado da liberdade, ou de seus bens, sem o devido processo legal. Marco Aurélio afirmou que, com aqueles preceitos legais, “o sistema não fecha, revelando-se o desrespeito aos princípios da segurança jurídica, da igualdade de chance e da efetividade da prestação jurisdicional”.

“Nítida sanção visando o recolhimento de tributo.”

Por fim, Marco Aurélio afirmou que o meio empregado previsto na lei, ainda que potencialmente adequado para a satisfação do crédito tributário, revela-se ilegítimo por compelir coercivamente o devedor. O decano disse que há meios menos gravosos para se atingir o objetivo. 

Sustentações

O advogado Felipe Santos Corrêa, pelo PSB, afirmou que a norma representa um completo desvirtuamento do sistema de cobrança da União e ofende princípios como os da reserva de jurisdição, ampla defesa e do contraditório. Segundoo causídico, a lei atinge de forma grave os médios e pequenos empreendedores, que atualmente sentirão mais dificuldade de buscar o Judicário, contra as investidas abusivas da União. Assim, pediu pela inconstitucionalidade do dispositivo.

No mesmo sentido, a Confederação da Agricultura e Pecuária, representada pelo advogado Felipe Camargo, entende que a norma prejudica, e muito, os produtores rurais do Brasil. O causídico ressaltou também que a norma foi aprovada sem o devido debate nas Casas Legislativas, já que foi apreciada e sancionada em 48h. Além desse fator, o advogado ressaltou a necessidade da intervenção do poder Judiciário para a indisponibilidade de bens do servidor. 

Também pela inconstitucionalidade da norma, o advogado Matheus Reis e Montenegro, pela Conselho Federal da OAB, afirmou que, no que tange a indisponibilidade de bens, o poder Judiciário deve ter sempre monopólio da primeira palavra. Além desse fator, o Fisco não deve temer o poder Judiciário, segundo o advogado. Ao enfatizar a inconstitucionalidade formal e material, o advogado pugnou pela inconstitucionalidade da lei. 

O advogado Gustavo do Amaral Martins, pela CNI - Confederação Nacional da Indústria, entende que se trata de uma lei ordinária que dispõe sobre matéria que deveria ser tratada em lei complementar. Para o advogado, a medida é, portanto, abusiva.

O procurador da Fazenda Nacional Fabrício Soller iniciou sua sustentação afirmando que a norma atacada é um procedimento instrumental do quanto já previsto em legislação complementar. Além disso, segundo o procurador, a averbação não expropria bens de quem quer que seja e se dá de forma temporária e restrita. O procurador trouxe dados que mostram que entre 2010 e 2017 imóveis no valor de R$ 160 bi foram alienados por devedores inscritos em dívida ativa da União, “isso configura-se fraude à execução”.

O PGR Augusto Aras entendeu que há inconstitucionalidade formal e material no dispositivo da lei. Para Aras, a norma viola a reserva da jurisdição, pois providências dessa natureza, por atingir o patrimônio do contribuinte, demandam decisão do órgão judicial. “O processo de execução fiscal é juridicamente adequado”, defendeu. Para o PGR, o legislador violou o devido processo legal. 

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