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Pedido de desculpas da Justiça à funcionária que teve valores bloqueados é “censura pública” à juíza, diz Amatra

Para a Associação, o pedido atribuiu à magistrada que determinou os bloqueios a prática de condutas como “constrangimento” e “violação do direito humano de acesso à Justiça”.

19/11/2020

A Amatra IV - Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª região, se manifestou sobre decisão da 8ª turma do TRT da 4ª região na qual o desembargador Marcelo José Ferlin D'Ambroso pede desculpas em nome da Justiça do Trabalho para uma empacotadora de supermercado que teve os valores de sua conta bancária bloqueados em razão da cobrança do pagamento de custas judiciais, mesmo declarando pobreza.

Segundo a Associação, as escusas feitas são como uma aplicação de “censura pública” à magistrada que determinou os bloqueios.

(Imagem: Burst.)

Caso

A funcionária moveu uma ação trabalhista e, como não compareceu à audiência inicial o processo foi arquivado e a juíza Luciana Caringi Xavier, da 7ª vara do Trabalho de Porto Alegre/RS, determinou que ela pagasse as custas (R$ 1.181,84) já que ela não justificou sua ausência. 

Logo após o arquivamento, a trabalhadora moveu nova ação, mas a magistrada determinou a citação da mulher para realizar o pagamento de custas, mesmo ela apresentando declaração de pobreza. A magistrada também determinou o bloqueio dos valores de sua conta bancária por dezessete dias, oportunidade em que foram localizadas e penhoradas as quantias de R$ 587,98. 

Diante da situação, a mulher recorreu apresentando novamente sua declaração de pobreza e comprovante de seu salário como empacotadora: R$ 937. 

Ao analisar o recurso, o relator do processo, desembargador Marcelo José Ferlin D'Ambroso, concedeu liminar para suspender o bloqueio de valores e, ao julgar o mérito, a 8ª turma do TRT da 4ª região anulou a decisão da juíza de primeiro grau. 

Em seu voto, o desembargador pediu desculpas pelos acontecimentos: "Ante as graves violações de Direitos Humanos constatadas neste processo, cumpre registrar pedido de desculpas públicas do Estado à trabalhadora".

Veja a decisão. 

Posicionamento

Conforme a nota de desagravo, a Amatra considera que acórdão atribui à magistrada Luciana Caringi Xavier a prática de condutas como “constrangimento” mediante a “imposição indevida de custas relacionadas a processo anterior como condição de procedibilidade”, e o cometimento de “violação do direito humano de acesso à Justiça”. 

"A imputação à magistrada prolatora das decisões por ela reformadas de tais fatos culminou em aplicar penalidade inexistente na própria Loman, ao fazer uma clara censura pública à magistrada, com o agravante de que a tal 'penalidade' foi aplicada por juízo incompetente para tanto, usurpando competência do Órgão Especial, tomando para si atribuições que são privativas da Corregedoria Regional do Tribunal e, principalmente, sem o devido processo legal", disse a entidade.

 

Leia a íntegra da nota:

______

Nota de Desagravo

A Associação dos Magistrados da Justiça do Trabalho da 4ª Região (Amatra IV), entidade associativa representativa da Magistratura Trabalhista do Estado do Rio Grande do Sul, em face da recente divulgação do teor do acórdão proferido pela 8ª Turma do TRT da 4ª Região no processo nº 0021277-54.2019.5.04.0007, vem a público emitir a presente nota, nos seguintes termos: 

1 – A Amatra IV respeita e não pretende negar a quem quer que seja, em especial aos magistrados integrantes das instâncias revisoras, o direito à independência funcional e o direito à livre manifestação do pensamento, constitucionalmente assegurados, e entende, ademais, que, sendo a atividade jurisdicional uma atividade pública, prestada pelo Estado por intermédio dos seus juízes, ela, de forma alguma, está infensa ou imune à crítica, que, quando construtiva e bem direcionada, apenas contribui para o aperfeiçoamento das Instituições e para a melhora na qualidade da prestação jurisdicional entregue à sociedade. 

2 – Entende, todavia, que o teor do acórdão proferido pela 8ª Turma do TRT da 4ª Região no Processo 001277-54.2019.5.04.0007, em 26.10.2020, desborda os limites da simples crítica jurídica nos autos, atribuindo à magistrada a prática de condutas como “constrangimento” à parte recorrente, mediante a “imposição indevida de custas relacionadas a processo anterior como condição de procedibilidade”, e o cometimento de “violação do direito humano de acesso à Justiça”, concluindo, ainda, com pedido de “desculpas públicas devidas pelo Poder Judiciário” à parte recorrente sem a necessária autorização da Presidência do Supremo Tribunal Federal, a quem compete a representação do Poder Judiciário para tal efeito. 

3 – Os atos jurisdicionais examinados no acórdão proferido pela 8ª Turma do TRT da 4ª Região no Processo 001277-54.2019.5.04.0007 estão todos fundamentados pela magistrada prolatora, na forma exigida pelo artigo 93, IX da Constituição Federal, e são passíveis de recurso próprio, já manejado pela parte interessada nos autos do processo em que praticados, e, por isso mesmo, esta entidade, até pelo respeito que devota à independência da magistratura, que é uma das mais importantes garantias do Estado Democrático de Direito, deixa de emitir juízo de valor ou de tecer comentários sobre o mérito deles, ressaltando, apenas, que todos eles encontram respaldo no ordenamento jurídico pátrio.

4 – A imputação à magistrada prolatora das decisões por ela reformadas de tais fatos culminou em aplicar penalidade inexistente na própria Loman, ao fazer uma clara censura pública à magistrada, com o agravante de que a tal “penalidade” foi aplicada por juízo incompetente para tanto, usurpando competência do Órgão Especial, tomando para si atribuições que são privativas da Corregedoria Regional do Tribunal e, principalmente, sem o devido processo legal.

5 – A situação se reveste de maior gravidade, também, porque interfere na prerrogativa da Juíza de primeiro grau de organizar a sua pauta de audiências, determinando a inclusão do feito em pauta preferencial, ao arrepio de qualquer previsão legal, e imiscuindo-se, uma vez mais, em atribuição privativa da Corregedoria Regional. 

6 – A Amatra IV reafirma que a possibilidade de haver decisões divergentes na interpretação de um mesmo dispositivo de lei, seja entre juízes da mesma instância, seja entre magistrados de instâncias diversas, é a plena manifestação da garantia constitucional da independência da magistratura, que não é mera prerrogativa do juiz, mas, acima de tudo, garantia da sociedade, de que as decisões e demais atos jurisdicionais praticados pelo juiz o serão sempre com base nos princípios do livre convencimento e da persuasão racional, sem possibilidade de interferência de qualquer espécie de pressão externa. 

7 – Por estes fundamentos, Amatra IV, pela presente, vem desagravar a juíza do Trabalho substituta Luciana Caringi Xavier, ao mesmo tempo em que reafirma e pugna pelo dever de observância da prerrogativa constitucional da independência judicial, do respeito à honra e à dignidade dos magistrados e dos deveres insculpidos na Loman, em todas as instâncias da Justiça do Trabalho. 

Porto Alegre, 17 de novembro de 2020. 

Tiago Mallmann Sulzbach
Presidente

 Márcio Lima do Amaral
Vice-presidente

 Adriana Kunrath
Secretária-geral

 Jefferson Goes
Diretor administrativo

 Rachel Mello
Diretora financeira    

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