A obrigatoriedade de transmissão do programa "A Voz do Brasil" em horário imposto pelo Governo não viola a liberdade de expressão assegurada pela Constituição Federal aos veículos de comunicação, como rádio. O entendimento foi fixado em julgamento no plenário do STF, que teve como condutor o voto do ministro Alexandre de Moraes. Placar foi de 8 a 3.
Os ministros analisaram recurso especial da União no qual foi defendido que a transmissão em horário definido possibilita maior acesso à audiência da população, habituada a ouvir a programação a partir das 19h. Até 2018, todas as rádios deveriam transmitir o programa entre 19h e 20h, mas naquele ano, o ex-presidente Michel Temer sancionou lei permitindo a transmissão das 19h às 22h.
A ação foi apresentada pela União para questionar decisão do TRF da 3ª região que considerou a obrigatoriedade de retransmissão do programa em horário impositivo incompatível com o artigo 220 da Constituição da República, que veda qualquer restrição à manifestação do pensamento, à criação, à expressão e à informação. O Tribunal autorizou que a empresa recorrida, O Diário Rádio e Televisão, transmitisse o programa em horário alternativo.
A União defendeu que a alteração da cláusula impositiva do horário presente no contrato de concessão de serviço público viola os princípios da igualdade, proteção à concorrência e separação dos Poderes. O Diário Rádio e Televisão defendeu, por sua vez, a liberdade das pessoas ou dos órgãos da imprensa de expor qualquer ideia no território nacional no horário que desejar, com restrição apenas aos casos expressos no próprio texto constitucional, por exemplo, a reserva de tempo aos partidos políticos.
Horário imposto
O ministro Alexandre de Moraes votou pela procedência da ação e entendeu ser possível que o Poder Público fixe um horário de maior audiência para que seja realizada a exibição do programa.
"Presente razoável e adequada finalidade de fazer chegar ao maior número de brasileiros diversas informações de interesse público, é constitucional o artigo 38, "e", da Lei 4.117/1962, com a redação dada pela Lei 13.644/2018, ao prever a obrigatoriedade de transmissão de programas oficiais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário ("Voz do Brasil"), em faixa horária pré-determinada e de maior audiência."
Para Moraes, a obrigatoriedade de transmissão em determinado horário não viola a liberdade de expressão. Segundo afirmou S. Exa., a legislação prevê a obrigatoriedade de transmissão de programas oficiais dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, de interesse de toda a sociedade, em horário de grande audiência, com o escopo de fazer chegar ao maior número de cidadãos informações de interesse público.
"Ora, permitir que a emissora de rádio transmita esse programa no horário que desejar pode reduzir drasticamente seu alcance, perdendo, portando, a função principal da norma."
A divergência foi seguida pelos ministos Rosa Weber, Nunes Marques, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Toffoli, Fux e Barroso.
- Leia o voto de Alexandre de Moraes.
Flexibilização
Posicionamento vencico, o ministro Marco Aurélio, relator, entendeu ser incompatível com a Constituição Federal a previsão impositiva de horário do programa "A Voz do Brasil".
Para S. Exa., somente se tem sociedade aberta, tolerante e consciente a partir do amplo direito de escolha da informação. "Quando a opinião oficial é imposta, retira-se da sociedade oxigênio da democracia, aumentando-se o risco de se ter povo dirigido, massa de manobra sem liberdade", disse.
O ministro não acolheu o argumento da União de que o horário imposto aumentaria a audiência e defendeu que é preciso preservar a independência dos veículos de comunicação:
"Considere-se mais o novo cenário, representado pelo ambiente virtual, com transmissão via tecnologia streaming, enviando informações multimídia, por meio da transferência de dados, utilizada rede de computadores, com sinal acessível em dispositivos tecnológicos. Cabe preservar a independência técnica dos demais veículos, fugindo à postura autoritária."
Por fim, propôs a seguinte tese:
"Surge incompatível com a Constituição Federal a obrigatoriedade de transmissão do programa 'A Voz do Brasil' em horário impositivo."
O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin e Lewandowski
- .Leia o voto do ministro Marco Aurélio.
Ao seguir o relator, Toffoli apresentou voto-vista no sentido de autorizar a retransmissão do programa “A Voz do Brasil” em horário alternativo.
O ministro explicou que a jurisprudência do STF considera legítima a determinação para que rádios retransmitam diariamente o programa. Entretanto, o ministro pontuo ser preciso garantir a liberdade da comunicação social e do acesso à livre informação.
- Leia o voto do ministro Toffoli.
- Processo: RE 1.026.923
Um pouco de história
A Voz do Brasil completa 85 anos em 2020. Se iniciou em 1935, durante o Estado Novo da Era Vargas. Inicialmente, chamava Programa Nacional e era um instrumento utilizado na publicidade governamental. Em 1938, a veiculação passou a ser obrigatória nas rádios, com o horário fixo das 19h às 20h, e o nome mudou para A Hora do Brasil.
O nome A Voz do Brasil foi adotado a partir de 1971. Ao longo dos anos, o programa se manteve em divulgar notícias oficiais dos Três Poderes, mas a forma de transmití-las mudou sensivelmente. Foi só em 1998 que a população pôde escutar uma mulher na locução do programa e em 2003 o microfone foi aberto para que a população pudesse interagir. O que não mudou, foi a ópera "O guarani", de Carlos Gomes.
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(Fonte: Jornal A Noite, Biblioteca Nacional)