O caso teve início em ação ajuizada por uma pensionista de Canoas/RS, diagnosticada com câncer de esôfago, contra negativa do plano de saúde de realização de um exame (manometria esofágica) não coberto pelo contrato, firmado em 1995. A 2ª turma Recursal Cível dos Juizados Especiais do Estado do RS, com fundamento na lei dos planos de saúde, declarou a nulidade das cláusulas que negavam a cobertura e condenou o plano a custear o procedimento e a pagar indenização por danos morais no valor de R$ 4 mil.
No recurso, a empresa sustentou a impossibilidade de aplicação da lei aos contratos firmados anteriormente à sua vigência, ressaltando que não cabe ao Poder Legislativo, por intermédio de lei superveniente, ou ao Poder Judiciário alterar o conteúdo de disposições contratuais. Para o plano de saúde, haveria grave ofensa à segurança jurídica, em prejuízo de toda a coletividade, se a decisão contestada fosse mantida, pois a irretroatividade da lei e o ato jurídico perfeito consistem em direitos fundamentais.
Desobrigação contratual
De acordo com o relator do RE, ministro Ricardo Lewandowski, a conduta da operadora de não autorizar o tratamento está amparada pelo contrato livremente pactuado na época. O ministro afirmou que as coberturas conferidas aos contratos anteriores à lei 9.656/98 são as previstas na Tabela da Associação Médica Brasileira (AMB) de 1992, e entre elas não está a manometria esofágica.
Lewandowski assinalou que a Constituição Federal de 1988, assim como a ordem constitucional anterior, tem como regra geral a rejeição à retroatividade das leis, em respeito à primazia do direito adquirido, no qual estão inseridos a coisa julgada e o ato jurídico perfeito.
Segundo S. Exa., os contratos de planos de saúde firmados antes da lei 9.656/98 podem ser considerados atos jurídicos perfeitos “e, como regra geral, estão blindados às mudanças supervenientes das regras vinculantes”. Assim, o exame de cláusulas contratuais estipuladas entre as partes, os termos da apólice, a cobertura e suas exclusões “não devem submeter-se à legislação posterior a ponto de torná-los inócuos ou desvirtuar seu propósito”.
Possibilidade de migração
O relator observou que a própria lei 9.656/98, em seu artigo 35, buscou regular as situações jurídicas constituídas antes de sua vigência, assegurando aos beneficiários dos contratos celebrados anteriormente a 10/1/99, data de sua entrada em vigor, a possibilidade de aplicação das novas regras.
O parágrafo 4° do artigo, por sua vez, proibiu expressamente que a migração fosse feita unilateralmente pela operadora. “Dessa forma, foi dado aos beneficiários a faculdade de migrar para a nova legislação”, assinalou. Os que não migraram permaneceram vinculados aos termos da contratação originária, “mantidos o valor da mensalidade antes ajustado e as mesmas limitações e exclusões pactuadas no contrato ao qual se obrigaram”.
O voto do relator foi acompanhado pelos ministros Marco Aurélio, Cármen Lúcia, Rosa Weber, Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes. O ministro Edson Fachin abriu divergência, por entender que o caso também diz respeito à violação do Estatuto do Idoso e do Código de Defesa do Consumidor. Seu voto foi seguido pelos ministros Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso.
Tese
A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte: "As disposições da Lei 9.656/1998, à luz do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, somente incidem sobre os contratos celebrados a partir de sua vigência, bem como nos contratos que, firmados anteriormente, foram adaptados ao seu regime, sendo as respectivas disposições inaplicáveis aos beneficiários que, exercendo sua autonomia de vontade, optaram por manter os planos antigos inalterados".
- Processo: RE 948.634
Informações: STF.