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STF fixa limites para fornecimento de informações entre agências de inteligência

Toda e qualquer decisão que solicitar os dados deverá ser devidamente motivada para eventual controle de legalidade que se faça necessária para a validade do ato, dispõe um dos limites fixados.

13/8/2020

Nesta quinta-feira, 13, o plenário do STF deu interpretação conforme a Constituição a dispositivo da lei que instituiu o “Sistema Brasileiro de Inteligência” no ponto sobre o compartilhamento de informações entre as agências que compõem o sistema.

Por maioria, os ministros decidiram que:

Entenda o caso

A Rede Sustentabilidade e o Partido Socialista Brasileiro ajuizaram a ação em face do parágrafo único do artigo 4º da lei 9.883/99, que assim dispõe: "Os órgãos componentes do Sistema Brasileiro de Inteligência fornecerão à ABIN, nos termos e condições a serem aprovados mediante ato presidencial, para fins de integração, dados e conhecimentos específicos relacionados com a defesa das instituições e dos interesses nacionais."

Segundo as legendas, a Abin tem poder de requisitar dados de investigações sigilosas, sigilo fiscal, relatórios do Coaf e dados de sigilo telefônico, “dentre tantas outras informações absolutamente sensíveis e sigilosas”. Para os partidos, a norma possibilita o desvirtuamento de finalidade da Agência, uma vez que o poder requisitório de informações e dados de todos os integrantes do Sisbin - Sistema Brasileiro de Inteligência depende de regulamentação pelo presidente da República.

As legendas observam que a requisição de informações se tornou ainda mais sensível com edição do decreto 10.445/20, que aprovou a atual estrutura regimental da Abin e deixou de restringir as hipóteses de requisição de informações no âmbito do Sisbin pela Agência. Segundo eles, com a mudança, basta uma requisição para que o diretor-geral da Abin tenha conhecimento de informações sigilosas.

Relatora 

A ministra Cármen Lúcia concedeu parcialmente a liminar. A relatora deu interpretação conforme à Constituição ao parágrafo único do artigo 4º da lei 9.883/99 para estabelecer que:

  1. Os órgãos componentes do Sisbin - Sistema Brasileiro de Inteligência somente podem fornecer dados específicos à Abin quando evidenciado interesse público da medida e afastada qualquer possibilidade desses dados poderem ser solicitados ou entregues para atender interesses pessoais ou privados;
  2. Toda e qualquer decisão que requisitar os dados deve ser devidamente motivada para eventual controle que se faça necessária para a validade do ato;
  3. Mesmo quando se constatar presente o interese público, dados referentes a comunicações telefônicas, da telemática, sujeitos a reserva de jurisdição, não podem ser compartilhados na forma do dispositivo legal, em razão da limitação constitucionalmente da reserva de jurisdição. 

Durante seu voto, a ministra Cármen Lúcia enfatizou o principal objetivo do compartilhamento dos dados e informações que está previsto na lei impugnada: a defesa das instituições e dos interesses nacionais. "Os mecanismos de dados de compartilhamento de dados e informações são postos para abrigar o interesse público e não para sustentar os interesses privados", disse.

Por fim, a relatora ressaltou a obrigatoriedade de motivação para o compartilhamento dos dados. Para ela, é necessário saber "por quê", "para quê" e se não havia outro caminho para obter as informações necessárias.

Votos do colegiado

O ministro Alexandre de Moraes concordou com os fundamentos da relatora, mas no dispositivo pensou que seria desnecessário a interpretação conforme à Constituição. Para S. Exa., não existe qualquer inconstitucionalidade na legislação que rege o Sistema de Inteligência Brasileiro. O ministro Moraes afirmou que se houver desvio de finalidade da lei impugnada será configurado como "crime"; no entanto, a lei propriamente dita não é inconstitucional.

Alexandre de Moraes afirmou que o sistema de inteligência não pode ser confundido com o sistema de investigação. Segundo explicou S. Exa., o Sisbin não prevê poder requisitório da Abin e nenhuma informação concreta de investigação é compartilhada ou pode ser compartilhada com os órgãos de inteligência.

Nenhum decreto que faz parte do Sisbin desde 1999 até 2020 deu margem a esta interpretação de que o sistema de inteligência brasileiro não precisasse respeitar cláusulas de sigilo, observou o ministro Alexandre de Moraes. Para o ministro, não seria necessário a interpretação conforme, já que a lei está bem clara e vem sendo seguinda há 21 anos. 

Posteriormente, votou o ministro Edson Fachin. Em breve voto, o ministro reconheceu que há razões para o pedido dos requerentes, haja vista o histórico ditatorial da história brasileira. O ministro reconheceu o periculum in mora da matéria, dando provimento ao seu voto, mas reajustando seu entendimento para acompanhar a ministra Cármen Lúcia.

O ministro Luís Roberto Barroso seguiu o entendimento da relatora. Barroso entende a preocupação dos requerentes, porque no caso do Brasil, o "passado condena". O ministro lembrou do atendado do Riocentro, em 1981, com a ajuda do sistema de inteligência, "uma das páginas mais infames da história brasileira", afirmou. No entanto, afirmou que na vida não devemos trabalhar com a distorção do que é certo e, por isso, votou no mesmo sentido da relatora. 

No mesmo sentido votou a ministra Rosa Weber, ou seja, pela interpretação conforme à Constituição do dispositivo impugnado. O ministro Luiz Fux também acompanhou a eminente relatora ao ressaltar entendimento do Tribunal alemão de que hoje em dia não existem dados insignificantes. Fux verificou que estão presentes os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora.

O ministro Ricardo Lewandowski destacou que não vê colisão do dispositivo impugnado com a Constituição Federal. O ministro concordou com Alexandre de Moraes no sentido do caso não comportar uma interpretação conforme, já que a lei está em vigor há 21 anos sem ter impugnada, e está bem clara com o que dispõe. Para S. Exa., não se pode supor que a Abin vai invadir a privacidade dos  cidadãos e fazer mau uso dos dados e, se o fizer, será crime. De acordo com Lewandowski, os requerentes buscaram  resolver pendências que não conseguiram solucionar na arena adequada, que é o Congresso.

O ministro Gilmar Mendes acompanhou o entendimento da relatora pela concessão parcial da cautelar.

O ministro Dias Toffoli acompanhou a relatora e propôs mais um item de observação: "Em caso de fornecimento de informações e dados à Abin é imprescindível procedimento formalmente instaurado e a existência de sistemas eletrônicos de segurança e registro de acesso, inclusive, para efeitos de responsabilização em caso de eventual omissão, desvio ou abuso". A sugestão foi aceita pela maioria dos ministros. 

Divergência

Já o ministro Marco Aurélio divergiu, no sentido de não conceder a cautelar. Para o ministro, o dispositivo impugnado, e que já está em vigência há 21 anos, não tem qualquer sentido com a CF. "Não vejo, no que aprovado pelos nossos representantes, algo discrepante com a CF" afirmou. Para o vice-decano, não é possível a interpretação conforme, pois este instituto pressupõe um dispositivo legal ambíguo, e no caso, segundo Marco Aurrélio, o dispositivo impugnado não surge conflitante com o texto constitucional. 

Sustentações orais

Pela Rede Sustentabilidade, o advogado Bruno Lunardi Gonçalves sustentou que a intenção do presidente da República, com a edição do decreto 10.445/20, não é melhorar o sistema de inteligência brasileiro, mas de dar dados a sua linha investigativa paralela, já que a norma deixou de restringir as hipóteses de requisição de informações. Assim, pediu a procedência da medida cautelar para que se afaste da hipótese de aplicação do fornecimento previsto na lei  de Sistema Brasileiro de Inteligência.

Pelo Partido Socialista Brasileiro, o advogado Rafael Carneiro afirmou que a norma questionada pretende criar uma grande vigilância e controle da população brasileira. "Claro ímpeto autoritário", afirmou. Segundo destacou o causídico, a LGPD estabelece que o tratamento de dados para fins de defesa nacional deve prever medidas necessárias para o interesse público, "o que não é observado na hipótese", disse. Por fim, requereu a procedência da ação para o estabelecimento dos limites de compartilhamentos de informações.

O AGU José Levi classificou como "pitoresca" o argumento de que existe uma "Abin paralela". Para o representante da União, não há vulneração de direitos fundamentais com as normas impugnadas, já que a Abin não acessa dados fiscais e bancários. O AGU explicou que os requerentes contestam lei que está em vigor há 21 anos e decreto que em nada altera a lei vigente. Por fim, pediu a não concessão da cautelar.

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