Para o IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros, é inconstitucional o projeto de resolução, a ser votado no CNJ para autorizar a realização, durante a pandemia, de sessões de julgamento do Tribunal do Júri, por meio de videoconferência.
O entendimento da entidade tem como base o parecer sobre a proposta produzido pelo relator João Carlos Castellar, da Comissão de Direito Penal. O parecer foi aprovado por unanimidade pela comissão, como também, em caráter de urgência, pela presidente nacional do IAB, Rita Cortez. “Somente por meio de lei podem ser alterados dispositivos processuais penais”, afirma João Carlos Castellar.
O relator destaca a importância histórica do Tribunal do Júri: “Nele são julgados os crimes dolosos contra a vida, razão pela qual tem assento constitucional desde sua instituição no ordenamento jurídico brasileiro, em junho de 1822, há quase dois séculos, hoje figurando entre as garantias individuais dos cidadãos”. Segundo ele, “somente nos períodos marcados por regimes autoritários e ditatoriais, tiveram alguma luminosidade aqueles que se animaram em diminuir e fragilizar a importância da bicentenária instituição do Tribunal do Júri”.
João Carlos Castellar contesta a argumentação de que a realização dos júris virtuais se destinaria a evitar o adiamento dos julgamentos durante a pandemia e garantir a razoável duração do processo.
“É preciso ter redobrada atenção para não se permitir que o quadro de isolamento social, ora vivido por causa da propagação de um vírus mortal, sirva de justificativa para que sejam colocados em prática mecanismos que retirem do júri os postulados da plenitude defensiva, da soberania das suas decisões e do sigilo das votações.”
Processo legal
A presidente nacional do IAB também criticou a proposta do CNJ. Segundo Rita Cortez, o texto desconsidera o princípio da observância do devido processo legal.
“A decretação do estado de emergência não justifica a adoção de medidas contrárias à Constituição Federal, principalmente naquilo que é mais sagrado para a advocacia: o pleno direito de defesa e a opção de conduzir o processo segundo a melhor estratégia, sempre com autonomia e independência.”
Para João Carlos Castellar, a substituição do júri presencial pelo virtual comprometeria a efetividade do julgamento. “A implantação de sistemas audiovisuais para os julgamentos a distância nos casos de competência do júri, por mais avançada e eficaz que seja a tecnologia empregada, nunca será igual nem se equiparará à presença física das testemunhas, peritos, réus, advogados, promotores e dos próprios jurados”, argumenta.
Conforme estabelecido no Código de Processo Penal, o Tribunal do Júri é constituído por um juiz de direito e 25 jurados (juízes leigos) maiores de 18 anos, de notória idoneidade e advindos de diversos segmentos da sociedade, tais como sindicatos, instituições financeiras, órgãos públicos e associação de moradores de comunidades carentes. A cada julgamento, sete dos 25 jurados são escolhidos por sorteio para integrar o júri. “Eles são aptos a decidir a causa, de acordo com os ditames de sua consciência, sem necessidade de motivação ou fundamentação”, explica João Carlos Castellar.
O relator critica também o fato de a previsão de júri virtual contrariar o art. 210 do CPP, segundo o qual as testemunhas não podem ouvir os depoimentos das outras. “Como assegurar que uma testemunha não ouvirá o depoimento da outra, estando ela em sua própria casa, onde pode ter instalado mais pontos de recepção da transmissão do julgamento?”, questiona.
João Carlos Castellar argumenta que a ideia de realização de júris virtuais está ligada à exacerbação do punitivismo. Ele exemplificou, citando que o tempo máximo de permanência na prisão, que era de 30 anos, aumentou para 40 anos, com a entrada em vigor, em 24 de dezembro de 2019, da Lei 13.964, a chamada Lei Anticrime.
Segundo Castellar, para a aprovação da mudança, foi utilizado “o execrável argumento de que o brasileiro é mais longevo hoje do que à época da edição do CPP”. O relator conclui: “É nesse cenário, em que se promove verdadeiro terror penal, que se quer negar a relevância da presença física das testemunhas, do réu e de sua defesa no julgamento das causas de competência do Júri”.